Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 065/17 |
Data do Acordão: | 05/17/2018 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA |
Sumário: | "Compete aos tribunais judiciais conhecer da acção em que se pede a declaração de ilicitude do alegado despedimento e a reintegração da Autora ao serviço de uma Freguesia quando o que se alegou não caracteriza um "contrato individual de trabalho da Administração Pública" ou um "contrato de trabalho em funções públicas”, mas simplesmente e por defeito, um contrato individual de trabalho”. |
Nº Convencional: | JSTA000P23292 |
Nº do Documento: | SAC20180517065 |
Data de Entrada: | 10/31/2017 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA, UNIDADE ORGÂNICA 1 E O TRIBUNAL DO TRABALHO DE GUIMARÃES, 1º JUÍZO AUTORES: A...... RECORRIDO: UNIÃO DE FREGUESIAS DE AGRELA E SERAFÃO |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | I- RELATÓRIO 1. A………….., residente em Fafe, propôs ação no Tribunal do Trabalho de Guimarães, em 25 de março de 2014, que qualificou como "Ação de Processo Comum emergente de Contrato de Trabalho", contra UNIÃO DE FREGUESIAS DE AGRELA E SERAFÃO, com sede na Rua Dr. Parcídio de Matos, n.70, Agrela e Serafão, Fafe, na qual pediu que fosse: A) Declarado e reconhecido como válido e eficaz o vínculo laboral decorrente do contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 2 de novembro de 2009, entre a Autora e a Junta de Freguesia de Serafão, bem como a sua conversão em contrato de trabalho sem termo, no fim dos sucessivos períodos de renovação; B) Declarado e reconhecido que, mercê da reorganização administrativa do território aprovada pela Lei n.22/2012, de 30 de maio, a Freguesia de Serafão e a de Agrela foram agregadas numa nova pessoa coletiva territorial, constituindo a autarquia agora Ré, e que, por força do n.2 do art.9º da citada Lei, a Ré sucedeu nas obrigações decorrentes do contrato de trabalho que a Junta de Freguesia de Serafão havia celebrado com a Autora, designadamente na posição de empregadora no aludido contrato de trabalho; C) Declarados e reconhecidos os créditos laborais da Autora sobre a Ré, emergentes de diferenças salariais, férias, subsídio de férias e de Natal dos anos de 2010 até 2013, bem como de retribuições por trabalho suplementar, concretizados nos artigos 15º, 17º, 19º, 23º e 27º da petição, créditos que ascendem ao montante global de 8.351,58 (oito mil trezentos e cinquenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), conforme sumariado no artigo 28 da petição. D) Condenada a Ré a pagar à Autora aquela quantia de 8.351,58 (oito mil trezentos e cinquenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento. 2. A Ré apresentou contestação (a fls. 37 e seguintes), invocando ser parte ilegítima no processo (dado ter celebrado o contrato com a Ré por delegação de competência da Câmara Municipal de Fafe). 3. A Autora apresentou Resposta à exceção da ilegitimidade (a fls. 93 e seguintes). 4. Em 2 de junho de 2016 realizou-se audiência de julgamento (a qual foi suspensa, tendo sido concluída em 05 de julho de 2016). 5. O Tribunal do Trabalho de Guimarães, por decisão de 21.09.2016 (fls. 164 a 168), entendeu que: "(...) tendo em consideração a causa de pedir alegada pela A. na petição inicial (os factos concretos em que radica o petitório) e a natureza jurídica do empregador nela identificado, as relações contratuais que constituem o fundamento dos pedidos formulados não são regulados por normas de direito privado, mas subsumíveis à Lei n.59/2008, que estabelece o regime dos contratos de trabalho em funções públicas". E concluiu que: "(...) a competência para apreciação e julgamento da matéria em causa na presente ação cabe aos tribunais administrativos e não às secções do trabalho. Pelo exposto, nos termos dos artigos 97º, 98°, 99º, 577º, al. a) e 578° todos do CPC, julga-se esta 3ª Secção do Trabalho - J1- da Instância Central da Comarca de Braga incompetente em razão da matéria e absolve-se a R da instância ".
