Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:056/13
Data do Acordão:01/16/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:Se a questão do processo emerge de uma relação jurídica considerada de emprego público, é competente a jurisdição administrativa para apreciar e dirimir o litigio. (*)
Nº Convencional:JSTA00068538
Nº do Documento:SAC20140116056
Data de Entrada:10/17/2013
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TAF LEIRIA TT LEIRIA.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADM.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:RCTFP08 ART3 ART14.
L 12-A/2008 ART2 ART3 ART83 N1.
CONST76 ART212 N3.
LOFTJ99 ART18.
Aditamento:
Texto Integral: Em 2012.06.08, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, A………… intentou contra a Câmara Municipal de Alcobaça ação administrativa comum sob a forma sumária.

Alegou, em resumo, que
- em 2005.10.05 celebrou um contrato de trabalho a termo certo com o réu;
- que foi sendo sucessivamente renovado;
- em 2011.09.30, o réu fez cessar o contrato, injustificadamente.

Formulou os seguintes pedidos:
“a) ser reconhecida e declarada a ilicitude da cessação da relação jurídica de emprego ocorrida em 2011.09.30;
b) — ser condenado o réu a pagar à autora as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até à presente data (...);
c) — subsidiariamente, ser o réu condenado a pagar à autora uma indemnização que deve ser fixada em 30 dias de remuneração por cada ano de antiguidade, no montante total de 4.098,78 €;
d) – ser o réu condenado a pagar à autora a quantia de 3.279 €, a título de compensação pela cessação do contrato (...)”.

O réu contestou por impugnação, concluindo que a ação devia ser julgada improcedente.

Em 2013.03.12, foi proferido despacho saneador onde aquele Tribunal se julgou incompetente em razão da matéria e absolveu o réu da instância.

Em síntese, entendeu-se nessa decisão que tendo o contrato individual de trabalho invocado no presente processo sido celebrado em data anterior à data da entrada em vigor da Lei 12-A/2008, de 27.02, não podia ser considerado como emergente de um contrato de trabalho em funções públicas e, de acordo com o disposto no n° 1 do artigo 83° dessa Lei, não era a jurisdição administrativa a competente.

Os autores propuseram então a mesma ação no Tribunal de Trabalho de Leiria.

Em 2013.07.05, este Tribunal proferiu despacho liminar, onde também se julgou incompetente em razão da matéria porque se entendeu que face ao disposto no artigo 14° da Lei 59/2008, de 11.09, o novo Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado por esta Lei, se aplicava ao caso concreto em apreço, subjetiva e objetivamente, pela conjugação do disposto no artigo 3° desta Lei 59/2008 com o disposto nos artigos 2° e 3° daquele Lei 12-A/2008.

A autora solicitou a este Tribunal de Conflitos a resolução do conflito.

O Ministério Público emitiu parecer, no sentido da competência ser atribuída à jurisdição administrativa, louvando-se, fundamentalmente, no entendimento do Tribunal de Trabalho acima mencionado.

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

A questão que importa dirimir consiste, pois, em saber se para a apreciação dos pedidos formulados é competente a jurisdição administrativa ou a jurisdição comum.

Como unanimemente vem sido entendido, a competência de um tribunal é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos — natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc — seja quanto aos seus elementos subjectivos.

A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n° 3 do artigo 212° da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergente das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

A jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão, sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais — artigo 211°, n° 1.
Disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no artigo 18° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13.01.

Na ausência de determinação expressa em sentido diferente, contida em lei avulsa, para a determinação da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal valem os critérios contidos nos artigos 1°, n° 1 e 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
No caso concreto em apreço, existem disposições avulsas.

Assim, dispõe-se no n° 1 do artigo 83° da Lei 12-A/2008, já acima referida — em que se “estabelece o “regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas” - que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.

E no artigo 3° da Lei 59/2008, também acima referida — e que aprovou o “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” - dispõe-se que “o âmbito de aplicação objetivo da presente lei é o que se encontra definido no artigo 3° da Lei 12-A/2008, de 27.02, (...).
Sendo que no n° 2 “in fine”, deste artigo 3° se dispõe que esta Lei é aplicável “aos serviços das administrações (...) autárquicas”.

No âmbito de aplicação subjetiva há que ter em conta o disposto no n°1 do artigo 2° daquela Lei 12-A/2008, em que se estabelece que esta “é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções

Ora, o contrato de trabalho em causa no presente processo, que inicialmente não podia ser considerado um contrato de trabalho em funções públicas, face ao disposto na Lei 23/2004, de 22.06, então em vigor - que posteriormente foi revogada pela citada Lei 59/2008 - veio a converter-se em tal natureza por força do disposto no artigo 14° da citada Lei 59/2008.

Com efeito, este artigo, pronunciando-se sobre o regime dos contratos já em execução — como o que está em causa no presente processo — dispôs o seguinte:
1- Aos contratos a termo certo em execução à data da entrada em vigor da presente lei cujo prazo inicial seja superior a dois anos ou que, tendo sido objeto de renovação, tenham uma duração superior a dois anos aplica-se o regime constante dos números seguintes.
2 - Decorrido o período de três anos ou verificado o número máximo de renovações a que se refere o artigo 103.° do Regime, o contrato pode, no entanto, ser objeto de mais uma renovação desde que a respectiva duração não seja inferior a um nem superior a três anos.
3 - A renovação prevista no número anterior deve ser objeto de especial fundamentação e depende de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
4 - Nas situações previstas nas alíneas f), h) e i) do n.° 1 do artigo 93.° do Regime, a renovação prevista no n.° 2, quando implique que a duração do contrato seja superior a cinco anos, equivale ao reconhecimento pela entidade empregadora pública da necessidade de ocupação de um posto de trabalho com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, determinando:
a) A alteração do mapa de pessoal do órgão ou serviço, de forma a prever aquele posto de trabalho;
b) A imediata publicitação de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado;
5- O procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável ou sem relação jurídica de emprego público previamente estabelecida depende de parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos previstos no n.° 6 do artigo 6.º da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.”

Tal regime transitório decorre também do disposto no artigo 92° desta Lei 12-A/2008, em que se dispõe o seguinte:
“1 - Os atuais trabalhadores em contrato a termo resolutivo para o exercício de funções nas condições referidas no artigo 10.º transitam para a modalidade de nomeação transitória.
2 - Os demais trabalhadores em contrato a termo resolutivo mantêm o contrato, com o conteúdo decorrente da presente lei”.

Sendo que no citado artigo 10° se dispõe o seguinte:
São nomeados os trabalhadores a quem compete, em função da sua integração nas carreiras adequadas para o efeito, o cumprimento ou a execução de atribuições, competências e atividades relativas a:
a) Missões genéricas e específicas das Forças Armadas em quadros permanentes;
b) Representação externa do Estado;
c) Informações de segurança;
d) Investigação criminal;
e) Segurança pública, quer em meio livre quer em meio institucional;
f) Inspeção.”

De tudo que se acabou de referir tem que se concluir a questão que é proposta no presente processo nos termos acima assinalados emerge de uma relação jurídica que tem de ser considerada de emprego público.
Logo, é a jurisdição administrativa a competente para apreciar o litígio.

Pelo exposto, decide-se considerar competente para apreciar os pedidos em causa a jurisdição administrativa.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2014. - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos (relator) - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - António Pires Henriques da Graça - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - José Tavares de Paiva - António Políbio Ferreira Henriques.