Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:025/17
Data do Acordão:10/25/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:RAUL BORGES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO.
CONTRAORDENAÇÃO.
URBANISMO
Sumário:Cabe aos tribunais administrativos conhecer da impugnação de decisão administrativa sancionadora com aplicação de uma coima que pune infração relativa à violação de normas em matéria urbanística, após 01/09/2016, por força do DL 214-G/2015.(*)
Nº Convencional:JSTA000P23790
Nº do Documento:SAC20181025025
Data de Entrada:05/10/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO DE PEQUENA CRIMINALIDADE - JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3.
RECORRENTE: A…………
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: 26

Por despacho do Presidente da Câmara de Sintra, datado de 17 de Julho de 2016, foi o cidadão A………… condenado na coima única de 750,00 €, acrescida de custas no montante de 102,00 €.
Em 17 de Agosto de 2016, o acoimado impugnou para o Juiz da Comarca de Sintra, nos termos do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, a decisão administrativa que lhe aplicou a coima.
Enviado o processo aos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra, onde deu entrada em 26-08-2016, foi o mesmo distribuído em 15-09-2016, seguindo-se despacho datado de 16-09-2016, ut fls. 65/6, em que o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição à Instância Criminal Local - Pequena Criminalidade, "a fim de tramitarem como autos de recurso de impugnação judicial de contra - ordenação e serem presentes ao (à) Mm.º (a) Juiz", dando por integralmente reproduzida a decisão administrativa constante dos autos, a qual vale como acusação.
Distribuído o processo em 21-09-2016, conforme fls. 67, por despacho de 28-10-2016, a fls. 69/70, depositado em 31-10-2016, conforme declaração de depósito de fls. 71, a Exma. Juíza da Inst. Local - Sec. Peq. Criminalidade - J2, Sintra, Comarca de Lisboa Oeste, invocando o artigo 130.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 63/2013 (terá querido dizer 62/2013), declarou o tribunal incompetente em razão da matéria determinando que após o trânsito fossem os autos remetidos à distribuição na secção da média instância criminal da mesma Comarca.
Os autos foram remetidos à distribuição em 22-11-2016, ut fls. 75.
Por decisão do Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 1, de 23-01-2017, a fls. 77, foi decidido:
"Nos presentes autos, a autoridade administrativa proferiu decisão administrativa, condenando o recorrente em coima pela prática de ilícito de mera ordenação social, resultante de infracção ao Regime Geral das Edificações Urbanas, regulado pelo Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro.
O recorrente veio interpor impugnação judicial da aludida decisão administrativa.
Nos termos do disposto no artigo 4º nº 1 alínea l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de Outubro, compete aos Tribunais de Jurisdição Administrativa e Fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da administração pública, que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Assim, face a tal normativo o Tribunal competente para julgar a presente impugnação judicial de decisão administrativa é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sendo este Juízo Local Criminal de Sintra incompetente materialmente para o efeito, o que se declara, nos termos do disposto no artigo 32° nº 1 do Código de Processo Penal.
Sem custas.
Notifique e comunique.
Após trânsito, remete ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, dando baixa dos autos neste Juízo".

Remetido o processo ao TAF de Sintra foi proferida a decisão de fls. 83 a 86 verso, datada de 27-02-2017, que se reproduz na íntegra, incluindo realces, assinalando-se que as referências no último parágrafo, a fls. 86, "à arguida" e "uma coima no montante de € 1500,00 pela prática da contra-ordenação ..." não cabem neste processo, esclarecendo-se que o recorrente não foi apenas condenado por uma contraordenação, mas antes por duas, no montante, cada uma, de 500,00 € e na coima única de 750,00 €, correspondendo a mero lapso de escrita a referência, no final, a 215-G/2014, em vez de 214-G/2015.
