Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:039/15
Data do Acordão:03/01/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:HELENA ISABEL MONIZ
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30668
Nº do Documento:SAC20230301039
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:
I
Relatório

1. Em 07/11/2012, a Indaqua Fafe - Gestão de Águas de Fafe, SA requereu, junto do Balcão Nacional de Injunções, uma injunção contra AA, pedindo o pagamento de € 168,68 (€ 99,63 de capital, € 1,15 de juros de mora vencidos, € 22 de despesas administrativas e € 45,90 de taxa de justiça paga), acrescido de juros de mora vincendos até integral pagamento.

Para o efeito, alegou que no âmbito da sua atividade comercial - por concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Fafe - celebrou um contrato com o requerido, a quem prestou os serviços contratados, sem que este tenha efetuado o pagamento, no prazo de vencimento, das respetivas faturas.

2. Por sentença de 24/05/2013, o 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, considerando que entre as partes vigora uma relação de poder público em que a requerente atua no exercício de poderes administrativos, julgou-se materialmente incompetente para conhecer da ação, atribuindo a respetiva competência à jurisdição administrativa.

Inconformada, a requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Por decisão sumária, de 11/07/2013, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

3. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, este, por sentença de 08/10/2013, julgou-se materialmente incompetente para conhecer da ação, indeferindo liminarmente a Petição Inicial.

Notificada, a requerente veio suscitar a resolução do conflito negativo de jurisdição.

Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Ministério Público requereu que seja proferida decisão que dirima o presente conflito de jurisdição.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II
Fundamentação

1. Perante as decisões antagónicas de ambos os tribunais, quanto à competência material para a apreciação do pedido formulado pela requerente do procedimento de injunção, não subsistem dúvidas que ocorreu um conflito negativo de jurisdição.

Existe conflito na medida em que as decisões assumiram posições antagónicas sobre a mesma questão jurídica da atribuição da competência material para a apreciação do pedido de injunção em causa. Trata-se de um conflito de jurisdição na medida em que as decisões judiciais, em oposição, foram proferidas por tribunais que integram diferentes jurisdições, a saber, a jurisdição administrativa e fiscal e a jurisdição comum. Por último, importa também referir que constitui um conflito negativo na medida em que os tribunais declinaram, de modo sucessivo, competência material para a apreciação da causa.

Deste modo, competirá a este Tribunal dos Conflitos definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.

2. Reproduzindo os dizeres do Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 020/18, "como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (...)

A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência]”( http: / / www.dgsi.pt /jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00)

Os presentes autos tiveram o seu início em 07/11/2012, data em que deram entrada no Balcão Nacional de Injunções (Nesse sentido, veja-se o Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 20/01/2021, processo n.° 01574/20.5T8CSC.S1, consultável em http: / /www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3feddf3d0e625a66802586950064c6ed.)

Nos termos do art. 64.º do Código de Processo Civil (CPC) “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Igualmente, segundo o art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ), “Os tribunais judiciais tem competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Igualmente, segundo o art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ), “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Tais normas estão em consonância com a previsão do art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

Assim, não cabendo uma causa na competência de outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum.

Os tribunais administrativos, “por seu turno, não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº 508/94, de 14.07.94, in Processo nº 777/92; e AC TC nº 347/97, de 29.04.97, in Processo nº 139/95] (Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.° 020/18: http: / /www.dgsi.pt /jcon.nsf /35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931 / 00026a026bf60a4e802583440035ed00)

Dispõe o art. 65.º do CPC que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.

Nos termos do art. 212.º, n.º 3, da CRP “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

A propósito da noção de “relação jurídica administrativa”, escreveu José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa”, 17.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 49.):
“na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (...)

A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem a ciência jurídica.

Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se tem de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista a realização de um interesse público legalmente definido”.

No dizer de Diogo Freitas do Amaral (“Direito Administrativo”, volume III, Lisboa, 1989, pág. 439.), a relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.

À data da propositura da ação a redação vigente do art. 1.º, n.º 1, do ETAF, resultante da Lei n.º 20/2012, de 14/05, era a seguinte: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”.

Nos termos do art. 4.º do ETAF, na redação decorrente daquela Lei n.º 20/2012, de 14/05:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;

c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;

e) Questões relativas a validade de actos pré-contratuais e a interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;

g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;

i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;

j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;

l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional;

m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;

n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.

