Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 052/14 |
Data do Acordão: | 01/26/2017 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | CARLOS CARVALHO |
Descritores: | ACÇÃO DE REIVIDINCAÇÃO. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS. |
Sumário: | I. As ações de reivindicação são ações reais, que não se confundem com as ações obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual. II. Assim, a «reivindicatio» não cabe na previsão do art. 04.º, n.º 1, al. g), do ETAF. III. E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as ações de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual [cfr. art. 66.º do anterior CPC e atual art. 64.º do CPC/2013, art. 18.º da LOTJ e atual art. 40.º, n.º 1, da LOSJ]. |
Nº Convencional: | JSTA000P21369 |
Nº do Documento: | SAC20170126052 |
Data de Entrada: | 01/15/2016 |
Recorrente: | A…….. E MULHER B………, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DE AMARANTE E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL. |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. A…….. e mulher B………… intentaram no Tribunal Judicial de Amarante uma ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra C…….. - …………………………, A.C.E. pedindo a sua condenação a: “1. reconhecer e a respeitar o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano em causa nos autos, adquirido por usucapião, com a área total de 1 338 m2, e os limites definidos pelos sinais relevantes existentes no local, a sul com caminho público, a norte com baldio, nascente com D……….. e caminho público e a poente com baldio, com as limitações descritas no artigo 9.º da p.i. e abster-se da prática de quaisquer atos perturbadores ou esbulhadores da posse dos Autores; 2. restituir à posse dos Autores a parcela de terreno com a área de 40 metros de comprimento e 15 cm de largura, pertencente ao mesmo prédio; No prazo máximo de 30 dias, a contar da data de trânsito em julgado, prazo esse que os AA. reputam como suficiente para o efeito: 3. retirar da parcela de terreno referida em 2 o muro de suporte de terras que nele colocou; 4. limpar e retirar as pedras existentes no logradouro dos AA.; 5. repor ou reconstruir as leiras existentes no terreno dos AA.; 6. repor as capoeiras e os galinheiros no local original; 7. repor as terras e o terreno no estado em que se encontravam antes da intervenção da Ré; 8. plantar as duas oliveiras que retirou do terreno dos AA. para colocação do muro de suporte de terras; 9. desviar ou retirar as águas que escorrem para a habitação dos AA.; 10. construir um muro de suporte de terras em betão armado no limite mais a Norte do prédio dos AA. com cerca de 40 metros de comprimento, 2,5 metros de altura e 40 cm de espessura para proteção do prédio das terras e pedras que escorrem para o prédio destes; Deve ainda a R. ser condenada a: 11. indemnizar os Autores pelos prejuízos resultantes da ocupação abusiva da parcela de terreno identificada em 28.º da p.i., a fixar segundo o prudente arbítrio do Julgador e tendo em conta juízos de equidade mas, em montante nunca inferior a € 300,00 (Trezentos euros) por cada mês de ocupação contados desde a data da interpelação para a retirada da paliçada - 5 de setembro de 2012 - até à efetiva entrega da parcela de terreno aos AA., livre e desimpedida; 12. a indemnizar os AA. pelo desgosto, tristeza e preocupações provocadas, a título de danos morais, em quantia nunca inferior a € 2 500,00 (Dois mil e quinhentos euros). 13. pagar custas, condigna procuradoria e o mais legal. Subsidiariamente, caso a Ré não cumpra com os pedidos 3 a 10 anteriormente formulados requer-se seja a Ré condenada a: 14. indemnizar os Autores pelo valor de € 30 000,00 (Trinta mil euros) que corresponde às despesas em que incorrerão com a execução dos trabalhos referidos nos pedidos 3 a 10 supra formulados”. A Ré deduziu na sua contestação a exceção da incompetência material do tribunal por considerar que a jurisdição administrativa era a competente para a causa. Por decisão de 8/5/2013, o Tribunal Judicial de Amarante declarou-se incompetente em razão da matéria, por o processo pertencer à jurisdição administrativa, e absolveu a Ré da instância, ponderando que: No despacho saneador proferido a 5/5/2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da ação, atribuindo a competência aos tribunais judiciais. Para o efeito considerou que: “Assim, atendendo à causa de pedir e pedidos configurados pelos Autores e relativamente aos pedidos formulados sob os pontos 1), 2), 3), 5), 6), 7), 8) estamos perante uma verdadeira ação de reivindicação, através da qual estes pretendem exigir judicialmente da Ré o reconhecimento do seu direito de propriedade, a consequente restituição do que lhe pertence e a reposição do estado do terreno antes da ocupação por parte da Ré. Com efeito, estes pedidos correlacionam-se com a ocupação ilegal de uma leira com 40 metros de comprimento cuja propriedade pretendem ver reconhecida, solicitando, igualmente, que aquela leira seja reposta na situação em que se encontrava antes da intervenção da Ré que consideram ilegal e