6. Por despacho, de 12.01.2017 (de fls. 190 e 191), que atendeu ao requerido pela Autora, foram os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
7. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por decisão de 26.06.2017 (a fls. 193 a 197), entendeu que: "Do que vem exposto, resulta que a Autora configura a causa de pedir e o pedido como reportados a uma relação de trabalho privado, ainda que prestada a uma instituição pública. Pretende a Autora que se considere a existência de uma relação de trabalho subordinado com o Réu, sujeita ao regime de direito privado" E concluiu que: "(…) nos termos do art. 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, este Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga é materialmente incompetente para conhecer da presente ação, funcionando a regra geral prevista no art.66º do CPC que atribui aos tribunais comuns - no caso, o Tribunal de Trabalho - a competência para apreciação das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. A incompetência material configura exceção dilatória de incompetência absoluta, geradora da absolvição do Réu da instância - cfr. art. 96º, 99º, n.1, 278, n.1, al. a) e 577º, al. a) do CPC. Pelo exposto, declaro a incompetência deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em razão da matéria, para o conhecimento da ação e, 9. Pelo digno Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer (fls. 233 a 237), que conclui o seguinte: "(…) não se verificam no caso vertente, os requisitos necessários à constituição de uma relação jurídica de emprego público, como sejam a nomeação ou a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado ou a termo resolutivo certo ou incerto (cfr. art.9º, n.1, 20º e 21º, n.1 da Lei n.12-A/2008). Afigura-se-nos, pois, que a presente causa não cabe no âmbito da jurisdição administrativa, pelo que é nosso parecer que a competência para a sua resolução deverá ser atribuída aos tribunais judiciais, nos termos do n.1 do art.40º da Lei n. 62/2013 e art.64º do CPC”.
II- ANÁLISE DO RECURSO
A) Objeto do recurso: Está em causa, no presente conflito negativo de jurisdição, saber se a competência deve caber aos tribunais judiciais ou aos tribunais administrativos. Mais concretamente, trata-se de saber se o tribunal competente para apreciar o litígio é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ou o Tribunal do Trabalho de Guimarães, dado que ambos se consideraram incompetentes em razão da matéria. Para tal efeito será determinante apurar a natureza jurídica do contrato celebrado, ou seja, saber se se trata de um contrato ele trabalho "comum", disciplinado pelo Código do Trabalho, ou de um contrato de trabalho em funções públicas.
B) O direito aplicável: 1. O presente percurso decisório tem como ponto de partida o art.64° do Código do Processo Civil. Dispõe esta norma que "São da competência dos tribunais judiciais as causas que nela sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (Esta norma dá, assim, expressão à previsão constitucional constante do art.211º, n. 1 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe: "Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais". ). 2. Embora o art.212º, n.3 da Constituição da República Portuguesa disponha que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais", e o art.144º, n.1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário concretize este comando, estabelecendo que "Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais", o âmbito de competência desta jurisdição é restringido, no que ao caso decidendo interessa, pelo art.4º, n.4, al. b) (A atual redação desta norma, dada pelo DL n.º 214-G/2015, corresponde inteiramente ao que previa o art. 4º, n.3, alínea d), com a redação da Lei n.59/2008.) do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
3. Importa caraterizar, sumariamente, o vínculo de emprego público para, depois, face à factualidade que baseia a causa de pedir da Autora e aos pedidos por ela formulados, se concluir se, no caso decidendo, existe um vínculo de emprego público. O art. 7º da Lei n.35/2014 determina que o vínculo de emprego público (Determina o art.6º que: 1. O trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei. 2 - O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordina e mediante remuneração.
4. Vejamos a relação existente entre a Autora e a Ré, tal como a Autora a carateriza.
5. Conclui-se, assim, que as razões alegadas pela Autora para sustentar a sua pretensão de tutela do direito não revelam a existência de um vínculo de emprego público entre ela e a Ré União de Freguesias de Agrela e Serafão, mas sim a existência de um contrato de trabalho regido pelo direito privado (ainda que celebrado com uma pessoa coletiva de direito público). 6. A jurisprudência constante do Tribunal dos Conflitos, em casos tipologicamente equiparáveis ao caso decidendo, tem sido no sentido de afirmar a competência dos tribunais de trabalho. Veja-se, por exemplo, os seguintes Acórdãos do Tribunal dos Conflitos: de 04.02.2016 no Proc. n.41/15 (relator José Rainho) (Pela similitude com o caso decidindo, transcrevemos o sumário desse Acórdão: "Compete aos tribunais judiciais conhecer da acção em que se pede a declaração de ilicitude do alegado despedimento e a reintegração da Autora ao serviço de uma Freguesia quando o que se alegou não caracteriza um "contrato individual de trabalho da Administração Pública" ou um "contrato de trabalho em funções públicas”, mas simplesmente e por defeito, um contrato individual de trabalho”. ); de 01.10.2015, no Proc. n. 08/14 (relator Vítor Gomes); de 07.12.2017, no Proc. n.07/2017 (relator Lima Gonçalves).
III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes neste Tribunal dos Conflitos decidir o conflito negativo e jurisdição, considerando competente para o conhecimento da ação em causa a jurisdição comum (o Tribunal do Trabalho de Guimarães).
Sem custas Lisboa, 17 de maio de 2018. - Maria Olinda da Silva Nunes Garcia (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Inácio Manso Rainho - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - António Pires Henriques da Graça - José Augusto Araújo. |