Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:09/02
Data do Acordão:07/09/2003
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:DIRECÇÃO GERAL DE VIAÇÃO.
PEDIDO.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE TRABALHO.
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO.
Sumário:I - A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo autor, embora sem vinculação às suas qualificações jurídicas.
II - Assim é competente o Tribunal de Trabalho se o A. caracterizou o contrato celebrado com a Direcção Geral de Viação como contrato individual de trabalho regulado pela legislação laboral, e não como contrato de natureza administrativa.
III - Questão diferente é a de saber se a situação descrita na petição pelo autor está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado, já que se prende com o mérito da acção, que terá de ser apreciada face à matéria de facto apurada.
IV - Se o regime jurídico invocado pelo Autor não for aplicável então a acção improcederá por aquele não ter impugnado a decisão de forma adequada.
Nº Convencional:JSTA00059543
Nº do Documento:SAC2003070909
Data de Entrada:10/22/2002
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 2º JUÍZO DO TRIBUNAL DE TRABALHO DE LISBOA E O TAC DE LISBOA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RL.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO COMPETÊNCIA.
Área Temática 2:DIR TRAB.
Legislação Nacional:ETAF96 ART3.
CONST97 ART211.
LOFTJ99 ART18 ART88.
Jurisprudência Nacional:AC TCE DE 2000/07/11 IN AD N460 PAG1630.; AC TCF PROC356 DE 2000/10/03.; AC TCF PROC373 DE 2001/11/06.; AC TCF PROC6/02 DE 2003/02/05.; AC TCF PROC371 DE 2002/02/27.; AC TCF PROC212 DE 1991/05/07.; AC TCF PROC231 DE 1991/05/07.; AC STAPLENO DE 1998/12/09 IN BMJ N482 PAG93.; AC STJ PROC373/98 DE 1999/04/21.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88.
Aditamento:
Texto Integral: 1. A... intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, contra o Estado Português - em representação da Direcção Geral de Viação - acção declarativa condenatória emergente de contrato individual de trabalho e de impugnação de despedimento, com processo comum e forma ordináriapedindo que se declarasse que ele e o Réu tinham estado vinculados por contrato individual de trabalho subordinado, sem prazo, a que o R. pôs termo através de um despedimento ilegal, e que se condenasse o R. (1) no pagamento das remunerações que tinha deixado de auferir desde a data do despedimento até à efectiva execução da sentença e respectivos juros legais, (2) no pagamento dos subsídios de Natal e de férias e em indemnização por ter sido impedido de as gozar, acrescida dos correspondentes juros legais, (3) no pagamento da quantia de 9.677$00 e respectivos juros legais, respeitante a parte da retribuição do mês de Novembro de 1994 e (4) à sua reintegração sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade ou, em caso de impossibilidade, em indemnização correspondente.
Para tanto, e no essencial, alegou que :
- Em 6/9/94 celebrou com a Direcção Geral de Viação um contrato denominado de “Contrato de Avença” e que ao abrigo deste esteve ao serviço da referida entidade, na sua qualidade de jurista em consultadoria, sob cuja autoridade, direcção e fiscalização formulou pareceres e preparou decisões nos processos de contra ordenação por infracções ao direito estradal.
- O Autor exerceu essa actividade, desde o seu início, nas instalações da referida Direcção Geral e com os instrumentos que esta lhe fornecia, onde ia todos os dias e onde permanecia por períodos que, as mais das vezes, excediam o período normal de trabalho, reportando e prestando contas aos seus superiores hierárquicos.
- Por esse trabalho era remunerado apenas doze meses em cada ano, sem que lhe fosse concedido o direito de gozar qualquer período de férias.
- Sendo obrigado a tributação em sede de IVA e à retenção do IRS.
- Tal contrato configura-se como um contrato de trabalho subordinado, sem termo, uma vez que “não participou na execução de qualquer serviço público, nem se associou à realização de qualquer fim de imediata utilidade pública ou à obrigação de uma ou mais prestações de um ou vários interesses, necessidades ou atribuições daquela Direcção Geral “.
