Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:020/15
Data do Acordão:09/17/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:GABRIEL CATARINO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P19403
Nº do Documento:SAC20150917020
Data de Entrada:04/22/2015
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA E A 1ª SECÇÃO, 4º JUÍZO DO TRIBUNAL DO TRABALHO DE LISBOA,
AUTOR: A.......
RÉU: INST DO DESPORTO DE PORTUGAL
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº. 20/15

I. - Relatório.

Por despacho lavrado no processo nº 4073/09.2TILSB, que havia sido distribuído na 1.ª secção, do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (actual Comarca de Lisboa - Instância Central - 1.ª Secção do Trabalho), foi decidido que (sic) “A competência dos tribunais, em razão da matéria, é um pressuposto processual que se determina pela “forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos” - cfr. Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.91.
Assim, a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento de determinada pretensão é aferida a partir da pretensão e dos fundamentos em que a mesma se apoia.
Com a presente acção o autor pretende que o tribunal declare a ilicitude do seu alegado despedimento, argumentando que estava unido ao réu por um verdadeiro contrato de trabalho, pese embora tenha outorgado com este um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, nos termos dos artigos 31.º e 32.º do Dec. Lei n.º 55/95 de 29 de Março (na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 80/96 de 21 de Junho), que entende nulo quanto à estipulação do termo e nulo a partir de 7 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 169/2007.
Ora, o réu é, como aliás o autor começa por afirmar, um instituto público, e rege-se por normas jurídicas de direito administrativo.
Assim sendo, tem de se concluir que a apreciação das matérias referentes à interpretação, validade e execução de um contrato submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (como resulta da alegação do próprio autor) deve ser dirimido pelos Tribunais Administrativos, nos termos dos artigos 1.º n.º 1 e 4,º n.º 3, al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Pelo exposto, entende-se que o Tribunal de Trabalho não é o competente para apreciar a questão em discussão na presente acção.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerandos, julga-se este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção e, em consequência, absolve-se o réu da instância - cfr. artigos 101.º, 102.º e 105. n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil.”
Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, veio a ser prolatada decisão em - cfr. fls. - decisão em que foi julgada a incompetência em razão da matéria com a sequente fundamentação (sic): “Nos termos do disposto no art. 13.º do CPTA, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Por sua vez o art. 4.º n.º 3 al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais determina que fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.
A questão que aqui se põe é se o contrato que o Autor assinou com o “Complexo de Apoio às Actividades Desportivas”, este posteriormente substituído pelo “Instituto do Desporto de Portugal, IP.” se pode considerar um contrato de trabalho em funções públicas, o que não parece.
Aliás, acerca de uma questão semelhante já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, no Acórdão de 3/3/2011, Processo 014/10, Relator Santos Botelho, tendo concluído pela competência dos tribunais de Trabalho, nos termos seguintes:
Acordam no Tribunal de Conflitos:
“A Autora A... apresentou um procedimento cautelar de impugnação de despedimento/ilícito, junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, contra a Autoridade da Concorrência, peticionando que fosse declarado ilícito o seu despedimento, com a consequente reintegração no seu posto de trabalho e no pagamento das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, bem como o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais (cfr. fls. 64/68).
Por decisão, de 4-12-09, o Juiz do 3.º Juízo da 1ª Secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa concluiu pela incompetência, em razão da matéria, dos Tribunais de Trabalho, considerando incumbir à jurisdição administrativa a apreciação do litigo em causa, por a relação jurídica a ela subjacente configurar um contrato de trabalho em funções públicas, decisão essa já transitada em julgado (cfr. fls. 7/10).
2. Por sua vez, o TAC de Lisboa, por decisão de 29-03-10, também já transitada em julgado, julgou-se incompetente em razão da matéria, entendendo ser de competência dos Tribunais de Trabalho a apreciação do respectivo litígio (cfr. fls. 33/49).
3. Já neste Tribunal de Conflitos o Magistrado do M. Público pronunciou-se no sentido de ser atribuída a competência aos Tribunais de Trabalho, pelas razões que explicita no seu Parecer de fls. 55/56.
4. Notificada de tal Parecer, a Autora vem pugnar pela competência dos Tribunais Administrativos (cfr. fls. 163/175).
5. Colhidos os vistos, cumpre decidir, por estarem verificados os necessários pressupostos. Como é uniformemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, a competência material dos tribunais determina-se segundo os termos em que foi proposta a acção, ou, por outras palavras, de acordo com o pedido e a causa de pedir da acção, aferindo-se, assim, pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial.
Cfr., a título meramente exemplificativo, na doutrina, A. dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 1, p. 147 e Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 90-91, e, na jurisprudência, o Acórdão deste Tribunal de Conflitos nº 21/10, de 25-11-10.
Ora, como resulta da factualidade fixada na decisão do TAC de Lisboa, a Autora celebrou um contrato de trabalho com a Autoridade da Concorrência, estatuindo-se na 13ª cláusula do dito contrato que o mesmo está sujeito à legislação geral de trabalho, nomeadamente ao Código de Trabalho e aos Regulamentos em vigor na dita Autoridade (vide, fls.36-39 e 115-119).