abusiva o que passa pela retirada do muro de suporte colocado nessa leira, recolocação das capoeiras, galinheiros e duas oliveiras que lá existiam antes da intervenção, pedidos próprios de uma ação real (ação de reivindicação). (...) No que concerne aos pedidos formulados sob os pontos 4), 9), 10), 11) e 12) estamos perante pedidos indemnizatórios fundados em responsabilidade civil extracontratual para cujo conhecimento são competentes os Tribunais Comuns. De facto, na versão dos Autores a atuação da Ré é ilícita, na medida em que deixou no logradouro diversas pedras que pretendem que sejam retiradas e foi construído um muro de suporte de terras no prédio confinante ao prédio dos Autores que se encontra orientado para o seu prédio, arrastando grandes quantidades de terra e pedra sendo que tal facto provoca o escoamento das águas para a habitação dos Autores com consequentes danos. Por isso, pretendem que essas águas sejam desviadas através da construção de um muro de suporte de terras no limite mais a Norte para proteção do prédio das terras e pedras que escorrem para o prédio e ser indemnizados pela ocupação abusiva (danos patrimoniais e não patrimoniais). Sucede que a Ré «C…….- …………, ACE», tal como resulta do probatório, é um Agrupamento Complementar de Empresas formado por empresas privadas e, por isso, de natureza privada que surge na presente lide como empreiteira das obras em causa nos presentes autos no decurso das quais foram causados prejuízos aos Autores que reclamam indemnização. Ora, a atividade da Ré, tal qual a causa de pedir foi configurada, não se desenvolve num quadro de índole pública, pois a Ré não foi chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão pública, ao contrário do que sucede com a concessionária «………….., SA» (cfr. Bases de Concessão aprovadas pelo DL n.º 86/2008 de 28/05), sendo apenas a empreiteira de uma obra pública que não reveste a natureza de um concessionário e que atua segundo um regime de direito privado. Com efeito, a Ré é uma pessoa coletiva de direito privado que não foi chamada a colaborar com qualquer entidade pública para o exercício de tarefas de interesse público regendo-se unicamente pelo direito privado e só estaria vinculada ao direito administrativo se por determinação da lei ou por contrato de concessão lhe tivessem sido outorgadas prerrogativas de autoridade ou imposta a observância de deveres especiais, o que não é o caso, pelo que as ações e omissões da Ré devem ser reguladas por disposições e princípios de direito privado (note-se que a concessionária do túnel do Marão a «…………, SA» não é a aqui Ré e só a esta é que terão sido outorgadas prerrogativas de autoridade ou imposta a observância de deveres especiais através do contrato de concessão e já não à Ré que celebrou com a concessionária um contrato de projeto e construção do aludido túnel, pelo que não há aqui qualquer transferência de prerrogativas ou deveres). Foi suscitada oficiosamente pelo TAF de Penafiel, ao abrigo do disposto no arts. 109.º, n.º 2 e 111.º, n.ºs 1, 2 e 3 do NCPC, a resolução do conflito. Por seu turno, a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art. 212.º da CRP, em que se estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Dec. Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF-2002, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, alterado pelas Leis n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 107-D/2003, de 31 de dezembro, 1/2008 e 2/2008, de 14 de janeiro, 26/2008, de 27 de junho, 52/2008, de 11 de setembro, pelo Dec. Lei n.º 166/2009, de 31 de julho, pelas Leis n.ºs 55-A/2010, de 31 de dezembro e 20/2012, de 14 de maio) replicava no art. 01.º, n.º 1, essa genérica previsão. Essa enunciação genérica era concretizada no art. 04.º, com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.º 1) e negativa (n.ºs 2 e 3). No caso presente e em síntese, os AA. pedem a condenação da Ré no reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, sobre o prédio identificado, na restituição da posse de parcela de terreno, na retirada dessa parcela do muro de suporte de terras colocado pela Ré e na reposição de elementos e do terreno no estado em que se encontrava antes da intervenção da Ré, sustentando esses pedidos na titularidade do direito de propriedade que pretendem ver reconhecido. Assim, a pretensão principal que os AA. enunciam enquadra-se na ação de reivindicação de propriedade privada. Ora, para o conhecimento de ações de reivindicação, este Tribunal tem reiteradamente julgado no sentido de atribuição da competência à jurisdição comum [cfr., por exemplo, Acs. de 9/6/2010, P. n.º 12/10, de 16/02/2012, P. n.º 20/11, de 18/12/2013, P. n.º 18/13, de 5/6/2014, P. n.º 4/14, de 19/6/2014, P. n.º 13/14, de 22/4/2015, P. n.º 1/15, de 4/2/2016, P. n.º 46/15 e de 10/3/2016, P. n.º 50/15]. Esse juízo mereceu, no acórdão de 18/12/2013, P. n.º 18/13, a fundamentação seguinte: 5. Decisão Sem custas neste Tribunal de Conflitos. D.N.. Lisboa, 26 de Janeiro de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Adriano Machado Souto de Moura. |