- Nem sequer esteve subordinado ao regime legal da função pública.
- Pelo que não se lhe podia pôr termo pela forma usada pelo R.
- Esta cessação traduz-se num despedimento ilícito, pois que nem sequer foi precedida de processo disciplinar.
Instruída a causa foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de 3.850.001$00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento, julgando-a, no mais, improcedente.

Desta decisão apelaram, para o Tribunal da Relação de Lisboa, Autor e Réu, este subordinadamente.
O Tribunal da Relação - pelo douto Acórdão de fls. 614 a 632 - decidiu que “através do contrato que vinculou o Autor ao R. se constituiu uma relação jurídica administrativa, pelo que são os Tribunais Administrativos, e não os Tribunais de Trabalho, os competentes para conhecer dos litígios dela emergentes.”
E, porque assim, foi acordado “julgar o Tribunal de Trabalho de Lisboa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção ...” e, em consequência, absolver o R. da instância.
É desta decisão que a Ilustre Magistrada do Ministério Público junto daquele Tribunal - ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 107.º do CPC - interpõe o presente recurso, onde se formularam as seguintes conclusões :
1. Por decisão constante do douto Acórdão dos autos foi o Tribunal de Trabalho julgado incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção.
2. . Tal competência seria antes de atribuir aos Tribunais Administrativos pelas razões aí constantes.
3. Como fundamento, "inter alia", desta decisão foi referido que (passamos a transcrever):
- " a actividade laborativa do A. não "visa a" a satisfação de interesses privados" e que este,
- não interveio "na celebração do contrato em situação de igualdade com o Estado que se apresentou revestido da sua normal autoridade", tendo ainda o A.,
- participado "de um contrato que extravasa a esfera do direito privado, pelo que,
- o conhecimento das questões emergentes dessa relação se acham subtraídas ao foro comum de competência genérica ou especializada".
4. Entende o M.º P.º. que o foro comum, "in casu", o de competência genérica (Tribunais Cíveis), não pode ver destarte afastada a sua competência nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 1.154 do C.P.C. e 46°. e 55°. da Lei 38/87 de 23/12 (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais aqui aplicável).
5. E isto porque :
a) O R Estado impugnou e apelou pugnando pela qualificação do contrato "sub judice" como de prestação de serviços, dado que,
b) O A. é advogado inscrito na respectiva Ordem (AI. p. da Especificação).
c) Os contratos celebrados com Advogados se presumem desta natureza (Ac. RS.T.J. de 8/3/91 supra identificado).
d) E não são contratos administrativos conforme decidiu o Ac. ReI. de Évora de 18.4.89 também atrás identificado, nem no nosso entender estabelecem relações jurídicas administrativas.
e) Estivesse no exercício do seu "jus imperii", pelo que as partes se encontraram ao contratarem em situação de igualdade, sendo certo também que,
f) A actividade do A. seria a exercer com carácter transitório e precário (nem poderia ser entendido de outro modo face ao Ac. do Tribunal Constitucional n.º 368/00 de 20/11/00).
g) Em situações como esta já o S.TA. (Ac. de 21.6.87 acima identificado), decidiu estar-se perante um contrato civil de prestação de serviços, não se qualificando pois a actividade do A. como "Iaborativa", contrariamente ao que vem afirmado no douto Acórdão recorrido.
h) Acresce que estes contratos de prestação de serviços (avença) são comuns entre os advogados (art.°. 17°. no. 3 do D.L. 41/84 de 3/2) e que a avença constitui um ajuste prévio de honorários e não uma verdadeira retribuição salarial (cfr. Ac. ReI. Lisboa de 9/12/92 acima identificado).
6. Decidindo como decidiu com a fundamentação atrás transcrita violou este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa os arts. 1.152 do C.C. e 46°. e 55°. da Lei 38/87 de 23/12.
Contra alegando o Autor formulou as seguintes conclusões :
1) Nos presentes autos, e para o que concerne ao contrato individual e subordinado de trabalho, celebrado entre Autor e Réu, assim qualificado pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, apenas ficou provado que no quadro da Direcção-Geral de Viação, o Autor actuou como jurista, e não como advogado.
2) Ao partir da premissa - não dada como provada nos autos - de que ali o Autor actuou como advogado, o Ministério Público, nas suas Alegações em sede de Recurso para o Tribunal de Conflitos, aqui e ora sob resposta, chega à incorrecta conclusão de que o contrato entre as partes pleiteantes, é de prestação de serviços, tendo, por isso, de ser dirimido pela Relação de Lisboa.
3) O Autor sempre pugnou em todas as suas peças processuais nos presentes autos, pela existência neles de um contrato individual e subordinado de trabalho, sem termo, razão esta assim - de par com a da Sentença de primeira instância - por que pleita pela competência em razão da matéria, da Colenda Relação de Lisboa;
4) De outra sorte, conforme recente Jurisprudência do Magnífico Supremo Tribunal de Justiça, a competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida. Se o autor invoca e prova - como sucedeu nos presentes autos - factos que configuram um típico contrato de trabalho e não qualquer outro, é ao tribunal do trabalho que compete decidir a questão, por deter competência especial nessa matéria, nos termos do art.° 64°, al. b), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais;
5) No Despacho saneador foi decidida a competência do Tribunal em razão da matéria.
6) Essa parte do Despacho, como nenhuma outra do mesmo, não foi objecto de recurso para a Relação de Lisboa, pelo que esta não pode, em virtude da formação de caso julgado, e por extemporaneidade, apreciar oficiosamente essa questão;
7) Ademais, nos termos do art. 510°, n° 3, do C.P.C., o Despacho Saneador transitado em julgado, constitui caso julgado formal quanto às questões que apreciou;
8) E o art.° 102°, n° 2, do mesmo C. P. C., determina que a eventual violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais, só pode ser oficiosamente conhecida até ser proferido o Despacho Saneador;
9) Razões todas estas que prefiguram o pedido de anulação, que se fez em devida sede, do Acórdão da Relação de Lisboa, por ter conhecido de questões de que não podia conhecer, tendo assim condenado ultra perita e mesmo extra palita, ao ter-se julgado incompetente em razão da matéria para dirimir o presente litígio;
10) Em consonância, requer-se este Venerando Tribunal de Conflitos, tal como em devida sede se requereu ao Magnífico Supremo Tribunal de Justiça, decida procedentes as nulidades invocadas, nos termos do art.° 668°/1, alíneas d) e e), do C.P.C., com a consequência de ordenar à Relação de Lisboa esta conheça in totto o objecto do recurso que para a mesma foi interposto, e sem necessidade de averiguar o conteúdo das nulidades supra, tudo conforme permitido pelo art.º 85°, n° 2, do Código de Processo do Trabalho;
11) Logo aquando da entrada em vigor da Lei n° 82/77, de 6/12, - então Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ) -, os Tribunais do Trabalho foram integrados na ordem judiciária, e decorrentemente da CRP de 1976 e da emergência do então novo Direito do Trabalho em detrimento do Direito Corporativo, pelo que não faz sentido que qualquer processo como o presente, seja decidido pela jurisdição administrativa;
12) Nos termos da mais avalizada doutrina, o art.° 64°, alínea b), da Lei n° 38/87, de 23/12, LOTJ aplicável ao presente processo, prevê, sem se importar de saber qual a fonte de regulamentação das relações jurídicas subjacentes a contratos individuais de trabalho, a competência dos Tribunais do Trabalho para a apreciação destes, atribuindo a tais relações o seu significado mais lato;
13) (Em apoio ainda das posições expendidas, é de levar em conta, mutatis mutandi, pacífica doutrina, embora relativa o art.º 20°, do C.P.T, cuja epígrafe são as questões prejudiciais, e que manda aplicar o art. 97° do C.P.C., à excepção excludente do âmbito do primeiro, das questões sobre o estado das pessoas em que a sentença a proferir seja constitutiva, como aquelas que sancionem um despedimento de um empregado, como sucede nos presentes autos, não sendo assim a estes sequer aplicável aquele primeiro normativo legal);