É o seguinte o seu teor:
"A…………, m. id. no recurso de impugnação de fls. 50, veio impugnar judicialmente a decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, proferida nos autos de contra-ordenação nº 1-2305-2012, que lhe aplicou uma coima no montante de € 750,00 pela prática da contra-ordenação p.p. no art.º 98°/1/a) e nº 2 do DL n° 555/99 de 16.12 na redacção dada pelo DL nº 26/2010 de 30.03, pela violação do disposto no art.º 4º/2/c) do DL nº 555/99 e da contra-ordenação p.p. no art.º 98º/1/a) e nº 2 do DL nº 555/99 de 16.12 na redacção dada pelo DL nº 26/2010 de 30.03, pela violação do disposto no artº 4°/2/b) do DL nº 555/99.
*
DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Compulsados os autos, verifica-se que o Arguido dirigiu a impugnação judicial, que apresentou junto da autoridade administrativa, a 17.08.2016, ao Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste-Sintra (cfr. fls.50).
Enviados os autos ao Ministério Público junto daquele tribunal a 26.08.2016 (documento junto aos autos), foram estes remetidos à distribuição a 16.09.2016 (cfr. fls. 65-66 dos autos).
Por decisão do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste (fls. 77), foi declarada a incompetência daquele tribunal em razão da matéria e determinada a remessa dos autos a este TAF, com a invocação de que
«... Nos termos do disposto no artigo 40 nº 1 alínea f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da administração pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. (...)».
No caso dos autos, incontroverso que se trata da aplicação de uma coima por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, importa determinar a competência do tribunal em razão da matéria com referência ao âmbito de aplicação temporal da disposição do art.º 4°1/l) do ETAF, na redacção dada pelo DL nº 214-G/2015 de 2.10, fazendo apelo às regras que disciplinam a aplicação no tempo das normas que dispõem sobre a competência dos tribunais.
Vejamos.
Antes de mais, importa referir que nos termos do disposto no artigo 55°/1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e posteriormente alterado pelo DL 356/89 de 17.10, DL n° 244/95 de 14.09, DL n° 323/2001 de 17.12 e Lei n° 109/2001 de 24.12) «as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem», resultando das disposições conjugadas dos artigos 55°/4 e 61°/1 que «é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção».

Nos termos do disposto no art.º 130º/1/d) da Lei nº 62/2013 de 26.08. na redacção da Lei n° 40-A/2016 de 22/12 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) compete aos tribunais judiciais julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contra-ordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada.
Nos termos do disposto no art.º 212°/3 da CRP «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.».
O art.º 1°/1 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) estabelece que os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos no art.º 4°.
O artigo 4° do ETAF enumera algumas questões ou litígios sujeitos ou excluídos do âmbito da jurisdição administrativa.
Pese embora tenha sido eliminada, com a revisão de 2015, da redacção do art.º 1°, a cláusula geral respeitante à natureza dos litígios incluídos no âmbito da jurisdição - os emergentes de relações jurídicas administrativas - passou a estabelecer-se uma cláusula residual, no art.º 4°/1/o), que assegura que os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais que não se encontrem previstos nas alíneas do art.º 4°/1 sejam, como eram, da competência destes tribunais.
Na verdade, o art.º 4°/1 do ETAF contém uma enumeração de litígios cujo conhecimento está submetido à jurisdição, pese embora os litígios aí enumerados nem sempre correspondam à concretização do comando constitucional do art.º 212º/3.
Nesses casos, em que a norma atributiva de competência não respeita a litígio que se enquadre no art. 212° da CRP ou na cláusula residual (ou geral?) da alínea o) do nº 1 do art.º 4º, deve entender-se que a mesma norma contém uma cláusula de exclusão em relação a litígios que nela não estejam contemplados, ainda que respeitantes a matérias idênticas.
É o caso da matéria prevista na alínea l) do n° 1 do art.º 4º, que atribui competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a Impugnações Judiciais de decisões da administração pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. (o sublinhado é nosso).