Por outro lado, tendo a Autora sido admitida ao serviço em 4-5-09, a Autoridade da Concorrência viria a denunciar tal contrato, por deliberação de 7-10-09, sendo que, de acordo com o ponto 1. da cláusula 5ª do aludido contrato, o período experimental era de 180 dias.
Temos, assim, que o contrato em que radica a relação jurídica controvertida é regulado por normas de direito privado, designadamente, o Código de Trabalho, estando a Autora vinculada à Ré através do regime de contrato individual de trabalho, sendo esse contrato o fundamento da pretensão formulada pela Autora de ver reconhecidas as posições subjectivas que invoca, destarte se tornando evidente que não estamos perante uma relação jurídica administrativa, não estando, aqui, em questão, um litígio emergente de um contrato de trabalho em funções públicas, e, isto, pelas razões que se explicitam na decisão do TAC de Lisboa de 29-03-10, já que, em suma, no que toca ao período experimental (artigos 73º da Lei 59/2008, de 11-09 e 12.º da Lei 12-A/2008, de 27-2), e, no concernente à matéria da cessação do contrato de trabalho, inexistia para a Ré no ano de 2009 qualquer obrigação legal de convergência com o regime instituído na dita Lei nº 12-A/2008, de 27-2 (cfr. o artigo 23º da Lei nº 64-A/2008), daí que o reconhecimento dos direitos emergentes de tal contrato, que a Autora pretende fazer valer em juízo, incumba aos tribunais judiciais, mais propriamente aos tribunais de trabalho, nos termos do artigo 85º, alínea b), da L.O.F.T.J. e alínea d), do nº 3, do artigo 4º do ETAF, como, de resto, se decidiu no TAC de Lisboa.
Nestes termos, decide-se declarar que incumbe aos Tribunais de Trabalho a competência para apreciar a pretensão formulada pela autora.” - Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 3 de Março de 2011, relatado pelo Conselheiro Santos Botelho.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/02/2014, proferido no Processo n.-º 055/13, Relator Souto de Moura, atribuindo ao Tribunal de Trabalho do Porto, da jurisdição comum, competência para o conhecimento da questão controvertida nesse processo, tendo sido pedida a declaração de nulidade dos contratos de utilização celebrados entre as várias empresas de trabalho temporário e o demandado “Instituto Português de Sangue, IP.”, e ainda que todos os M fossem reconhecidos como trabalhadores do Instituto demandado em regime de contrato de trabalho sem termo e que fosse declarada a ilicitude dos seus despedimentos, com todas as consequências (...).
Também no caso dos autos, considerando que as normas que regulam a relação contratual entre o Autor e a Entidade Demandada são privatísticas e reguladas pelo Direito Privado, e na esteira dos Doutos citados Acórdãos, deve o litígio ser apreciado pelos tribunais comuns e não pelos administrativos.
Nos termos do art. 14.º n.º 2 CPTA “quando a petição seja dirigida ao tribunal competente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo”.
Não obsta a que seja proferida decisão de incompetência absoluta do tribunal administrativo a decisão de fls. 129 a 131, atento o disposto no art. 100.º do CPC (redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).”
Interposto recurso desta decisão, veio o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 15 de Janeiro de 2015, a negar provimento ao recurso.
Suscitado o conflito de competência - cfr. despacho de fls. 225 e remetido o processo a este Tribunal de Conflitos, o Digno Magistrado do Ministério Público, em douto parecer pugna pela atribuição de competência para conhecimento do litígio o tribunal de Trabalho de Lisboa. [Queda transcrito o parecer elaborado pelo Ministério Público. “Em acção administrativa comum sob a forma ordinária, proposta no Tribunal do Trabalho de Lisboa, o A. concluiu na respetiva petição inicial:
Deve ser reconhecida a ilicitude da cessação contratual declarada pelo R. ao A. e aquele condenado a pagar ao A. a quantia de € 37.988,94, acrescida de juros calculados à taxa legal de 4% ao ano, e contados desde a citação do R. e até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna.
Articulou, para tanto, em síntese, que:
Celebrou com o antecessor do R. um denominado contrato de prestação de serviços (avença), pelo prazo de 12 meses, com início em 01-05-99 e renovação automática por períodos iguais, para prestação de serviços de apoio no âmbito de assistência técnica especializada ao Complexo de Piscinas do Jamor - CAAD, como técnico de natação.
Em 16-10-2008, “o R. despediu o A. comunicando-lhe que o “contrato de avença” existente entre as partes cessava os seus efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2008”.
Embora o R. e seu antecessor qualificassem a relação de trabalho com o A. como sendo emergente de um contrato de prestação de serviços, na realidade sempre desempenhou as suas funções como se o contrato existente entre as partes fosse “um típico contrato de trabalho subordinado, nos termos admitidos pelo art. 14.º do Dec. Lei 427/89, e no artigo 28.º dos Estatutos do R., aprovados pelo Dec. Lei 96/2003”.
Esse contrato de trabalho subordinado era nulo, por força do art. 42.º/3 do DL 64-A/89, e nos termos do art. 131.º/4 do C. do Trabalho de 2003, e depois, por força do DL 169/2007.
Porém, a nulidade do contrato de trabalho subordinado não afecta os pagamentos devidos enquanto vigorou, a título de subsídio de Natal e de férias e por cessação ilícita, por força dos artigos 115.º/1 e 440.º/2/a) do C. do Trabalho de 2003.
