Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:014/13
Data do Acordão:01/21/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO PARA O TRIBUNAL DE CONFLITOS
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Sumário:Para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do INEM - INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA, I.P. é competente a jurisdição administrativa e fiscal, por força do disposto nos artigos 213º, 3 da CRP e 4º, 1, al. g) do ETAF.
Nº Convencional:JSTA00068544
Nº do Documento:SAC20140121014
Data de Entrada:01/23/2013
Recorrente:ASSEMBLEIA DE COMPARTES DOS BALDIOS DA FREGUESIA DE ANSIÃES, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE AMARANTE E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO
Objecto:TR PORTO DE 2012/02/07
Decisão:JULGA COMPETENTE A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:CPC ART107 N2
Jurisprudência Nacional:AC TCONFLITOS 2/12 DE 2012/09/20; AC TCONFLITOS 6/07 DE 2007/11/28; AC TCONFLITOS 1/04 DE 2004/06/29; AC TCONFLITOS 17/07 DE 2008/01/23; AC TCONFLITOS 18/06 DE 2006/10/26; AC TCONFLITOS 13/07 DE 2007/09/26
Referência a Doutrina:MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI 2004 PAG59
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
1. Relatório

1.1. O CONSELHO DIRECTIVO DOS TERRENOS BALDIOS DA FREGUESIA DE ANSIÃES - em representação da Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de Ansiães - intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, a ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, COM PROCESSO ORDINÁRIO, contra os réus, A…….., B………, GRUPO C……… e HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE D………, pedindo a condenação dos réus a pagarem, solidariamente, ao Autor, uma indemnização a título de danos patrimoniais e morais no total de Euros 593.249, 53, assim peticionados:

"(…) IIIº Todos os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor a quantia € 493 249, 53 Euros, representativa dos danos patrimoniais sofridos e resultantes do acidente e a quantia de € 100.000,00 a título de danos morais no total de € 593.249,53. IVº acrescido dos juros vencidos a contar da data da citação e que se venham a vencer à taxa legal até integral pagamento da quantia que venha a ser fixada." (…)”

1.2. Os réus contestaram.

1.3. Foi requerida a intervenção principal provocada do INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica, o qual foi admitido. O INEM foi citado e contestou, invocando, além do mais, a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial de Amarante por entender que a competência cabia aos tribunais administrativos.

1.4. O Tribunal Judicial de Amarante, no despacho saneador, julgou o Tribunal materialmente incompetente relativamente à pretensão dirigida contra o INEM, prosseguindo o processo contra os demais réus.

1.5. A autora recorreu de tal decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

1.6. Por acórdão 02 de Julho de 2012, aquele Tribunal julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Amarante.

1.7. Inconformada com esse acórdão, a Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I° "Prosseguindo a acção contra os demais Réus no Tribunal Judicial de Amarante e cabendo ao Tribunal administrativo apreciar unicamente o pedido formulado contra o INEM, irá resultar que em razão da qualidade dos sujeitos processuais correrão paralelamente duas acções, uma perante o Tribunal Administrativo e outra perante o Tribunal Judicial,

II° E em ambas as acções o tribunal vai averiguar se o incêndio e prejuízos causados à Autora, resultaram do impacto da aeronave com o solo, que provocou a ruptura dos tanques e com a temperatura elevada que se fazia sentir nesse dia, verificou-se uma pequena explosão e deflagrou um incêndio sem controlo ou se o incêndio e prejuízos causados à Autora, resultou da acção do INEM, que durante as operações de salvamento, deu origem a uma explosão, que fez deflagrar um incêndio sem controlo.

III° Do que vai resultar que a mesma matéria vai ser decidida por tribunais diferentes, sendo inegável a existência objectiva de identidade do pedido e da causa de pedir em ambas as acções o que possibilita que duas decisões judiciais se possam contradizer na prática.

IVº "As acções considerar-se-ão idênticas, se, a decisão da segunda fizer correr ao Tribunal o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira, por forma, a que não possam executar-se ambas, sem detrimento de alguma delas".

