Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:011/15
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:JOÃO CAMILO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18910
Nº do Documento:SAC20150422011
Data de Entrada:02/25/2015
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
AUTOR: A............, SA
RÉU: B............, SA E OUTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:
A…………, SA. propôs a presente acção, sob a forma administrativa comum, em 3/01/2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, contra B…………, S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento à autora de € 2 470,32, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal e desde a data da citação.
Para tanto alega, em síntese, que como seguradora do ramo automóvel, pagou danos que discrimina, devido a prejuízos sofridos num acidente ocorrido na auto-estrada A/7, devido à colisão do veículo segurado com uma raposa que surgiu imprevistamente na faixa de rodagem.
Aquela auto-estrada integra uma concessão efectuada à ré, sendo a ocorrência da colisão e dos danos referidos devidos à falta de vigilância da ré da mesma auto-estrada.
Após contestação da ré em que esta apenas alegou defesa por impugnação, foi proferido despacho saneador em que se julgou a incompetência daquele tribunal demandado em razão da matéria, por ser competente o tribunal comum.
Transitada esta decisão em julgado, foi o processo, a requerimento da autora, remetido ao tribunal comum de Fafe onde foi proferido despacho a julgar igualmente a sua incompetência em razão da matéria, decisão esta que transitou em julgado, após ser confirmada pela Relação de Guimarães em recurso de apelação da autora.
Levantado oficiosamente, nos termos do art. 111º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, pelo Tribunal da Comarca de Braga, o presente conflito de competência em razão da matéria, foi proferido parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, em que este defendeu a atribuição da competência em razão da matéria para conhecer do presente processo ao Tribunal Administrativo demandado inicialmente.
Dispensados os vistos legais, urge apreciar e decidir, o que se fará de seguida.
Neste conflito de jurisdição está em causa a questão de competência em razão da matéria de um tribunal para conhecer de um concreto litígio, pelo que há que tomar em conta a forma como os autores configuram a acção na dupla vertente do pedido e da causa de pedir.
Para isso, temos de analisar a forma como a autora na sua petição inicial configurou aqueles elementos da acção.
A autora na sua petição inicial configura a presente acção como de responsabilidade civil extracontratual, por violação de deveres legais – decorrentes do contrato de concessão de serviço público – por parte da ré, deveres esses tendentes a evitar danos à segurada da ré, tendo a autora o seu direito de indemnização derivado da sub-rogação prevista no art. 592º do Cód. Civil.
Decorre dos arts. 64º do Cód. de Proc. Civil e 26º, nº 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei nº 52/2008 de 28/08 – a regra da competência em razão da matéria dos tribunais judiciais que consiste na competência residual, ou seja, a de que são da competência daqueles tribunais, as causas que não forem legalmente atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Desta forma, para conhecer do presente litígio será competente o tribunal comum, se a lei não tiver atribuído a competência a outra ordem de tribunais, e no caso, e em especial, aos tribunais administrativos.
A competência destes está hoje fixada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, (ETAF) aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro.
Segundo o seu art. 4º, nº 1 alínea g), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.
Por seu lado, a alínea i) do nº 1 do mesmo art. 4º do ETAF estipula que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
A responsabilidade atribuída à ré pela autora, como dissemos já, radica na omissão por parte da ré dos seus deveres emergentes do contrato de concessão celebrado com o Estado, conforme ao disposto no Decreto-Lei nº 248-A/99 de 6/07 que aprovou as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal, sendo a concessionária a C…………, actualmente denominada por B…………, S.A.
Além disso, o art. 1º, nº 5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31/12 – prescreve que as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prorrogativas de poder político ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Estando hoje a responsabilidade extracontratual do Estado e demais entes públicos regulada naquele diploma legal, fica a ré equiparada a um ente público, para os fins do disposto na referida alínea i).
Por outro lado, aqui a ré está demandada por omissão praticada pela mesma no âmbito de um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público, pelo que está a ser demandada por actividade regulada por normas de direito administrativo.
Tal como referiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2008, no processo 08B845, a definição da competência dos tribunais administrativos para conhecer da responsabilidade civil extracontratual imputada a pessoas colectivas de direito público já não pressupõe a distinção da sua actividade de gestão pública e de gestão privada.
Desta forma a competência material para conhecer do presente litígio está atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Desta forma fica afastada a competência dos tribunais comuns.
Tem sido este o entendimento maioritário deste Tribunal de Conflitos, citando-se a título exemplificativo, o acórdão proferido em 30-05-2013, no conflito nº 17/13 em que o presente Relator foi adjunto.

Pelo exposto, acordam no Tribunal de Conflitos em julgar competente em razão da matéria, para conhecer da presente acção, o Tribunal Administrativo e Fiscal demandado inicialmente.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Abril de 2015. – João Moreira Camilo (relator) – Jorge Artur Madeira dos SantosAntónio Jorge Fernandes de Oliveira MendesVítor Manuel Gonçalves GomesJoão Luís Marques BernardoAlberto Acácio de Sá Costa Reis.