Aquele tribunal, e depois o TAF de Sintra (confirmado pelo TCAS), para onde o processo foi remetido, declinaram a competência para conhecer do litígio, por decisões já transitadas em julgado. Está, assim, estabelecido conflito negativo de jurisdição, que a este Tribunal dos Conflitos compete resolver - cfr. artigo 109.º/1 e 110.º/1 do CPC.
Tendo presente que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. artigo 211.º/1 da Constituição e artigos 64.º do CPC 2013 e 40.º/1 da LOSJ, aprovada pela Lei 62/2013, de 26/8), importa verificar se, por aplicação de algum critério jurídico ela cabe no caso concreto à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, pois sendo negativa a resposta, caberá residualmente aos tribunais judiciais.
O critério fundamental para o efeito é o que resulta do artigo 212.º/1 da Constituição – “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais”.
E “a competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, “seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.» (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91) «A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos, aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.» (Obra e local citados.)
Esta posição está em sintonia com a essência do direito dos cidadãos acederem aos tribunais para verem apreciados os seus direitos (art. 20.º n.º 1, da C. R. P.), que reclama que os particulares possam ver apreciados por um órgão jurisdicional os direitos que entendam arrogar-se.” - cfr. o ac. deste TC, de 05-02-2003, proc. 06/02, em linha com a sua jurisprudência corrente, que se reafirma, v.g. nos acórdãos de 27-02-2014, proc. 055/13 e de 29-03-2011, proc. 025/10, relativos a litígios também emergentes de relações laborais.
Como se vê, o A. alicerça a causa e a pretensão condenatória do R. na sua prestação de trabalho subordinado ao abrigo de contrato de trabalho nulo e na cessação ilícita deste. O regime legal convocado na p. i. para enquadrar a questão e ancorar os direitos de crédito que o A. pretende ver afirmados pelo tribunal, é o que regulava em geral o contrato individual de trabalho, por remissão expressa do artigo 14º/1 /b) e 3 do DL 427/89, de 7/12, designadamente o Código do Trabalho.
Nos termos do artigo 4º/3/d) do ETAF, fica expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa “A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.” Esta é a redacção do preceito dada pela Lei 59/2008, de 11/9, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, para a adaptar ao novo regime de contratualização em funções públicas por ele aprovado. Anteriormente, o contrato de trabalho na Administração Pública (a que se referiam o DL 427/89 e a Lei 23/2004, que também alterou aquele - cfr. art. 29º) importava a constituição duma relação laboral de direito privado, não conferindo aos trabalhadores contratados a qualidade de funcionário ou agente administrativo, o que excluía a competência dos tribunais administrativos para conhecer dos litígios emergentes dessa relação (cfr. redacção originária do artigo 4º/3/do ETAF - “A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito publico”).
Assim, também no caso presente será de seguir a orientação jurisprudencial que emana, entre outros, dos acórdãos do STJ de 12-09-2013, proc. 204/11.0TTVRL.P1.S1, e de 30-03-2011, proc. 492109.2TTPRT.P1.S1, bem como dos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos, de 27-02-2014, proc. 055/13, de 03-03-2011, proc. 014/10, de 29-03-2011, proc. 025/10, e de 05-05-2011, proc. 029/10.
Consequentemente, deve ser declarado competente para conhecer do litígio a secção do trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (cf. artigos 64.º e 65.º do CPC e 40.º/1 e 2, 80.º/1 e 2 e 126.º da LOSJ), sequndo nos parece.”]

II. - FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. - DE FACTO.

Está adquirida para o acervo decisório a proferir neste conflito a sequente factualidade:
1. “O R. é um instituto público com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, criado pelo Dec. - Lei 96/2003, tendo integrado, nos termos deste diploma legal, o Complexo de Apoio às Actividades Desportivas (CMD), e regendo-se actualmente pela orgânica aprovada pelo Dec.-Lei 169/97.
2. Para o desempenho de funções de Técnico de Natação, o CMD admitiu o A. ao seu serviço em 1 de Maio de 1999, desempenhando desde então o A. as funções de Coordenador dos Técnicos de Natação, ao serviço do CMD, no Complexo de Piscinas do Estádio do Jamor, sob as ordens, direcção e autoridade daquela entidade, até que, em 1 de Dezembro de 2003, passou a estar ao serviço do ora R., por este ter integrado o CMD, nos termos do Contrato que as partes intitulares de Prestação de Serviços de Ensino/Controlo de Natação (Regime de Avença) e Alterações posteriores (fls. 19 a 25 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos).
3. Por carta datada de 16 de Outubro de 2008, o R. despediu o A. comunicando-lhe que o “contrato de avença” existente entre as partes cessava os seus efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2008 - Doc. n.º 4, fls. 26/27, que aqui se dá como reproduzido.
4. A presente acção deu entrada no Tribunal de Trabalho de Lisboa em 28/10/2009 e foi distribuída ao 4.º Juízo, 1.ª secção, com o n.º 4073/09.2 TTLSB em 29/10/2009 - consta da folha de rosto.”

II.2. - DE DIREITO.