Vº O que violaria o artigo 497° do CPC bem o principio da economia processual.

1.8. No Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Conselheiro Relator proferiu o seguinte despacho: "O recurso foi admitido na Relação como revista e ordenada a subida a este STJ. Todavia, tal decisão não vincula o tribunal ad quem. (art. 685-C nº 5 CPC). É que - prevê o nº2 do art. 107º CPC - se a relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal de Conflitos. Não para o STJ, como sucedeu no caso em apreço. Consequentemente, remetam-se os autos ao Tribunal de Conflitos.".

1.9. No Tribunal de Conflitos, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer deste teor: " Em nosso parecer, pelos fundamentos constantes do douto acórdão recorrido, o recurso não merecerá provimento, pelo que deverá confirmar-se a pronúncia de competência, em razão da matéria, dos tribunais administrativos para conhecer do pedido de indemnização emergente de responsabilidade civil extracontratual formulado contra o INEM, de acordo com o disposto no artº 213º, nº 3 da CRP e nos artºs 1º, nº 1 e 4º, nº 1, g). ambos do ETAF, designadamente. Conforme este Tribunal dos Conflitos vem entendendo, não afasta a competência dos tribunais administrativos e fiscais a eventualidade de o A. pedir, na ação, a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente o "tribunal comum" - Neste sentido, os doutos acórdãos, de 20/09/2012, Conflito nº 02/12; de 28/11/2007, Conflito nº 06/07 e de 29/06/2004, Conflito nº 01/04.".

1.10. Sem vistos, mas com prévia entrega do projecto de acórdão aos Ex. mos Juízes Conselheiros Adjuntos, o processo é submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento do recurso.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais relevantes para julgamento do presente recurso são os seguintes:

a) A autora pediu o ressarcimento de danos decorrentes de um acidente decorrido no decurso de um RAID aéreo, na sequência do qual ocorre um incêndio num seu prédio;

b) A ré A....... invocou que o incêndio ocorrido e que terá provocado, pelo menos, parte dos danos invocados, teve como causa as operações de salvamento levadas a cabo pelo INEM.

c) Foi requerido e admitido nos autos a intervenção principal do INEM.

d) O INEM contestou a acção invocando a excepção da incompetência dos Tribunais Judiciais para apreciar o pedido de condenação com fundamento na responsabilidade civil que lhe era imputada.

2.2. Matéria de direito

2.2.1. No presente caso o Tribunal de Conflitos intervêm antes de haver uma situação de conflito (duas decisões transitadas em julgado negando ou acolhendo simultaneamente a sua competência) ao abrigo do disposto no art. 107º, 2 do CPC (pré-conflito).

2.2.2. A questão a decidir é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar um pedido de condenação do INEM pela prática de um facto ilícito e culposo causador de danos (responsabilidade civil extracontratual).

Vejamos então.

2.2.2. Segundo jurisprudência pacífica, a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta - "concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos, sendo que em sede da indagação a proceder em termos de se determinar a competência material do tribunal é irrelevante (e descabido) o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente à viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão, temos, assim, que a competência se afere pelo quid decidendum. - cfr., entre muitos outros, os Acs. do Tribunal de Conflitos, de 31-01-91, AD 361, de 06-07-93 (Conflito n° 253), do STJ, de 12-10-82 – BMJ 320, a págs. 389 e sgts., do STA, de 9-03-89 – Rec. 25.084, de 13-05-93 – Rec. 31.478, de 27-01-94 – Rec. 32.278, de 28-05-96 – Rec. 39.911, de 26-09-96 – Rec. 267, de 27-11-96 – Rec. 39.544, de 19-02-97 – Rec. 41.555, de 24-11-98 – Rec. 43.737, de 23-03-99 – Rec. 43.973, de 26-05-99 – Rec. 40.648, de 30-06-99 – Rec. 40.693, de 06-07-00 – Rec. 46.161, de 11-07-00 – Rec. 318, de 26-09-00 – Rec. 46.024 e de 03-10-00 – Rec. 356; no mesmo sentido, M. Andrade, in “Noções Elementares de Proc. Civil”, a págs. 91.". (Ac. do Tribunal de Conflitos - Rec. n.º 02/12, de 20-09-1012).