Como as decisões proferidas em matéria contra-ordenacional não respeitam a relações jurídicas administrativas, pois que embora possa estar em causa a violação de normas de direito administrativo, o quadro legal ao abrigo do qual a decisão vem a ser praticada não é de direito administrativo mas de direito contra-ordenacional, cuja natureza se encontra próxima do direito penal e processual penal, cuja aplicação subsidiária é determinada pelos art.ºs. 32º e 41°/1 do DL nº 433/82, apenas as previstas no art.º 4°/1/l) do ETAF e no art.º 75°A da Lei nº 50/2016 de 29.08, na redacção da Lei nº 114/2015 de 28.08. quando estejam em causa factos que dêem origem a contra-ordenações do ordenamento do território e por violação das disposições do DL nº 555/99 de 16.12 são da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com exclusão das demais matérias respeitantes a contra-ordenações.
Aqui chegados, temos que os tribunais da jurisdição administrativa apenas são competentes para o conhecimento das contra-ordenações enunciadas acima e por via da norma atributiva de competência do art.º 4°/1/l) do ETAF, cuja vigência teve início a 01.09.2016 (cfr. art.º 15°/5 do DL nº 214-G/2015 de 2.10).
Considerando que nos termos do disposto no art.º 5°/1 do ETAF a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente (idêntica norma se extrai do art.º 38° da Lei da Organização do Sistema Judiciário), importa, no que para o caso releva, determinar em que data se considera proposta a presente causa, tendo em consideração o disposto nos art.ºs. 59º e ss. do DL nº 433/82 de 27.10, donde resulta que a decisão administrativa é susceptível de impugnação judicial através de recurso de impugnação interposto pelo arguido e apresentado à Autoridade administrativa no prazo de 20 dias, devendo constar de alegações e conclusões, após o que os autos são enviados ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.
Temos, assim, três momentos autónomos após a prolação da decisão administrativa, sendo que, quanto a nós, apenas o primeiro se reveste de relevância para efeitos de determinação do momento da propositura da acção e consequente fixação da competência do tribunal.
O momento da interposição da causa, no âmbito do recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, não pode ser senão o da apresentação, pelo arguido, do recurso de impugnação nos termos do disposto no artº 59° do RGCO (DL n° 433/82 de 27.10, na redacção actual), com referência ao qual se afere, designadamente a tempestividade da sua apresentação.
A presente questão foi objecto de tratamento detalhado na sentença proferida nos autos que sob o n° 202/17.0BESNT correm termos por este TAF, na qual se referiu, designadamente que:
«(...)
Nestes termos, haverá que concluir que a alteração efetuada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, à redação da alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conferindo competência aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, não se aplica a processos instaurados antes de 1 de setembro de 2016.
A questão de se saber se este tribunal administrativo é o competente para apreciar a presente impugnação judicial depende, pois, de se saber se esta já tinha sido instaurada antes de 1 de setembro de 2016, o que implica saber a que corresponde, num recurso de impugnação judicial de decisão de aplicação de coima, o «momento da propositura da causa» ou o «momento em que a ação se propõe».
Ora, não temos dúvidas de que esse momento é o da interposição do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima. Com efeito, este é o momento em que se apresenta a peça processual que inicia a fase jurisdicional do processo, que traduz a intenção de impugnar a decisão administrativa que aplica a coima, e na qual se descrevem as razões da discordância do arguido em relação à decisão impugnada (artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).
Note-se que, não obstante o recurso seja apresentado à autoridade administrativa este é dirigido ao tribunal competente no momento da sua apresentação, tribunal este a quem cumpre, em exame preliminar do recurso, apreciar, por referência ao momento da sua apresentação, da verificação dos pressupostos formais e processuais do recurso, em especial se este foi «feito fora do prazo» (alínea c) do n.º 1 do artigo 27º-A e artigo 63.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).
Face ao exposto, considerando que, no caso em apreço, a arguida apresentou o recurso de impugnação judicial da decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, que lhe aplicou coima no montante de € 1.600,00, em 9 de agosto de 2016, data em que ainda não se encontrava em vigor a norma que confere competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, este tribunal é materialmente incompetente para dele conhecer.