14) O art.º 19°, da Lei n° 38/87, de 23/12, aplicável ao presente litígio, estatuí que nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente - como o é no presente caso o foro laboral - para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei;
15) E quanto ao presente processo não cuida de encontrar-se lei que tal preveja especialmente, nem mesmo os art.°s 9°/1, e 51/1/g), ambos do E.T.A.F., o mesmo sucedendo relativamente ao art.° 178°/1, e n.° 2, al. h), do C.P.A.;
16) Face à fundamentação e à causa de pedir do Autor, não resulta que este tenha celebrado com o Réu um contrato de prestação de serviços sujeito a uma relação jurídica de direito administrativo, nem resulta que o contrato de trabalho objecto do presente processo tenha de ser legalmente apreciado pela jurisdição administrativa;
17) O próprio art.° 4°, n° 1, al. 1), do C.P.A., exclui o presente pleito da jurisdição administrativa;
18) O AutorlRecorrente nunca afirmou nos presentes autos ter instruído - e muito menos em sentido técnico-jurídico - autos de contra-ordenação estradal na DGV; nem que tivesse formado a convicção ou tivesse requerido que, respectivamente, iria ou quereria integrar-se nos serviços da função pública, não se tendo, por outro lado, afectado a fins de interesse público na actividade que prestou ao Réu;
19) O Decreto-Lei n° 41/84, de 23/2, não abrangido pelo Acórdão n° 368/12000, de 30/11, do Tribunal Constitucional, prevê a organização de quadros de tipo privativo e a criação de carreiras e categorias de pessoal não previstas nos quadros da função pública. Carreira, categoria e reintegração que à luz do mesmo diploma legal, o AutorlRecorrente requereu no seu pedido e reiterou em Resposta à Contestação do Réu;
20) Ao contrato que faz documento 1 junto à P.I., celebrado entre Autor e Réu, não esteve por imposição deste último subjacente um acordo de vontades;
21) Actualmente a prerrogativa de autoridade da administração pública cujus imperium, não é característica ou requisito para a qualificação de um contrato, como de administrativo;
22) E a 4.ª Secção da Relação de Lisboa - a mesma que se julgou incompetente em razão da matéria para julgar a presente acção -, julgou-se competente quanto à mesma matéria para julgar, em data posterior à da Parecística e da Jurisprudência que invoca no seu Acórdão em tempo impetrado, um processo idêntico nos seus fundamentos ao presente, e que veio em subida posterior ao STJ, a ser decidido por esta Altíssima Instância como lhe estando subjacente um contrato de trabalho subordinado, tendo-se este STJ, paralelamente, considerado competente em razão da matéria para o decidir.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal de Conflitos emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal de 1.ª instância julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. e o R. (mais concretamente a DGV) celebraram, em 6/9/94, o acordo escrito constante de fls. 58, epigrafado de "Contrato de Avença" (AI. a) da Esp.);
2. A execução do serviço do A. realizou-se nas instalações da Delegação Distrital de Viação de Lisboa, sita na Rua Câmara Pestana, n.º 43 e, a partir de Agosto de 1996, na Rua Domingos Monteiro, n.º 7 (AI. b) da Esp.);
3. Nos locais mencionados em 2, o A. elaborava propostas de decisão nos autos de contra-ordenação resultantes de infracções ao Código da Estrada e seus Regulamentos (AI. c) da Esp.);
4. Para o efeito, o A. utilizava um sistema informático denominado "SIGA", o qual foi implementado pela empresa "B...", sistema de processamento de contra ordenações que era constituído por "modelos de proposta de decisão" pré-elaborados (22 modelos) (AI. d) da Esp.);
5. O A. recebeu da "B..." formação específica para o efeito referido na alínea anterior (AI. e) da Esp.);
6. Nos locais referidos em 2, encontrava-se um ordenador com a respectiva impressora que fora atribuído ao A. e a outros colegas deste (AI. f) da Esp.);