2 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:

a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa;

b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;

c) Actos relativos ao inquérito e a instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões.

3 - Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso;

b) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;

c) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo seu presidente;

d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.”.

A Lei n.º 114/2019 de 12 de setembro, aditou uma nova alínea e) ao n.º 4 do art. 4º do ETAF, através da qual veio excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”.

Tal normativo não tinha correspondência na versão vigente à data da propositura da ação (07/11/2012).

A este propósito, veja-se a Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 167/XIII (https: / /app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765247396a6457316c626e527663306c7561574e70595852
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“A necessidade de clarificar determinados regimes, que originaram inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclareça-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.”

Nos termos do n.º 1 do art. 38.º da Lei n.º 62/2013, “A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.” (no mesmo sentido veja-se o artº 5.º do ETAF).

E, segundo o n.º 2 do mesmo normativo: “São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.”.

Sobre esta temática, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 24/02/2021, processo n.º 01573/20.7T8CSC.S1 ( http: / /www.dgsi.pt/jcon.nsf /35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f7ca858d9c69372a80258695006bc219), nos seguintes termos:

“A Lei 114/2019 entrou em vigor em 11 de Novembro de 2019 e não regula a sua própria aplicação no tempo.

Tratando-se de uma alteração respeitante à competência material da jurisdição administrativa e fiscal, a aplicação no tempo dessa exclusão não atinge as acções pendentes, de acordo com o disposto no artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O mesmo princípio consta, aliás, do n.º 2 do artigo 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, preceito incluído no Título V, relativo aos Tribunais Judiciais, e que prevê duas excepções, nas quais a lei nova e de aplicação as acções pendentes: a extinção do tribunal onde a acção foi proposta e a atribuição de competência a tribunal incompetente.”. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 20/01/2021, processo n.º 01574/20.5T8CSC.S1 (http: / /www.dgsi.pt/jcon.nsf /35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3feddf3d0e625a66802586950064c6ed)

Em consonância com o que ficou decidido nestes acórdãos, tendo a presente ação dado entrada em juízo em momento anterior à alteração operada pela Lei n.º 114/2019, devera atender-se à redação do art. 4.º do ETAF na versão introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14/05, por vigente a data da propositura da ação.

Decidiu-se no Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20/01/2021, processo n.º 01574/20.5T8CSC.S1 (http: / /www.dgsi.pt/icon.nsf /35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3feddf3d0e625a66802586950064c6ed
Veja-se também o Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 18/12/2013, processo n.° 053/13, consultável em http: / /www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a5b9a5a0946b820180257c620035e6b2)

“5. A questão de saber se cabe na jurisdição administrativa e fiscal uma acção na qual uma empresa concessionária do serviço municipal de distribuição de água pretende a condenação de um condomínio no pagamento de dívidas respeitantes ao fornecimento de água ao prédio, “correspondente à diferença entre o total de água medido pelos conjunto dos contadores divisionários instalados naquele prédio e o total de água medido por contador totalizador (vulgo, padrão) instalado no mesmo prédio” (requerimento executivo), ao abrigo de contrato celebrado entre ambos (cfr. fls. 16), foi já apreciada por diversas vezes pelo Tribunal dos Conflitos, que na generalidade dos casos concluiu tratar-se de questão da competência dos tribunais tributários (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 9/11/2010, proc. n.º 17/10, de 25 de Junho de 2013, proc. n.º 033/13, de 30 de Outubro de 2014, proc. n.º 047/14, de 13 Novembro de 2014, proc. n.º 041/14, de 4 de Novembro de 2015, proc. n.º 124/14, de 7 de Novembro de 2019, proc. n.º 021/19, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

A requerente é uma empresa concessionária do Sistema Municipal de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais do Município de Cascais, por contrato de concessão celebrado com o Município e cujas obrigações e direitos se encontram definidos pelo Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto (Regime Jurídico dos Serviços Municipalizados de Abastecimento Público de Águas, de Saneamento de Águas Residuais e de Gestão de Resíduos Urbanos), pelo contrato de concessão (disponível em aguasdecascais.pt) e pelo Regulamento dos Serviços de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais do Município de Cascais, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de Março de 2011. (…)

Aliás, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário parece aceitar esta competência tal como decorre do recente Acórdão de 10-04-2013, P. 015/12, onde se decidiu: “No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”. No caso referido estava em apreciação a cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal, mas a cobrança de dívidas a uma concessionária parece poder ser vista no mesmo enquadramento e com a mesma solução, quando no Acórdão se inclui o próprio diferendo sobre o preço da água - fixado segundo regras de direito público em regime excluído da concorrência - como aspecto submetido à competência dos tribunais tributários, mesmo quando se reconhece que o concessionário não dispõe da possibilidade de recorrer a execução fiscal.

