Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:01/20
Data do Acordão:10/07/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26445
Nº do Documento:SAC2020100701
Data de Entrada:01/21/2020
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO SEIXAL – JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA.
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
RECORRIDO: A............, LDA.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 1/2020

Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório
A…………, Lda., com os sinais dos autos, é arguida em processo de contra-ordenação, por ocupação do espaço público com um suporte publicitário com cerca de 5,00m x 0,70m, sem que tivesse efectuado a comunicação prévia prevista no Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro.
Por Decisão do Presidente da Câmara Municipal do Seixal, de 28.12.2018, foi a arguida condenada, pela prática de contra-ordenação por violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 10.º, conjugado com o n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, na coima de 2.000,00€ – cfr. fls. 73 a 76 dos autos.
A arguida interpôs, em 04.03.2019, impugnação judicial dirigida ao Juiz de Direito da Comarca de Lisboa, Seixal – Instância Local, nos termos do artigo 59º do DL nº 433/82, de 27/10 – cfr. fls. 82 a 89 dos autos.
Remetidos os autos ao Ministério Público do Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Local Criminal do Seixal foram por este apresentados ao Tribunal e distribuídos, em 22.05.2019 (cfr. fls. 157)
Em 25.06.2019, o Juízo Local Criminal do Seixal declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciação do recurso de contra-ordenação, face ao disposto no art. 4º, nº 1, al. l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), considerando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada – cfr. fls. 124 a 126.
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Almada – cfr. fls. 129.
Por despacho de 09.10.2019, o TAF de Almada julgou-se incompetente para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional, declarando ser competente o Juízo Local Criminal do Seixal.
Transitada esta decisão, a Juíza do TAF de Almada suscitou oficiosamente a resolução do conflito negativo de jurisdição entre aquele Tribunal e o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal do Seixal - cfr. fls. 131.
Neste Tribunal, a arguida notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 3 da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, nada veio dizer.
O processo foi com vista à Exma. Procuradora Geral Adjunta que emitiu parecer a fls. 137, no sentido de que a competência para julgar a impugnação judicial da decisão punitiva em causa deverá ser atribuída ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, área do contencioso tributário, por se estar perante um ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias, a que é aplicável o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF.


Apreciação da questão
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo Local Criminal do Seixal da Comarca de Lisboa e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pela arguida, na Câmara Municipal do Seixal em 04.03.2019 e remetida pelo Ministério Público ao tribunal em 22.05.2019, respeitante à aplicação de uma coima por violação do disposto violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 10.º, conjugado com o n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro
Entendeu o Juízo Local Criminal do Seixal que “no caso concreto, estamos perante a violação de normas regulamentares municipais que se inserem no âmbito de operações urbanísticas, conforme definição prevista no artigo 2.º, alínea j), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pelo que a competência para decidir o presente recurso de impugnação judicial de decisão administrativa pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.
Remetido o processo ao TAF de Almada este, por sua vez, considerou-se incompetente em razão da matéria, por “estar em causa, no caso sub judice, uma decisão sancionatória [por ocupação do espaço público com suporte publicitário, sem a respetiva comunicação prévia], relativa a um ilícito contraordenacional em matéria de ocupação de espaço público com publicidade, que reclama a aplicação do Decreto-Lei n.º 48/2011 (diploma que aprovou o regime de acesso e de exercício de diversas atividades económicas no âmbito da iniciativa «Licenciamento zero»), e do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal vide fls. 6 e 7 do PCO], que abrange punição de coima não incluída no âmbito do artigo 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF”.

Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211.º, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» [artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, n.º 1, do ETAF].
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art.º 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que atendendo à data da propositura da providência, é a que aqui releva) com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o A. configura a acção e que essa competência se fixa no momento em que a acção é proposta, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente (art.º 38.º da LOSJ).
Importa, assim, determinar em que data se considera proposta a acção. Em face do disposto no artº 59.º do DL nº 433/82 de 14/09 resulta que a decisão administrativa é susceptível de impugnação judicial através do recurso de impugnação interposto pelo arguido e apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias, devendo constar de alegações e conclusões, após o que os autos são enviados ao Ministério Público que os tornará presença ao juiz, valendo este acto como acusação.
Este Tribunal dos Conflitos já se pronunciou uniformemente de que é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa (cfr. Ac. de 23.05.209, Proc. 047/18 e demais jurisprudência aí citada.)
Ora, a impugnação judicial da decisão de aplicação da coima foi apresentada, pelo Ministério Público, à distribuição como acusação em 22.05.2019, pelo que é esta a data para determinar a competência do Tribunal.
Assim, importa ter em atenção a redacção do ETAF introduzida pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10 e não a actual redacção, como pretende a Exma. Procuradora Geral Adjunta no seu Parecer, dada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro e cuja entrada em vigor foi em 11.11.2019.
Está, assim, em causa nos autos, a alínea l) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, na redacção introduzida pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10, que dispunha:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(…)
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;”.
Por sua vez, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) atribui competência aos juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica “para julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada” (alínea d) do n.º 2 do artigo 130.º).
No caso dos autos, está em causa uma condenação pela prática de uma contra-ordenação por falta da comunicação prévia prevista no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 Abril.
O Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, “simplifica o regime de ocupação do espaço público, da afixação e da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial, no âmbito da iniciativa «Licenciamento zero», destinada a reduzir encargos administrativos sobre as empresas”.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo diploma estabelece, no que aqui importa, que “Para o efeito do número anterior são adoptadas as seguintes medidas: (…) b) É simplificado o regime da ocupação do espaço público, substituindo-se o licenciamento por uma mera comunicação prévia para determinados fins habitualmente conexos com estabelecimentos de restauração ou de bebidas, de comércio de bens, de prestação de serviços ou de armazenagem;”. Concretizando o n.º 1 do artigo 10.º que “O interessado na exploração de um estabelecimento deve usar o «Balcão do empreendedor» para declarar que pretende ocupar o espaço público, entendido como a área de acesso livre e de uso colectivo afecta ao domínio público das autarquias locais, para algum ou alguns dos seguintes fins: (…) e) Instalação de suporte publicitário, nos casos em que é dispensado o licenciamento da afixação ou da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial;”.

Nos termos deste normativo e na redacção em vigor para o caso, o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Como se expendeu no Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18, no qual estava em causa um concurso de infracções relativo à violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, quanto à opção legislativa relativa àquela alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»

O DL n.º 48/2011, de 1 de Abril, explicita no seu Preâmbulo que a iniciativa «Licenciamento Zero» destina-se “a reduzir encargos administrativos sobre os cidadãos e as empresas, por via da eliminação de licenças, autorizações, vistorias e condicionamentos prévios para actividades específicas, substituindo-os por acções sistemáticas de fiscalização a posteriori e mecanismos de responsabilização efectiva dos promotores” e que se simplificam ou eliminam licenciamentos (…) tais como os relativos a: 1) utilização privativa do domínio público municipal para determinados fins (…)”
Ora, a ocupação de espaço público com suporte publicitário sem a comunicação prévia prevista no DL n.º 48/2011, de 1 de Abril, constitutiva da referida contraordenação, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação da utilização do espaço público. No caso concreto, o espaço público do Município do Seixal. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos (cfr., em situação paralela, o Ac. de 19.06.2019, Proc. 10/19).

Pelo exposto, acordam em julgar competente em razão da matéria a jurisdição comum, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal do Seixal.
Sem custas.
Lisboa, 7 de outubro de 2020

Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

A presente decisão foi adoptada por unanimidade pelos Senhoras Conselheiras Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e vai assinada apenas pela relatora, com o assentimento (voto de conformidade) da Senhora Conselheira Adjunta, de harmonia com o disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio.