Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:020/06
Data do Acordão:12/20/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:PAIS BORGES
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
APOIO JUDICIÁRIO.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
AUTORIZAÇÃO DE PERMANÊNCIA.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:I – O nº 1 do art. 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, não deve ser entendido em sentido estritamente literal, como reportando-se apenas aos tribunais judiciais, ou seja, da jurisdição comum, sendo mais coerente com o princípio da unidade do sistema jurídico e com a teleologia da norma entender a referência ao “tribunal da comarca” como reportada ao tribunal de 1ª instância da jurisdição a que se reporta a acção principal, com vista a cuja instauração ou prosseguimento o apoio judiciário foi solicitado.
II – Visando o apoio judiciário solicitado a instauração de uma providência cautelar já intentada no tribunal administrativo, com vista a evitar uma situação de clandestinidade da requerente, perante a denegação, pelas autoridades administrativas, da “prorrogação de permanência” consignada no art. 71º, nº 7 do Decreto Regulamentar nº 6/2004, é aos tribunais desta ordem jurisdicional que cabe conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos arts. 27º e 28º, nº 1 da citada Lei.
Nº Convencional:JSTA00063717
Nº do Documento:SAC20061220020
Data de Entrada:11/20/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 4 JUÍZO CÍVEL DA COMARCA DE LISBOA (2 SECÇÃO) E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TCIV LISBOA - TAF LISBOA.
Decisão:DECL COMPETENTE TAF LISBOA.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:L 34/2004 DE 2004/07/29 ART27 ART28.
CONST97 ART17 ART20.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC7/06 DE 2006/07/06.; AC TCF PROC10/06 DE 2006/06/22.; AC TCF PROC13/06 DE 2006/06/20.; AC STJ PROC5B1248 DE 2005/09/22
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:
(Relatório)
A MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Supremo Tribunal Administrativo vem, ao abrigo do disposto nos arts. 115º nº 1, 116º e 117º, todos do CPCivil, requerer a resolução do conflito de jurisdição entre o 4º Juízo Cível da comarca de Lisboa /2ª Secção e o TAF de Lisboa /2ª Secção, com os seguintes fundamentos:
A…, cidadã ucraniana, a residir em Portugal indocumentada (id. a fls. 6), ao pretender prevalecer-se do disposto no art. 71º, nº 7 do Decreto Regulamentar nº 6/2004, relativo à “prorrogação de permanência”, foi notificada de que os procedimentos ao abrigo do citado diploma legal estavam suspensos.
Por tal motivo, intentou no TAF de Lisboa uma providência cautelar com vista a evitar a situação de clandestinidade, a qual foi distribuída ao 2º Juízo daquele Tribunal, sob o nº 3137/B4.3 BELSB, tendo solicitado no Instituto de Segurança Social de Lisboa protecção jurídica para efeitos da referida providência cautelar.
Perante a decisão de indeferimento do seu pedido de protecção jurídica, a requerente impugnou judicialmente esta decisão, peticionando a anulação daquele despacho de indeferimento e a consequente concessão do apoio judiciário requerido, tendo a impugnação sido remetida aos Juízos Cíveis, e dado origem aos Autos de Recurso de Impugnação de Apoio Judiciário nº 2438/05.8, do 4º Juízo.
Por decisão de 08.05.2006, o Sr. Juiz do 4º Juízo Cível julgou aquele tribunal incompetente em razão da matéria para o conhecimento da impugnação, por considerar que as regras de competência do art. 28º da Lei nº 34/2004 se reportam às duas jurisdições, determinando a remessa dos autos, após trânsito do seu despacho, ao 2º Juízo do TAF de Lisboa (3ª Unidade Orgânica), que considerou o competente, para efeitos de apensação aos autos de procedimento cautelar ali pendentes.
Recebida a impugnação no TAF de Lisboa, ali veio a ser proferido, no processo nº 1612/06.4, BELSB, o despacho judicial de 20.06.2006, no qual se declarou igualmente este Tribunal incompetente em razão da matéria, agora sob o entendimento de que as referidas regras de competência constantes do citado art. 28º se reportam exclusivamente à jurisdição comum.
Ambas as decisões transitaram em julgado, respectivamente a 25.05.2006 e a 06.07.2006 (cfr. certidão de fls. 6 a 15).
*
Colhidos nos vistos, cumpre decidir.
(Fundamentação)
Está em causa, no presente conflito negativo, a determinação de qual a jurisdição (comum ou administrativa e fiscal) a que cabe conhecer da impugnação judicial de decisão final sobre pedido de protecção jurídica (prevista nos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho) solicitada para efeitos de uma providência cautelar intentada nos tribunais administrativos com vista a evitar uma situação de clandestinidade da requerente, perante a denegação, pelas autoridades administrativas, da “prorrogação de permanência” consignada no art. 71º, nº 7 do Decreto Regulamentar nº 6/2004.
