Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:032/18
Data do Acordão:12/06/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLINDO GERALDES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:I. A competência do tribunal, que constitui pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional.
II. Compete à jurisdição comum, nomeadamente à jurisdição do trabalho, conhecer da impugnação judicial de contraordenação em matéria de segurança social.
Nº Convencional:JSTA000P23934
Nº do Documento:SAC20181206032
Data de Entrada:08/27/2018
Recorrente:O MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VIANA DO CASTELO – INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE TRABALHO – J2 E O TAF DE BRAGA, UNIDADE ORGÂNICA 3.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº: 32/18.

Acordam no Tribunal dos Conflitos:

I- RELATÓRIO

A………, Lda., foi condenada no pagamento da coima de € 1 000,00, por violação dos artigos 40.º, n.º 1, 229.º e 233.º, alínea b), do Código do Regime Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, nomeadamente por falta de declaração das remunerações recebidas pelos seus trabalhadores, a qual foi impugnada judicialmente e, por isso, o processo foi remetido ao Juízo Central do Trabalho de Viana do Castelo, Comarca de Viana do Castelo.

Distribuído o processo, sob o n.º 4323/16.9T8VCT, por despacho de 20 de dezembro de 2016, o Juízo Central do Trabalho de Viana do Castelo declarou-se incompetente para conhecer da impugnação judicial, atribuindo a competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, designadamente nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que lhe confere competência para conhecer da impugnação contraordenacional em matéria fiscal.

Entretanto, o Instituto da Segurança Social, I.P., interveio nos autos, requerendo que a jurisdição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fosse julgada materialmente incompetente.

Remetida impugnação judicial ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (150/17.4BEBRG), por despacho de 4 de abril de 2017, foi declarada a sua incompetência material, nomeadamente por a competência material, para conhecer de processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social, pertencer aos tribunais do trabalho, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art. 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Ambas as decisões transitaram em julgado.

Verificado o conflito negativo de jurisdição, pelo Ministério Público foi requerida, em 29 de junho de 2018, a sua resolução ao Tribunal dos Conflitos.

Cumpre, desde já, apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa resolver o conflito negativo de jurisdição, para conhecer da impugnação judicial de contraordenação em matéria de segurança social, sendo certo que, por decisão transitada em julgado, tanto a jurisdição comum como a jurisdição administrativa e fiscal a negaram e a atribuíram reciprocamente.
O Juízo Central do Trabalho de Viana do Castelo baseou a sua decisão no art. 49.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, que atribui a competência material aos Tribunais Administrativos e Fiscais da impugnação judicial de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal. Por sua vez, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga motivou a decisão no disposto no n.º 2 do art. 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, por efeito se tratar de impugnação judicial de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social.
Esta posição recolhe também o apoio expresso do Instituto da Segurança Social, I.P., baseando-se, em especial, no disposto no art. 34.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social e atribuiu a competência para conhecimento da impugnação judicial ao tribunal do trabalho.
Identificadas as posições de cada uma das entidades conflituantes, vejamos como resolver o conflito negativo de jurisdição suscitado entre a jurisdição comum do trabalho e a jurisdição administrativa e fiscal.

A competência do tribunal, que constitui um pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 88, e ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 196).

Internamente, o fracionamento ou repartição do poder de julgar deriva de vários fatores, designadamente em razão da matéria. A competência em razão da matéria para as diversas espécies de tribunais, situados entre si no mesmo plano horizontal, sem qualquer relação de hierarquia, resulta da natureza da matéria alegada na impugnação, tendo por justificação o princípio da especialização, com as vantagens inerentes, e cada vez mais reconhecidas.
A natureza da matéria alegada na impugnação afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento invocado (MANUEL DE ANDRADE, Ibidem, pág. 91), como, aliás, é entendido, pacificamente, pela jurisprudência.

O objeto da causa respeita à impugnação judicial da contraordenação imputada à arguida, nomeadamente por omissão da declaração da remuneração dos seus trabalhadores à segurança social, prevista e punida pelos artigos 40.º, n.º 1, 229.º e 233.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.
Como facilmente se depreende, a contraordenação atribuída à arguida respeita ao incumprimento da obrigação de informar da remuneração do trabalhador sujeito ao sistema da segurança social. Na verdade, por efeito do contrato de trabalho, a entidade empregadora está obrigada a declarar à segurança social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável (art. 40.º, n.º 1, do Código aprovado pela Lei n.º 110/2009).
Não se discutindo sequer o pagamento da contribuição à segurança social, é manifesto que, no processo, não pode estar em causa o pagamento de qualquer imposto ou taxa, o que, desde logo, permite excluir a atribuição da competência material aos tribunais fiscais (art. 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Por outro lado, o art. 34.º do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (que revogou grande parte do DL n.º 64/89, de 25 de fevereiro), é categórico ao dispor que “é competente para conhecer da impugnação judicial o tribunal de trabalho”.
Reforçando este sentido normativo, também o art. 126.º, n.º 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, declara que compete aos tribunais do trabalho o julgamento dos “recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e de segurança social”.
Neste contexto legal, é indubitável que compete à jurisdição comum, nomeadamente à jurisdição do trabalho, conhecer da impugnação judicial em matéria de contraordenação por violação das normas do código dos regimes contributivos do sistema providencial de segurança social.

Assim, compete ao Juízo Central do Trabalho de Viana do Castelo conhecer da impugnação judicial da contraordenação em matéria de segurança social, deduzida por A………, Lda., resolvendo-se, deste modo, o conflito negativo de jurisdição suscitado.

2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. A competência do tribunal, que constitui pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional.
II. Compete à jurisdição comum, nomeadamente à jurisdição do trabalho, conhecer da impugnação judicial de contraordenação em matéria de segurança social.

2.3. Não há lugar ao pagamento de custas, designadamente porque as partes não tiraram qualquer proveito - art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

Resolver o conflito negativo de jurisdição, atribuindo a competência material ao Juízo Central do Trabalho da Comarca de Viana do Castelo.

Lisboa, 6 de dezembro de 2018. – Olindo dos Santos Geraldes (relator) – José Francisco Fonseca da Paz – José Manuel Bernardo Domingos – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Manuel Roque Nogueira – António Bento São Pedro.