A competência postula-se, de acordo com essa predefinição das matérias submetidas a julgamento dos tribunais, como um pressuposto processual “(...) que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.), mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557.).”[cfr. Ac. Tribunal dos Conflitos de 22 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, in www.dgsi.pt. onde a propósito se escreveu: “Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380.).
Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum” isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479º, 1539; STJ, de 9-2-99, BMJ nº 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T2, 68).
Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo as quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal (Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 999, 31 e 32.).
Por isso, os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 64º, do Código de Processo Civil (CPC), e 40º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), quando estabelecem, transpondo para a lei ordinária, o disposto pelo artigo 211º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. /No mesmo sentido o Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 19 de Junho de 2014, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt, onde adrede se escreveu, que “É constante a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, bem como do STA e do STJ, no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos”- cfr., por todos, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20-09-2012, proc. 02/12.
Residualmente, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas que não sejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (n.º 1 do art. 211.º da Constituição (CRP) e artigos 64.º do CPC (artigo 66.º do CPC de 1961) e 18.º, n.º 1 da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de janeiro).” E ainda os acórdãos do Tribunal de Conflitos, de Acórdão do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04; de 23/5/2013; e de 21/1/2014;]
Para os processualistas, o pedido de uma acção proposta em juízo em que se pede a tutela jurisdicional de um determinado e concreto direito que se supõe ter sido objecto de violação por outrem, converte-se no efeito jurídico que se pretende obter e constitui “(…) o círculo dentro do qual o tribunal tem de se mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamando a decidir (cf. art.668.º, n.º 1, al. e)).” [Cf. Anselmo de Castro, Artur, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1981, p.201./ Quanto ao conceito jusprocessual de petição inicial veja-se Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, ps. 232 e segs. “A petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional”. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, distinguia entre pretensão e pedido. Para este Insigne Mestre, o pedido definia-se como sendo «a providência jurisdicional solicitada pelo autor deve entender-se, não em termos abstractos, mas nos termos positivos e concretos definidos na petição inicial, com referência portanto ao direito que se pretende fazer valer e à incidência material desse direito», consubstanciando uma relação jurídica processual, dirigida ao tribunal, enquanto que a pretensão é dirigida ao réu, relevando da relação jurídica substancial. – cfr. Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, 3ª edição (reimpressão) 1981, 338 e segs.]
Para este Professor e depois de versar sobre o objecto imediato e mediato do pedido (providência que se pretende obter com a acção) refere, na consonância com o que Alberto dos Reis, havia doutrinado no Código Processo Civil anotado, que se deveria adoptar “(...) uma orientação semelhante àquela que em direito privado vigora para a determinação do exacto conteúdo dos contratos: basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático, embora careçam da representação do efeito jurídico.”[Cfr. Anselmo de Castro, in op. loc. cit. p. 203, “Não importará, portanto, à definição do objecto numa acção de indemnização que o autor qualifique a responsabilidade que pretende efectivar como contratual ou extracontratual. A qualificação jurídica pertence ao juiz, que o fará com plena liberdade, adoptando ou rejeitando a qualificação fornecida pelas partes.”]
Passa a constituir proposição axiomática que a competência material de um órgão jurisdicional se afere pela pretensão que é dirigida contra o demandado numa acção e pelo pedido que repercute a providência requestada ao tribunal para tutela efectiva do direito que estima ter sido objecto de violação.
Para a resolução que é pedida na revista, importará aferir co conceito de relação jurídica administrativa para efeitos de atribuição, ou não, de uma causa a esta jurisdição. [“O conceito de relação jurídica administrativa passou, assim, a ser erigido em operador nuclear de repartição de jurisprudência entre os tribunais administrativos e tribunais judiciais”, sendo a esse conceito que importa atender para determinar a competência material do Tribunal (Ac. do Tribunal de Conflitos, de 04-03-2004, www.dsi.pt.).]
“Na determinação do conteúdo do conceito de relação jurídico administrativa ou fiscal, tal como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, deve ter-se presente que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal» (Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, p. p. 566 e 567.).
Por sua vez, resulta do artigo 64.º do Código de Processo Civil que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
Conforme ensina Manuel de Andrade, a propósito dos elementos relevantes para a determinação da competência para conhecer de determinado litígio, «são vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes)» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p.p. 90 e 91.).
Prosseguia aquele autor, referindo que «a competência do tribunal - ensina Redenti, “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes» (Ibidem.).
Deste modo, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento do mesmo.
Foi também neste sentido que se fixou a jurisprudência deste Tribunal, conforme pode ver-se, entre outros, no acórdão de 12 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 1337/07.3TBABT.E1.S, da 1.ª secção, onde se refere «como se deixou já dito e se decidiu no Ac. deste S.T.J. de 13/3/2008, (...) “Para decidir a matéria da excepção, da incompetência material há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a causa pretendi e, também o pedido nos precisos termos afirmados pelo demandante” e mais adiante” no fundo, o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é a instância - no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante - que determina a resolução desses pressupostos”» (Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.).
Será, portanto, a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial, nomeadamente da causa de pedir e do pedido, que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente acção.” [Cfr. Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 20-11-2014, in wwwdgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Leones Dantas. / Deverão ser consideradas “(...)” relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” - cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9ª edição, Almedina, 55 e 56.]