7. O A. relatava à DGV quais os processos que diariamente tratava e instruía e quais os que diariamente teria em atraso, o que nunca lhe sucedeu (AI. g) da Esp.);
8. O A. comparecia diariamente nas instalações supra referidas no horário de funcionamento administrativo da DGV, de 2.ª a 6.ª feira, entre as 8 e as 20 H., estando isento de horário fixo, mas ali permanecendo o período decorrente do número de processos que diariamente lhe eram atribuídos (AI. h) da Esp.);
9. Durante o tempo em que se manteve a relação entre ambos, o A. não gozou férias nem recebeu subsídio de férias e de Natal (aI. i) da Esp.);
10. O R. pagou ao autor, a partir de Nov./94, 123.333$00 líquidos mensais que passaram a 200.000$00 em Dez./94 até 17/9/1995, a 204.000$00 até Janeiro de 1997 e a 194.000$00 a partir de Fev./97, valores sempre mensais e líquidos, 12 meses por ano, passando o A. "recibos verdes" (aI. j) da Esp.);
11. O R. não inscreveu o A. em qualquer sistema de Segurança Social (AI. k) da Esp.);
12. No dia 18/11/1997, uma funcionária administrativa da DGV abordou o A. quando este se encontrava no n.º 7 da Rua ... e exibiu-lhe o documento de cuja cópia consta de fls. 311, documento aquele assinado pelo Director Geral de Viação, ... (AI. 1) da Esp.);
13. Por volta do dia 24/11/97 em diante, DGV veio a celebrar acordos com outros juristas para o desempenho por estes do que era realizado pelo autor e seus colegas (colegas a quem sucedera o mesmo que ao autor) - AI. m) da Esp.);
14. O R., através da Presidência do Conselho de Ministros, fez publicar na Imprensa o "comunicado" cuja cópia consta de fls. 310 (AI. n) da Esp.);
15. A colaboração do A. com a DGV iniciara-se em 2/11194 (AI. o) da Esp.);
16. O A. que é licenciado em Direito, encontrava-se inscrito como advogado na respectiva Ordem desde 15/11/95 (AI. p) da Esp.);
17. O conteúdo das cláusulas do acordo mencionado em A não resultou, por imposição do R., de negociação entre A. e R. (quesito 1°);
18. O A. prestava à DGV, diariamente, contas sobre o trabalho efectuado (quesito 2°);
19. O A. não tinha autonomia técnico-jurídica, nem poder discricionário, não podendo interpretar as normas legais aplicáveis e aplicar a medida da sanção que considerasse mais adequada (quesito 3°);
20. O A. elaborava as propostas de decisão mediante orientações, instruções e ordens precisas do R., dadas pelos respectivos responsáveis hierárquicos (quesito 4.°);
21. As instruções precisavam até qual a paginação, estilo e forma de preparação dos ofícios e das notificações a proferir pela DGV (quesito 5°);
22. O A. foi convocado para estar presente em reuniões com superiores hierárquicos que lhe dirigiam ordens, directivas e instruções quanto ao modo e à forma de desempenho das suas funções (quesito 6°);
23. A fiscalização a que o A. estava sujeito era efectuada, designadamente, pelos juristas coordenadores e pelos delegados distritais, a quem o A. obedecia (quesito 7°);
24. O A. não gozou férias, porque o R. não o permitiu (quesito 8°);
25. O A. ficou sem tempo disponível para desempenhar qualquer outra actividade, tendo até abandonado a sua então paralela e anterior profissão de artesão urbano (quesito 9°);
26. O A. confiou e pretendeu fazer a sua carreira jurídica prestando essencialmente o seu labor à DGV com estabilidade e permanência, deixando para períodos residuais a advocacia (quesito 11°);
27. O A. tem a seu cargo a mãe e uma irmã (quesito 12°);
28. A cessação da relação estabelecida entre o A. e o R., na sequência do aludido em M, e a situação subsequente a tal cessação acarretaram ao A. angústia, dor e afectação da auto-estima (quesito 13°);
DE DIREITO
1. A questão que se nos apresenta para decidir consiste em saber a quem cabe a competência para conhecer da presente acção; se aos Tribunais Administrativos como se defende no douto Acórdão recorrido, se aos Tribunais de Trabalho como sustenta o Ilustre Magistrado do Ministério Público neste recurso.