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2 estabelece que os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (cfr art. 1° nº 1) e que lhes compete a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (cfr art. 4° nº 1 al g)).

Como explicam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, «Segundo a actual redacção desta alínea g) - posta pela Lei nº 107-D/2003 (de 31.XIl) com o propósito de esclarecer pela positiva as dúvidas que a redacção inicial do preceito suscitava em relação à inclusão no âmbito da jurisdição administrativa das acções de responsabilidade por actos de gestão privada das pessoas colectivas de direito público -, pertencem à jurisdição administrativa, em primeiro lugar, as «questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual" dessas pessoas ( ... ) sempre que essas pessoas devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada." (cfr Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotados, reimpressão da edição de Novembro/2004, pág. 59).

Como se conclui no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 23-1-2008, proferido no processo 017/07: “ (…) A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. (…)”. Esta interpretação foi igualmente perfilhada por este Tribunal dos Conflitos nos acórdãos de 2006.10.26 – conflito 18/06 e de 2007.09.26 – conflito nº 13/07.

O INEM é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património autónomo (art. 1° nº 1 do DL 220/2007 de 29/5) pelo que é uma pessoa colectiva de direito público. São de classificar como actos de gestão pública os actos materiais do INEM de prestação de socorro a vítimas de acidente. Na presente acção pretende o apelante efectivar a eventual responsabilidade do INEM pelos danos que este possa ter causado no exercício da sua actividade de socorro a vítimas do acidente invocado na petição inicial.

Deste modo é indubitável que a competência para apreciar a responsabilidade civil extracontratual do INEM cabe à jurisdição administrativa como decidiu o Tribunal da Relação do Porto, dado que estamos perante uma acção que visa efectivar a responsabilidade civil extracontratual intentada contra uma pessoa colectiva de direito público.

Sustenta, todavia, o recorrente que, nesse caso, pede a condenação solidária dos réus pelo pagamento de indemnização e que, na eventualidade de uma co-responsabilidade da Ré Seguradora e do INEM, o tribunal administrativo também se julgaria incompetente para o julgamento da acção.

Mas – como também decidiu o acórdão recorrido - sem qualquer razão, pois nada obsta a que a acção corra nos tribunais judiciais contra os demais réus, correndo apenas na jurisdição administrativa contra o INEM. Na verdade a efectivação da responsabilidade solidária permite, mas não impõe, que a acção seja intentada contra todos os responsáveis solidários (cfr. art.s 27º e 28º do CPC). Tanto é assim, de resto, que a presente acção prosseguiu contra os demais réus no Tribunal Judicial de Amarante (tendo sido elaborado a base instrutória a fls. 404 e seguintes) relativamente aos réus cujo pedido cabia na competência desse Tribunal.

Também não é afastada a competência dos Tribunais Administrativos a eventualidade do autor intentar uma acção de responsabilidade civil contra uma pessoa colectiva de direito público e a seguradora para quem esta tenha transferido essa responsabilidade civil – cfr. art. 10º, n.º 7 do ETAF e os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 20-9-2012, conflito 02/12; de 28-11-2007, conflito 06/07 e de 29-6-2004, conflito 01/04.

Impõe-se, deste modo, negar provimento ao recurso.

3. Decisão

Face ao exposto, os Juízes do Tribunal de Conflitos acordam em negar provimento ao recurso.

Sem custas.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2014. – António Bento São Pedro (relator) – Hélder João Martins Nogueira Roque – António Políbio Ferreira Henriques – Gregório Eduardo Simões da Silva Jesus – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Gabriel Martim dos Anjos Catarino.