Ajaezados com estes ensinamentos, provemos de os aplicar ao caso em apreço.
O demandante, demandou o Instituto do Desporto de Portugal, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, com a sequente fundamentação:
“O R. é um instituto público com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, criado pelo Dec. Lei 96/2003, tendo integrado, nos termos deste diploma legal, o Complexo de Apoio às Actividades Desportivas (CAAD), e regendo-se actualmente pela orgânica aprovada pelo Dec. Lei 169/97.
O Dec. Lei 96/2003 aprovou também os Estatutos do R. e, nos termos do art. 28.º dos mesmos o regime de pessoal aplicável no R. era o regime geral da função pública prevendo-se no entanto no seu n.º 3 que podiam ser admitidos trabalhadores ao abrigo de contrato individual de trabalho, desde que a admissão se desse para o exercício de funções técnicas específicas e conexas com o desenvolvimento do desporto.
E, nos termos do art. 10.º do Dec. Lei 169/2007, o regime regra aplicável ao pessoal do R. era da função pública, só podendo ser celebrados contratos individuais de trabalho para o exercício de funções de consultoria ou médicas, técnicas e auxiliares no âmbito da Medicina Desportiva e junto do Laboratório de Análises de Dopagem.
Enquanto existiu o CAAD, a respectiva lei orgânica aprovada pelo Dec. Lei 64/97, nada previa quanto ao regime legal aplicável ao seu pessoal.
Para o desempenho de funções de Técnico de Natação, o CAAD admitiu o A. ao seu serviço em 1 de Maio de 1999, desempenhando desde então o A. as funções de Coordenador dos Técnicos de Natação ao serviço do CAAD no Complexo de Piscinas do Estádio do Jamor, sob as ordens, direcção e autoridade daquela entidade, até que, em 1 de Dezembro de 2003, passou a estar ao serviço do ora R., por este ter integrado o CAAD, tudo conforme documentos que se juntam e aqui se dão por reproduzidos (Docs. 1 a 3).
Por carta datada de 16 de Outubro de 2008, o R. despediu o A. comunicando-lhe que o “contrato de avença” existente entre as partes cessava os seus efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2008 (Doc. 4).
Cessação de contrato que o A. através desta acção vem impugnar por a entender ilícita. Da qualificação da relação jurídica vigente entre as partes
Embora o CAAD e depois o R. qualificassem a relação de trabalho vigente com o A. como sendo a emergente de um contrato de prestação de serviços, sempre o A. desempenhou as suas funções recebendo directivas e instruções do R., provenientes dos superiores hierárquicos designados pelo R., cumprindo o horário de trabalho fixado e controlado pelo R., dando aulas de natação a alunos admitidos pelo R., nas instalações por este designadas e utilizando o equipamento por este fornecido.
Na verdade, os Técnicos de Natação ao serviço do R. no Complexo de Piscinas do Estádio Jamor foram admitidos para dar aulas de natação a alunos admitidos pelo R., definindo este as condições de admissão desses alunos as regras a que os mesmos teriam de se subordinar para frequência das aulas, incluindo o montante das mensalidades a pagar ao R.
Para poder cumprir com os compromissos que assumira para com os alunos admitidos tinha o R. que ter uma organização do trabalho capaz de assegurar que o ensino a que se obrigara o R. era levado a cabo.
Organização que pressupunha necessariamente uma subordinação dos Técnicos de Natação as regras estabelecidas superiormente e a existência de uma hierarquia que emitisse essas regras e fiscalizasse o respectivo cumprimento.
Essas regras estabelecidas aos Técnicos de Natação do R. constavam de um Documento Orientador, elaborado pelo ora A. enquanto Coordenador dos Técnicos de Natação e aprovado e posto em vigor pelo Gestor do Complexo de Piscinas do Estádio Jamor e pela Direcção do CAAD, onde tudo estava definido, incluindo os procedimentos a ter em casos de ausência ou atraso, as regras impostas para dar as aulas de natação, a definição dos níveis de ensino e os critérios a seguir para integração dos alunos nos diversos níveis, que tipo de exercícios tinham que ser feitos em cada um deles, formulários a preencher nas diversas situações, etc., tudo como melhor consta do documento que se junta (Doc. 5)
Sendo aquelas regras objecto de actualização periódico, após aprovação da hierarquia
atrás referida (Doc. 6).
Tendo o A. um horário de trabalho a cumprir e cujo cumprimento era fiscalizado pelo R., não estando na disponibilidade do A. modificar por sua livre iniciativa aquele horário.
Quanto às faltas, a justificação das mesmas estava estabelecida estando o A. obrigado a comunicá-las com antecedência ao Gestor do Complexo de Piscinas do Estádio Jamor, indicando o motivo justificativo das mesmas.
O R. controlava pois o cumprimento do horário e exigia a justificação das faltas dadas.
Estando o A. integrado numa hierarquia estabelecida pelo R dependendo de um Gestor do Complexo das Piscinas do Estádio Jamor, que era ultimamente o Professor ……………, dependendo este por sua vez da Direcção do R.
Estando o A. obrigado ao cumprimento das regras estabelecidas quanto ao modo de execução das suas funções e também obrigado a cumprir as regras de carácter administrativo determinadas pelo R.