A jurisdição dos Tribunais Administrativos vem definida no art. 3.º do ETAF, aí se estatuindo que “incumbe aos Tribunais e Fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
Por outro lado, a CRP estabelece que os “tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – vd. seu art.º 211°, n° 1 – o que tem levado a doutrina e a jurisprudência a entender que a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão e que, por isso, lhes cabe julgar todas as acções que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais.

A determinação do Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor afere-se em função dos termos em que a mesma vem proposta e dos fundamentos em que ela se estriba, “sendo, para esse efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente á viabilidade da mesma (por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão), mas sendo igualmente certo que o Tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo Requerente ou Autor” . É o que tradicionalmente se costuma exprimir com a fórmula «a competência determina-se pelo pedido formulado pelo Autor». Acórdão do Tribunal de Conflitos de 11/7/00, Conflito n.º 318 (AD 468/1.630). No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, vd. Acórdãos desse mesmo Tribunal de 3/10/00, (Conflito n.º 356), de 3/10/00 (Conflito n.º 356), de 6/11/01, (Conflito n.º 373) e de 5/2/03, (Conflito n.º 6/02), do Pleno do STA de 9/12/98, rec. n.º 44.281 (BMJ 482/93) e do STJ de 21/4/99, rec. n.º 373/98 e Prof. Manuel de Andrade”, Noções Elementares de Processo Civil” pg. 88 e seg.s
“A competência do Tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os seus fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” – M. Andrade, Obra citada a fls. 91.
E, porque assim, a determinação da competência material de um Tribunal depende dos termos em que o Autor formulou a sua pretensão e dos fundamentos em que a sustentou.
2. O conflito que se nos apresenta é um conflito de jurisdição, uma vez que se trata de determinar qual de dois Tribunais de espécies diferentes - num caso os Tribunais de Trabalho noutro os Tribunais Administrativos – é o competente para julgar os termos desta acção.
A questão da determinação do Tribunal materialmente competente para conhecer dos pedidos que se fundamentam na celebração de um contrato entre um particular e sectores da Administração Pública, destinado à prestação de trabalho (nas suas diferentes modalidades), e na alegada ilegalidade da sua rotura tem sido tratada em múltiplos Arestos deste Tribunal de Conflitos, sem que até hoje tenha sido possível estabelecer-se uma matriz firme na abordagem dessa questão, o que tem tido como consequência que casos iguais tenham sido julgados de modo divergente.

Assim, e enquanto certos Arestos centram a abordagem dessa questão nos termos em que a acção vem proposta, mormente no pedido que é formulado, e, por via disso, consideram competentes os Tribunais de Trabalho sempre que a relação contratual estabelecida venha desenhada como um contrato de trabalho e sempre que os pedidos formulados – de reintegração, de pagamentos de prestações em dívida, de indemnização, etc. – sejam típicos de uma acção emergente de um contrato individual de trabalho Vd., entre outros, Acórdãos de 27/2/02, Conflito n.º 371/02 e de 5/2/03, Conflito n.º 6/02., outros consideram que, muito embora a forma como vem proposta a acção seja importante, certo é que o que é decisivo para a resolução daquele conflito é apurar a natureza do contrato tal como ele nos é apresentado, pois que será ele a pedra de toque na resolução desta questão. Nesta visão o que importará “é saber se o contrato celebrado deve, ou não, ser qualificado como administrativo, que o mesmo é dizer que do que se trata é de saber se com a celebração desse contrato se constitui uma relação de direito administrativo” Acórdão de 11/7/00, Conflito n.º 318, acima citado. No mesmo sentido vd. Acórdãos de 7/5/91, Conflito n.º 212 e de 3/10/00, Conflito 356., pois que se se concluir que a relação estabelecida foi jurídico administrativa então competentes serão os Tribunais Administrativos, mesmo que o pedidos formulados pudessem ter melhor cabimento numa acção emergente de um contrato individual de trabalho.