Este Tribunal dos Conflitos teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão em apreço, em situações idênticas, em que estava em causa igualmente uma decisão administrativa de indeferimento de apoio judiciário solicitado com vista à instauração de uma pretensão nos tribunais administrativos e fiscais, considerando serem estes os tribunais competentes para o seu conhecimento – cfr. os recentes Acs. de 06.07.2006 – Proc. 7/06, de 22.06.2006 – Proc. 10/06, e de 20.06.2006 – Proc. 13/06, cuja orientação, que ora se reitera, seguiremos de perto.
No mesmo sentido se pronunciou igualmente o STJ, no Ac. de 22.09.2005 – Proc. 5B1248, sufragando uma interpretação extensiva do art. 29º, nº 1 da anterior lei do apoio judiciário (Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro), correspondente ao art. 28º da actual lei.
Dispõem os referidos normativos da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho:
Artigo 27º
Impugnação judicial
1 – A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou no Conselho Distrital da Ordem dos Advogados que negou nomeação de patrono, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
(…)
3 – Recebida a impugnação, o serviço de segurança social ou o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.
Artigo 28º
Tribunal competente
1 – É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 – Nas comarcas onde existem tribunais judiciais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
(…)
Importa, desde já, sublinhar que a tarefa interpretativa a encetar deverá necessariamente ter em conta que a Lei nº 34/2004 (pese embora uma manifesta falta de rigor técnico), concretizando a imposição constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP), assegura que “o regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais e nos julgados de paz, qualquer que seja a forma do processo” (art. 17º, nº 1), o que traduz uma garantia de acesso ao direito e aos tribunais necessariamente extensiva a todos os tribunais da nossa organização judiciária, previstos no art. 209º da Constituição.
Por outro lado, o apoio judiciário constituía, tradicionalmente, uma questão incidental do processo principal, ou seja, daquele (instaurado ou a instaurar) para o qual a pretensão de apoio era solicitada.
E, tendo o mesmo sido desjudicializado, passando a ter natureza administrativa, por razões de ordem prática e de eficácia processual, não desapareceram contudo os motivos que aconselhavam um tratamento dessa questão incidental juntamente com a causa principal a que se reporta, assim se justificando, em caso de judicialização impugnatória, uma aproximação do processo a cuja instauração ou prosseguimento se reporta a protecção jurídica solicitada.
Como se pondera no Ac. do STJ atrás citado:
Tal é o regime para a jurisdição comum, e não é aceitável que o legislador tivesse querido uma solução oposta para as outras ordens jurisdicionais. Ou seja, num caso a proximidade dos autos e noutro o seu desfasamento completo, que não é só de tribunais mas de jurisdições.
Aliás, e salvo o devido respeito, é contraditório invocar a separação das jurisdições para consagrar uma solução em que uma delas fica a decidir o que, em termos substanciais, é um incidente de uma outra”.
Nesta conformidade, afigura-se que o texto do citado nº 1 do art. 28º da Lei nº 34/2004 não deve ser entendido em sentido estritamente literal, como reportando-se apenas aos tribunais judiciais, ou seja, da jurisdição comum, sendo mais coerente com o princípio da unidade do sistema jurídico e com a teleologia da norma entender a referência ao “tribunal da comarca” como reportada ao tribunal de 1ª instância da jurisdição a que se reporta a acção principal, com vista a cuja instauração ou prosseguimento o apoio judiciário foi solicitado.
Na situação sub judice, e tendo em conta que o apoio judiciário pretendido se reporta a uma providência cautelar já intentada no tribunal administrativo, com vista a evitar uma situação de clandestinidade da requerente, perante a denegação, pelas autoridades administrativas, da “prorrogação de permanência” consignada no art. 71º, nº 7 do Decreto Regulamentar nº 6/2004, é aos tribunais desta ordem jurisdicional que cabe conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos arts. 27º e 28º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
(Decisão)
Com os fundamentos expostos, acordam em resolver o presente conflito de jurisdição, atribuindo a competência para o conhecimento da questão – impugnação judicial da decisão final sobre pedido de protecção jurídica, prevista nos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho – à jurisdição administrativa, no caso, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa – 2º Juízo.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2006. Luís Pais Borges (relator) – Manuel Maria Duarte Soares – Rosendo Dias José – António da Silva Henriques Gaspar – Maria Angelina Domingues.