Auferindo uma retribuição certa mensal durante os doze meses do ano, muito embora não prestasse a sua actividade no mês de Agosto.
o contrato existente entre as partes era pois um típico contrato de trabalho subordinado, nos termos admitidos pelo art. 14. do Dec. Lei 427/89, e no art. 28.º dos Estatutos do R. aprovados pelo Dec. Lei 96/2003.
Esse contrato de trabalho levantava no entanto problemas quanto à sua validade.
Tratava-se no caso dos autos de contratos de duração anual, mas nenhuma justificação tinham quanto à necessidade de estipulação do termo, o que determinava a nulidade de estipulação do termo por força do art. 42.º n.º 3, do Dec. Lei 64-A/89, e nos termos do art. 131.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2003.
A Jurisprudência tem no entanto entendido uniformemente que essa conversão do contrato a termo certo em contrato sem termo por força da nulidade de estipulação do termo, não pode converter o contrato em contrato sem termo quando se trate de um vínculo à Administração Pública, pois tal violaria as regras de estabelecimentos de vínculos à função pública e o princípio constitucional de igualdade de acesso ao desempenho de funções públicas consagrado no art. 47.º da Constituição.
Nulas seriam as estipulações contratuais estabelecidas a partir de 1 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec.- Lei 169/2007, que não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho a não ser nas situações nele taxativamente previstas e que não contemplavam a situação contratual do A.
Com a entrada em vigor da Lei 12-A/2008, nula era também a renovação do contrato enquanto contrato de prestação de serviços. Na verdade,
Nos termos do art 118.º daquela Lei, em 1 de Maio de 2008, entrava em vigor a previsão normativa dos arts. 35.º e 94.º da mesma Lei.
O art 35.º Lei 12-A /2008, impedia a celebração de contratos de prestação de serviços a menos que fossem autorizados pelo membro do Governo responsável pela área das Finanças.
E o art 94.º da mesma Lei impunha a regularização dos contratos de prestação de serviços existentes antes da sua publicação sendo os mesmos reapreciados antes da sua renovação.
Sucede que o contrato de prestação de serviços celebrado com a A. foi celebrado pelo prazo de 12 meses e teve o seu início em 1 de Maio de 1999 renovando-se por automaticamente por iguais períodos - Ver cláusula 6.ª do Doc. 1 já oferecido.
Assim sendo, em 30 de Abril de 2008, terminou uma das renovações, e, em 1 de Maio de 2008, já o contrato não podia ser renovado automaticamente enquanto “contrato de avença”, por força das disposições atrás citadas.
Desconhece a A. se o R. requereu a possibilidade excepcional de manutenção do contrato de prestação de serviços ao Ministro das Finanças.
Mas essa autorização excepcional não podia ser concedida já que, por força do Despacho 16066/2008, de 12 de Junho, daquele Ministro, foram definidos os casos excepcionais em que tal podia suceder e em nenhum deles se configura a situação contratual existente com a A.
Ainda pois que se pudesse configurar a existência de um contrato de prestação de serviços - o que não se concede -, ele era também nulo desde 1 de Maio de 2008.
Estamos pois perante um contrato de trabalho subordinado que era nulo quanto à estipulação do termo e que era também nulo a partir de 1 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. Lei 169/2007, que não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho a não ser nas situações nele taxativamente previstas e que não contemplavam a situação contratual da A.
Nulidade essa não afecta os pagamentos retributivos devidos enquanto vigorou por força do art. 115.º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, que é o aplicável à data da cessação declarada pelo R.”
Com amparo na factualidade que se deixou extractada peticionou o demandante que (sic): “Deve ser reconhecida a ilicitude da cessação contratual declarada pelo R. ao A. e aquele condenado a pagar à A. a quantia total de € 37.988,94, acrescida de juros calculados à taxa legal de 4% ao ano, e contados desde a citação do R. e até integral pagamento (...)”
O artigo 11º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, define o contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou a outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Nos termos do artigo 12º do Contrato de trabalho, presume-se a existência de um contrato de trabalho quando, a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, que os equipamentos e instrumentos de trabalho pertençam ao beneficiário da actividade, o prestador da actividade tenha o horário dessa prestação determinado pelo beneficiário da mesma, que a quantia paga ao prestador da actividade seja certa e periódica e ainda que o prestador da actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa.
Os autores soem apontar como características do contrato de trabalho, o facto de se tratar de um negócio jurídico de direito privado sinalagmático, porquanto as partes assumem obrigações contratuais contrapostas; bilateral, dado que implica uma prestação recíproca, dada a reciprocidade formal das prestações - obrigações direitos recíprocos a - assumidas pelos contraentes, empregado e empregador; consensual, pois que se aperfeiçoa com a mera manifestação de vontades, não depende de forma especial, não precisa ser escrito; pessoal, relativamente ao empregado, tem que ser actividade pessoal e é a actividade principal; com execução continuada, não se esgotam no tempo; revestindo uma actividade, o que equivale a uma obrigação de fazer; oneroso, por contemplar uma obrigação de remuneração;
dotado de alteridade, dado que o risco do negócio é estranho à figura do empregado; complexo, por conlevar a possibilidade de se associar a outros contratos, acessórios; e finalmente, de feição ou recorte comutativo, por ocorrer uma comutatividade decorrente da existência de prestações efectuadas por ambas as partes.