Podemos pois concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio, tal como se concluiu nos aludidos Conflitos 14/06 e 17/10, são os tribunais administrativos e fiscais através dos tribunais tributários, face ao disposto no artigo 49.º n.º 1 al. c) do ETAF.»

6. Nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o presente litígio pertence ao âmbito da Jurisdição Administrativa e Fiscal e, de acordo com a al. c) do artigo 49.º do mesmo Estatuto, é da competência dos Tribunais Tributários. Como se escreveu no acórdão de 17 de Julho de 2014, acima citado, «(..), atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos a disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.»

7. Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 14.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, decide-se que é competente para a acção na qual e autora AdC Águas de Cascais, S.A., e réu o condomínio do Prédio… , o Juízo Tributário Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra (artigos 50.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 19.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigos 1.º e 9º do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, artigo 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de Maio).”

Atente-se, ainda, na fundamentação do recente Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 18/01/2022, processo n.º 0443/20.3BEALM.S1 (http: / /www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ fb89e9aedfced32f802587f4004c160d)

“(…) O Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto, estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos.

Prevê-se no respetivo preâmbulo que “As actividades de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem estar geral, a saúde pública e a segurança coletiva das populações, as actividades económicas e a proteção do ambiente. Estes serviços devem pautar-se por princípios de universalidade no acesso, de continuidade e qualidade de serviço e de eficiência e equidade dos tarifários aplicados.

O actual regime de abastecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos assenta na dicotomia entre sistemas municipais, situados na esfera dos municípios, onde se incluem também os sistemas intermunicipais, e sistemas multimunicipais, situados na esfera do Estado.

No quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, os municípios encontram-se incumbidos de assegurar a provisão de serviços municipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos, nos termos previstos na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, sem prejuízo da possibilidade de criação de sistemas multimunicipais, de titularidade estatal. (…)

E resulta dos artigos 2.º, n.º1, 6.º, n.º1, e 7.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20/08, na redação da Lei 12/14, de 6 de Março, que a gestão dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos é uma atribuição dos municípios, podendo ser concessionada a entidades terceiras.”»

Acresce que, tal como se entendeu no acórdão de 17 de Fevereiro de 2021 do Supremo Tribunal Administrativo, www.dgsi.pt, proc. n.º 01685/18.7BEBRG quanto às quantias então devidas, as que aqui estão em causa - como contrapartida do fornecimento de água - “assumem a natureza de taxas”, sendo fixadas unilateralmente. Aliás, segundo o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2013, www.dgsi.pt, proc. n.º 012/12, que se segue, “No domínio da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas (...)”.

O litígio a que respeita a oposição em causa nestes actos é, insere-se, assim, numa relação de natureza administrativa: um dos seus sujeitos é uma entidade pública que actua com vista a prossecução de um interesse público que lhe é cometido por lei e respeita a cobrança coerciva de taxas, contrapartida pelo serviço prestado, cuja quantia é unilateralmente definida. Cabe no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (al.d) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e, especificamente, dos tribunais tributários (al. d) do n.º 1 do art 49.º, também do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).”.

Face ao exposto, e convocando os fundamentos constantes daqueles acórdãos, consideramos ser de reconhecer que o Tribunal competente para conhecer da ação em causa é Juízo Tributário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

III
DECISÃO:

Em face do exposto, resolvendo o presente conflito negativo de jurisdição, acorda-se em atribuir ao Juízo Tributário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, competência para o conhecimento da questão controvertida que opõe a requerente Indaqua Fafe - Gestão de Águas de Fafe, SA ao requerido AA.

Sem custas.

Lisboa, 1 de março de 2023. - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Fernando Jorge Dias – Cláudio Ramos Monteiro - Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.