Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:040/14
Data do Acordão:11/25/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:LOPES DO REGO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18294
Nº do Documento:SAC20141125040
Data de Entrada:07/17/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL E O TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES (1º JUÍZO CÍVEL) - AUTOR: A....... - RÉU: B..........
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1. A………….., S.A. instaurou procedimento de injunção junto do Balcão Nacional de Injunções, requerendo a notificação de B………….. Lda para que esta lhe pagasse a quantia de €177,14, acrescida dos juros de mora devidos até integral pagamento, decorrente do incumprimento do contrato entre elas celebrado para o fornecimento de água e drenagem de águas pluviais. Frustrada a notificação da requerida, foram os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que se julgou materialmente incompetente para apreciar a causa, absolvendo a Ré da instância. Remetidos os autos, a requerimento da A., ao Tribunal Judicial de Paredes, julgou-se este também materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado.

Ambas as decisões transitaram em julgado.

O Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Paredes suscitou a resolução do conflito: os autos começaram por ser remetidos à Relação do Porto, tendo, porém, o Exmo magistrado do M°P° promovido o seu encaminhamento para o Tribunal dos Conflitos, por ser o competente para solucionar o conflito negativo originado pelas decisões proferidas em 1ª instância.

O Exmo representante do MºPº junto deste Tribunal dos Conflitos exarou o parecer de fls. 77/79, em que conclui pela atribuição de competência para o presente litígio à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, nos termos do art. 49º, nº1, al. c), do ETAF.

2. O objecto do presente recurso é, assim, a fixação do Tribunal materialmente competente para julgar a acção proposta pela A., onde se alega que, no âmbito da sua actividade comercial, se dedica ao serviço público de fornecimento de água e drenagem de águas residuais e que, no âmbito dessa actividade, celebrou com a Ré um contrato e que, na execução deste, lhe prestou serviços no valor da quantia peticionada, que ela não pagou.

Nesta acção, quer o TAF de Penafiel, quer o Tribunal Judicial de Paredes - para onde o processo foi remetido após a declaração de incompetência material daquele - se recusaram a apreciar o mérito da causa, por considerarem que não dispõem de competência em razão da matéria, atribuindo-a reciprocamente.

3. O conflito acima delineado é essencialmente idêntico aos que este Tribunal já decidiu múltiplas vezes - em todos eles se verificando que a Autora é uma sociedade anónima de direito privado, concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, sendo a pretensão formulada a condenação da Ré no pagamento do serviço contratado.

E em todos esses casos foram julgados competentes os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e, dentro destes, os Tribunais tributários - Vd., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos: de 25/06/2013 (processo n.º 033/13), de 26.9.2013 (proc. n.º 030/13), de 05/11/2013 (proc. n.º 039/13), de 18/12/2013 (proc.s n.ºs 038/13 e 053/13) e de 29/01/2014 (proc. n.º 45/13).

Não havendo motivos para alterar esta jurisprudência reiterada, remete-se para o teor do recente Acórdão de 26/6/14, proferido no Conflito nº 21/14, a cujo sentido decisório e fundamentação inteiramente se adere - e onde se afirma:

A questão que importa dirimir consiste, pois, em saber se para a apreciação do pedido formulado é competente a jurisdição administrativa e fiscal ou a jurisdição comum.

Como unanimemente vem sido entendido, a competência de um tribunal é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos - natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc - seja quanto aos seus elementos subjectivos.

A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergente das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

A jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão, sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais - artigo 211º nº 1.

Disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no artigo 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13.01.

Na ausência de determinação expressa em sentido diferente, contida em lei avulsa, para a determinação da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal valem os critérios contidos nos artigos 1º, nº 1 e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 26º da Lei 159/99, de 14.09, “é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios: a) sistemas municipais de abastecimento de água”.

A exploração e gestão deste sistema podem ser atribuídas em regime de concessão a uma entidade privada de natureza empresarial - cfr. artigo 6º do Decreto-lei 379/93, de 05.11.

E nos termos do disposto no nº 2 do artigo 13º deste Decreto Lei «a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem o direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização (...)”.

No caso concreto em apreço, a autora é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Paredes e nessa medida, atua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área.

Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.

Concluímos e tendo em atenção ao disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais acima mencionado, que a presente ação é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, assumindo a natureza de uma questão de natureza fiscal.

4. Pelo exposto, decide-se considerar competente para apreciar o pedido em causa a jurisdição fiscal.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2014. - Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (Relator) - Maria Fernanda dos Santos Maças - Helder João Martins Nogueira Roque - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - António Leones Dantas - Vítor Manuel Gonçalves Gomes.