Ainda que não aplicável ao caso em apreciação, mas com interesse para o cotejo que se torna necessário estabelecer entre o contrato de trabalho como negócio jurídico de direito privado e o contrato de trabalho em funções públicas, típico contrato regido por normas de direito público (administrativo), escreveu, quanto às características deste último, Cláudia Sofia Henriques, que “(...) relativamente ao contrato de trabalho em funções públicas, importa apontar algumas das suas principais características que o convertem num:
Negócio bilateral, pois resulta da declaração de vontade de duas partes de conteúdo oposto, mas convergente.
Negócio sinalagmático, através do qual o trabalhador se obriga a prestar uma actividade manual ou intelectual ao empregador público obrigando-se este a pagar àquele uma remuneração. A prestação de trabalho e o pagamento consubstanciam as principais obrigações contratuais, encontrando-se as mesmas numa relação de correspectividade e interdependência, constituindo cada uma delas a razão de ser da outra - no limite não havendo prestação de trabalho, nem disponibilidade para o efeito, não haverá lugar ao pagamento da remuneração. Sucede, porém, que o sistema jurídico tem vindo a atenuar este sinalagma ao conferir direito à remuneração em certos casos em que não há prestação de trabalho, v.g., algumas faltas justificadas, dispensas ao serviço, férias.
Negócio oneroso, pois não existe qualquer espirito de liberalidade, ou seja, animus donandi, verificando-se, pelo contrário, sacrifícios e vantagens para ambas as partes.
Negócio patrimonial, na medida em que as suas principais prestações implicam uma permuta de cariz patrimonial.
Negócio obrigacional, pois dele resulta um vínculo de natureza obrigacional para ambas as partes, restringindo-se os seus efeitos às outorgantes - eficácia inter partes -, ao contrário do que ocorre nos contratos reais, cujos efeitos se impõem a terceiros - eficácia erga omnes.
Negócio duradouro e de execução continuada, cujos efeitos se prolongam no tempo, ainda que celebrado a termo resolutivo.
Negócio intuitu personae, pois a prestação de trabalho assume um carácter eminentemente pessoal- o trabalhador tem necessariamente de ser uma pessoa singular (“um particular”), pelo que ficam afastadas as pessoas colectivas. É um contrato infungível, pelo que o trabalhador não se pode fazer substituir por outrem no cumprimento da prestação a que está adstrito.” [cfr. Cláudia Sofia Henriques Nunes, “o Contrato de Trabalho em Funções Públicas Face à Lei Geral do Trabalho, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2014, ps. 18-19.]
Ainda para os autores desta área do direito: “Os empregos públicos estão sujeitos a um mínimo denominador comum de regime cuja aplicação é inafastável aos empregos do sector empresarial local:
a) Com efeito, não se pode afastar a subordinação exclusiva dos trabalhadores de empresa municipal aos interesses públicos que esta prossegue (os interesses a cargo do respectivo empregador) - artigo 269.º, n.º 1, da CRP;
b) O dever de serviço público e prestativo para com as pessoas abrangidas pela esfera de atribuições e de actuação da empresa (artigos 266.º e 268.º da CRP);
c) Também em relação aos empregos do sector empresarial local deve existir separação do poder político, não podendo os respectivos trabalhadores ser prejudicados ou beneficiados em virtude do exercício de direitos políticos, designadamente, por opção partidária (artigo 269.º n.º 2 da CRP);
d) Aos respectivos trabalhadores devem ser asseguradas as garantias de audiência e defesa em procedimento disciplinar (artigo 269.º, n.º 3, da CRP) e o conhecimento do critério do exercício do poder disciplinar;
e) Hão-de estar sujeitos a um regime de incompatibilidades que garanta o respeito dos interesses a cargo do respectivo empregador;
f) Também relativamente aos respectivos trabalhadores não há-de ser livre, designadamente, em nome de tais interesses, a acumulação do respectivo emprego com outros empregos ou cargos públicos (artigo 269.º, n.º 4, da CRP); por exemplo, o exercício simultâneo de funções nas câmaras municipais e nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas, desde logo, por estas pressuporem a devolução de poderes ou a descentralização funcional e, portanto, a não justificação da manutenção dos postos de trabalho correspondentes.
A relação jurídica de emprego quanto ao mais segue o estipulado no contrato e o regime laboral comum.
A execução do contrato não envolve a prática de actos administrativos, mas a emissão de declarações negociais ou o exercício de poderes potestativos civilísticos. Mesmo o exercício do poder disciplinar é uma das dimensões de execução do contrato, cuja sujeição é consentida do trabalhador no quadro daquele. [cfr. Ana Fernanda Neves, “O regime de pessoal e a modalidade nas empresas municipais”.]
Atinando com a temática que nos ocupa - competência dos tribunais, administrativos e fiscais ou judiciais, para o julgamento da causa intentada pelo Autor contra uma entidade de direito público - escreveu-se no Acórdão deste Tribunal, de 09-10-2013, relatado pelo Conselheiro Souto Moura (sic): “Consabidamente, a competência em razão da matéria deve ser aferida pela natureza da relação material controvertida tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido deduzido e a correspondente causa de pedir (vide maxime Acs. n.ºs 1/08 e 8/10 deste Tribunal dos Conflitos, proferidos, respectivamente, a 21-05-2008 e a 09-06-2010, acessíveis in www.dgsi.pt.).