Ora, salvo o merecido respeito, parece-nos que a melhor abordagem desta questão é a que considera que o que releva neste ponto é a forma como vêm formulados o pedido e o modo como os mesmos vêm fundamentados.

E, nesta conformidade, se o Autor caracterizar o contrato celebrado com a Ré como um contrato de trabalho regulado pela legislação laboral e se nela sustentar os direito reclamado deverão considerar-se competentes os Tribunais de Trabalho.

“Assim, a defesa dos recorridos, no sentido de que cabia ao foro administrativo a apreciação da legalidade da decisão impugnada por se estar perante um contrato de provimento, não tinha a virtualidade de alterar a competência do Tribunal fixada tendo em conta os termos da petição inicial que apontavam para um contrato de trabalho a que havia sido posto termo sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar.
Outra coisa é saber se a situação descrita naquele articulado está ou não sujeita ao regime invocado pelo Autor, a qual se prende com o mérito da acção e que terá de ser apreciada face à matéria de facto apurada.
Se tal regime não for aplicável mas sim, porventura, o alegado pelos recorridos, o que acontecerá é a acção improceder, suportando o Autor as consequências de não ter impugnado a decisão que pôs termo ao contrato pelo meio adequado.
De outro modo, estar-se-ia a impedir que se fizesse valer o direito que o Autor se arroga e que o Tribunal a que se dirigiu podia conhecer, apenas porque o Réu entendeu que possuía esse direito mas um outro.” – Acórdão do Tribunal de Conflitos de 7/5/91, Conflito n.º 231, Ap. DR de 30/10/93, pg. 24, com sublinhados nossos.
3. No caso sub judicio a pretensão do Autor é a de que o Tribunal declare que ele e Réu celebraram um contrato individual de trabalho, a que este pôs termo através de um despedimento ilegal, e que, por via disso, se constituiu o direito à condenação do Réu no pagamento de determinadas retribuições - e respectivos juros legais – no pagamento dos subsídios de férias e de Natal e de uma quantia que se encontra em falta relativa ao mês de Novembro de 1994, no pagamento de uma indemnização por ter sido impedido de gozar férias e na sua reintegração ou, se tal for impossível, na indemnização prevista no n.º 3 do art.º 13.º da LCCT.
E, para fundamentar tais pedidos, alegou ter celebrado com o Réu um contrato individual de trabalho e que ao abrigo deste lhe prestou, na sua qualidade de jurista, nas instalações e com os meios e instrumentos da entidade empregadora, os trabalhos que lhe foram ordenados - designadamente a elaboração de pareceres e de propostas de decisão nos autos de contra ordenação resultantes de infracções ao direito estradal - sob a direcção, fiscalização e autoridade desta e, além disso, que foi ilegalmente despedido, pois que esse despedimento não foi precedido de processo disciplinar.

O que significa que o Autor configurou o contrato celebrado com o R. como um típico contrato de trabalho sujeito à legislação laboral, que a causa de pedir invocada se fundou na violação deste e que o pedido de condenação aqui formulado é típico de uma acção emergente de um contrato daquela natureza.
Assim, não sendo invocado como fundamento da acção o estabelecimento de qualquer contrato de natureza administrativa – o Autor repudia neste recurso que alguma vez tenha admitido que o seu contrato pudesse qualificar-se de outra forma que não a de contrato de trabalho - e sendo que os direitos que ele reclama são os emergentes de um típico contrato de trabalho e incumbindo aos Tribunais de Trabalho o conhecimento de acções com esses fundamentos e com esse pedido será a eles que caberá julgar se o Autor tem os direitos de que aqui se arroga (vd. arts. 18.º e 85.º da LOFTJ).
Em face do exposto acordam os Juizes deste Tribunal de Conflitos em dar provimento ao recurso e, em consequência, revogando o Acórdão recorrido, declarar os Tribunais de Trabalho competentes para conhecer desta acção determinando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer do recurso que para ele foi interposto.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Julho de 2003.
Costa Reis – Relator – Ferreira Girão – Victor Mesquita – Madeira dos Santos – João Caldeira – Edmundo Moscoso.