Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:014/16
Data do Acordão:01/19/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GOMES DA SILVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P21329
Nº do Documento:SAC20170119014
Data de Entrada:04/06/2016
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA - FAFE - INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CÍVEL E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:

1. - O Ministério Público veio requerer a resolução de um conflito negativo de jurisdição entre o então 1° Juízo do Tribunal Judicial de Fafe - actualmente Instância Local, Secção Cível do Tribunal da Comarca de Braga - e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com os seguintes fundamentos:

“A…………………. SA” intentou no Balcão Nacional de Injunções acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra B…………………. peticionando o pagamento da quantia de € 72,37, acrescida de juros.

Fundamentou o seu pedido, em síntese, alegando que no exercício da sua actividade de concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Fafe contratou com o requerido o fornecimento de água não tendo ele pago diversas facturas que perfazem aquele montante.

Na subsequente tramitação no 1° Juízo do Tribunal Judicial de Fafe este declarou-se materialmente incompetente em razão da matéria e absolveu da instância o requerido.

Houve recurso dessa decisão a que o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento.

Na sequência do que, ao abrigo do art. 99°, n° 2 CPC a “A………………..” requereu a remessa dos articulados ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que veio também a declarar a sua incompetência em razão da matéria indeferindo a petição inicial.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de ser atribuída competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.


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2. - É inquestionável a existência de decisões antagónicas quanto à definição da competência material para a apreciação do pedido formulado na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não subsistindo dúvidas de que ocorre um conflito negativo de jurisdição a respeito do qual este Tribunal de Conflitos deve pronunciar-se.

Como está doutrinária e jurisprudencialmente aceite de modo pacífico a competência material afere-se pela causa de pedir e pelo pedido, ou seja, pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor.

Neste caso, como em diversos outros semelhantes que têm vindo ao Tribunal de Conflitos, o que está em questão é o pedido do pagamento de verbas respeitantes a facturas vencidas e não liquidadas com origem no contrato mediante o qual a autora forneceu água para consumo, autora que se assume como sociedade anónima de direito privado a quem foi concessionado pelo Município de Fafe o serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo, actividade que está vedada a particulares salvo concessão.

Trata-se, pois, de um contrato que se desenvolve «num quadro de ambiência pública» tanto mais que para a prestação do serviço contratado o utilizador «nem sequer é chamado a negociar o valor da contrapartida devida pelo fornecimento da água» pagando os preços que são impostos de modo unilateral sem hipótese de discussão, preços esses que, por conseguinte, não estão no livre jogo das forças do mercado determinado pela lei da oferta e da procura.

É, portanto, incontroverso que tais relações jurídicas «não são pautadas pela ampla liberdade contratual específica do direito privado, em particular do direito das obrigações, na medida em que o interesse geral subjacente à exploração e gestão dos sistemas de distribuição de água e de recolha e drenagem de águas residuais impõe que existam normas de direito público que disciplinem o seu regime jurídico» (cfr Acórdão de 2015.07.09, no conflito n° 07/15).

Nesses diversos outros casos tem este Tribunal decidido de forma praticamente unânime que a competência material para decidir da causa cabe aos Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes aos Tribunais tributários (Sem preocupação de exaustão constata-se que assim ocorreu nos Acórdãos de:
- 2010.11.09, no conflito nº 17/10; - 2013.06.25, no conflito n° 33/13; - 2013.09.26, no conflito nº 30/13; - 2013.11.05, no conflito n° 39/13; - 2013.12.18, no conflito nº 38/13; - 2013.12.18, no conflito n° 53/13; - 2014.01.29, no conflito n° 61/13; - 2014.01.29, no conflito n° 45/13; - 2014.02.26, no conflito n° 41/13; - 2014.03.27, no conflito n° 54/13; - 2014.03.27, no conflito n° 01/14; - 2014.05.15, no conflito n° 31/13; - 2014.06.05, no conflito nº 23/14; - 2014.06.19, no conflito nº 22/14; - 2014.06.26, no conflito nº 21/13; - 2014.10.19, no conflito n° 47/14; - 2014.11.13, no conflito nº 41/14; - 2014.11.13, no conflito nº 43/14; - 2014.11.25, no conflito nº 39/14; - 2014.11.25, no conflito nº 40/14; - 2014.11.25, no conflito nº 42/14; - 2015.01.29, no conflito nº 26/14; - 2015.07.09, no conflito nº 07/15.).
Nenhum motivo existe para alterar essa jurisprudência firme e melhor do que aduzir argumentos decalcados é aderir à fundamentação que, embora com alguma diversidade, tem sido usada. Como no Acórdão de 2013.09.26 (conflito nº 39/13) onde se consignou o seguinte:

«De acordo com o disposto no n.° 1 do art. 211° da CRP, (Idêntica redacção tem n.° 1 do art. 18° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13.1 e o art. 66° do CPC.) “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” e nos termos do art. 212°, n.° 3, (No mesmo sentido o art. 1°, n.° 1, do ETAF.) “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”. O conceito de relação jurídica administrativa é, assim, erigido, tanto pela Constituição como pela lei ordinária, como operador nuclear da repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais. O âmbito da jurisdição administrativa e fiscal encontra-se no art. 4° do ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19.2, alterada pela Lei n.° 10/D/2003, de 31.12) onde se diz que compete a esses tribunais “a apreciação de litígios que tenham por objecto” as situações a seguir enunciadas, sendo que a decisão recorrida identificou a alínea f) (Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público) como suporte da atribuição da competência à jurisdição administrativa.

Por outro lado, numa situação absolutamente idêntica, este Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 26.9.13 proferido no Conflito n.° 30/13, identificou igualmente a alínea d) do n.° 1 desse mesmo preceito que alude à “Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos”.

No caso em apreço e de acordo com o n.° 2 do art. 13° do já citado DL 379/93, o concessionário, a autora in casu, “precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar ama taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização ...”, o que ela fez, o que evidencia, com toda a clareza, a existência de uma relação jurídico-administrativa entre si e os consumidores de água da rede pública, por estar em causa a realização do interesse público mediante a utilização de um poder público.

Como se assinala naquele aresto, “Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.

Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito n° 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.° 14/06.

Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/4/2013, proferido no processo n.° 15/12, onde se decidiu que:

No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n° 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.

Aderindo, pois, como se disse, a esta posição daí decorre a necessidade de declarar materialmente competente para o prosseguimento da acção o tribunal tributário.


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3. - Em face do que se resolve o conflito negativo de competência declarando competente para conhecer da acção interposta a jurisdição administrativa e fiscal e dentro desta o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

Sem tributação.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2017. - Nuno de Melo Gomes da Silva (relator) - José Francisco Fonseca da Paz - Fernanda Isabel de Sousa Pereira - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Manuel Tomé Soares Gomes - José Augusto Araújo Veloso.