Esta a jurisprudência perfilhada, de modo absolutamente pacifico, por este Tribunal de Conflitos (vide, entre muitos outros, os Acs. n.ºs 375, 14/10, 21/10, 25/10 e 29/10, proferidos, respectivamente, a 09-03-2004, 03-03-2010, 25-11-2010, 29-03-2011 e 05-05-2011, todos eles acessíveis in www.dgsi.pt).
De forma mais impressiva para o caso vertente, conforme se deixou assinalado no citado Ac. n.º 375, de 09-03-2004 “(...) Se a Autora alega ter ajustado um contrato com o Arsenal de Alfeite para prestação de trabalho como médica e invoca também ter sido acordado que seriam aplicáveis na sua relação laboral as regras do contrato individual de trabalho, E o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar se há fundamento legal para o seu despedimento e, em caso afirmativo, para decidir se há lugar à pretendida reintegração e ao pagamento de diversas quantias a que o Autor se julga com direito (...)”. Ou, também de forma paradigmática, disse-se no Ac. n.º 25/10 deste Tribunal de Conflitos, de 29-03-2011 “(...) Se o Autor alega ter ajustado um contrato individual de trabalho com o Estado para prestação de trabalho como auxiliar de limpeza, se os termos em que caracteriza o acordo não são incompatíveis com um contrate desse tipo e se, com fundamento naquele contrato pretende ver reconhecidos direitos que a lei geral reguladora do contrato individual de trabalho estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo é o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar se há fundamento legal para a satisfação destas pretensões (...)”.
(...) Analisando o pedido formulado na petição inicial, não podem subsistir dúvidas de que os AA pretendem a constituição de uma relação laboral, regulada pelas normas de direito privado ou, dito por outras palavras, com a presente acção judicial os AA procuram, de um modo mais expresso, que seja declarada a nulidade dos contratos de utilização celebrados entre o Réu e as várias empresas de trabalho temporário, que lhes seja reconhecida a qualidade de trabalhadores do Réu ao abrigo de contratos de trabalho e que o IPS seja condenado a reintegrar os Autores, pagando-lhes as retribuições que consideram em dívida.” [ Consultável em www.dgsi.pt]
O Autor, estrutura e orienta a causa de pedir no sentido de qualificar o contrato de trabalho que celebrou com a demandada, como sendo uma relação jurídica de contornos privados, dado que existia uma subordinação hierárquica - recebia directivas [“Procedimentos a ter em casos de ausência ou atraso, regras impostas para dar as aulas de natação, a definição dos níveis de ensino e os critérios a seguir para integração dos alunos nos diversos níveis, que tipo de exercícios tinham de ser feitos em cada um deles, formulários a preencher nas diversas situações, etc.” - cfr. artigo 12.º da petição inicial.] e instruções provenientes dos responsáveis (superiores hierárquicos) da Ré - cumprindo horário de trabalho previamente fixado, utilizando as instalações se equipamentos fornecidos pela demandada pelo que lhe era retribuída uma quantia mensal durante doze meses ao ano.
Conclui asseverando que o vínculo contratual estabelecido entre si e a demandada se deve situar no plano de uma relação contratual de trabalho subordinado, que deveria ser acoimado de nulo “quanto à estipulação do termo e que era nulo a partir de 1 de Maio de 2007, com a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 169/2007, que não permitia a celebração de contratos individuais de trabalho e não ser em situações nele taxativamente previstas e que não contemplavam a situação contratual do A.” - cfr. artigo 35.º da petição inicial.
O recorte factual que se deixou firmado supra configura, em nosso juízo, uma relação de natureza privada, dado que falecem para ela elementos constitutivos ou fundantes de uma relação de direito público, ou em que uma das entidades, ou dos sujeitos da relação jurídica estabelecida, age e se comporta como detentora de poderes típicos da administração pública, nomeadamente, no caso em apreço, a demandada. Na verdade, o documento constante de fls. 21 - que vem crismado como tratando-se o contrato de prestação de serviços de Ensino/Controlo de Natação - não reverbera uma relação de direito público/administrativo, sendo que no seu artigo 8.º afasta de forma taxativa a atribuição “(...) ao segundo outorgante a qualidade de agente.”
Configura, em nosso juízo, a relação contratual estabelecida entre o demandante e o demandado, uma típica relação de direito privado, devendo a resolução do conflito que opõe o demandante com a demandada, ser resolvido pela jurisdição comum, vale dizer pela Instância Central da comarca de Lisboa, 1.ª secção do Trabalho.

III. - DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam, neste colectivo do Tribunal de Conflitos, em:
- Declarar competente para julgamento da acção proposta por A……., contra o “Instituto do Desporto de Portugal, IP.” a Comarca de Lisboa - Instância Central - 1.ª Secção do Trabalho;
- Sem custas.

Lisboa, 17 de Setembro de 2015. - Gabriel Martim dos Anjos Catarino (relator) - António Bento São Pedro - João Carlos Pires Trindade -Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa -Fernanda Isabel de Sousa Pereira - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.