Cabe referir que é de rejeitar uma interpretação das referidas normas legais, que considere que num recurso de impugnação judicial de decisão de aplicação de coima, o «momento da propositura da causa, determinante para a fixação da competência, é o do envio dos autos pela autoridade administrativa ao Ministério Público ou o da apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público, uma vez que tal interpretação, para além de não decorrer da letra da lei, será inconstitucional, por violação do princípio do juiz natural, por não cumprir a exigência de determinabilidade que constitui «uma dimensão fundamental do princípio do juiz natural» e permitir «a manipulação discricionária das regras (.) de repartição de competência entre tribunais» (Cfr Acórdãos n.º 808/2014 e 41/2016 do Tribunal Constitucional. Sobre o princípio do juiz natural cfr., ainda, o Acórdão n.º 614/2003 daquele tribunal). (...)».
Aderindo, por com ela se concordar, à doutrina enunciada acima, conclui-se que este Tribunal Administrativo e Fiscal é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial da decisão que, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 1-2520-2012, aplicou à arguida [SIC] uma coima no montante de € 1 500,00 [SIC] pela prática da contra-ordenação [SIC] p.p. no art.º 98°/1/s) e nº 4 do DL nº 555/99 de 16.12 na redacção dada pelo DL nº 26/2010 de 30.03, uma vez que a impugnação judicial dessa decisão foi apresentada, como visto acima, a 17.08.2016, antes do início da vigência da norma do art.º 4°/1/l) do ETAF, na redacção dada pelo DL nº 215-G/2014 de 2.10.
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Termos em que se julga este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do presente recurso de impugnação judicial.
Sem custas
Registe e notifique".
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Por despacho do Exmo. Juiz do TAF de Sintra, datado de 3-05-2017, a fls. 94, foi suscitada a resolução do conflito negativo de jurisdição ao Tribunal de Conflitos.
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Factualidade a ter em conta:

I - Em 19-08-2011, o Fiscal Municipal Especialista Principal do Município de Sintra lavrou o auto de notícia de fls. 3, dando notícia de que A………… era responsável por ter procedido à abertura de caboucos e enchimento com argamassa com extensão de cerca de setenta metros de comprimento por vinte centímetros de altura para construção de um muro de vedação da sua propriedade confinante com a Travessa dos ……… e a Rua dos ……… no lugar denominado ………, freguesia de ………, sem que para o efeito possuísse a necessária licença municipal, o que o fez incorrer na violação do artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do DL n.º 555/99, de 16-12, alterado pelo DL 177/2001, de 4-06 e na redacção dada pela Lei n.º 60/07, de 4-09, constituindo contra-ordenação p. e p. pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do mesmo diploma.
II - Em 17-12-2012, um outro Fiscal Municipal Especialista Principal do Município de Sintra lavrou o auto de notícia de fls. 4, e deu notícia que o mesmo A………… era responsável por ter procedido à vedação, com prumos de madeira e arame, de um terreno situado no ………, ………, freguesia de ………, confinante com a Rua dos ………, Travessa dos ……… e com a Rua ………, sem que para o efeito possuísse licença municipal, o que o fez incorrer na violação do artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do DL n.º 555/99, de 16-12, alterado pelo DL 177/2001, de 4-06, na redacção dada pela Lei n.º 60/07, de 4-09 e pelo DL n.º 26/10, de 30-03, constituindo contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do mesmo diploma.
III - O visado exerceu o direito de audição de defesa em 21-05-2013, conforme fls. 18/9, repetido a fls. 25/6 e fls. 27/8.
IV - Por decisão de 17 de Julho de 2016 constante de fls. 45 a 47 verso o Presidente da Câmara de Sintra ordenou a apensação dos dois processos, decidindo nos termos do artigo 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, pela condenação do arguido:
Infracção 1
Pela violação do artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, ilícito previsto e punido pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, ao pagamento de uma coima no montante de 500.00 €.
Infracção 2
Pela violação do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, ilícito previsto e punido pelo artigo 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, ao pagamento de uma coima no montante de 500.00 €.
De acordo com o disposto no artigo 19.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, será aplicada ao arguido uma coima única no valor de 750.00 €.
IV – A………… deduziu impugnação judicial, conforme fls. 50 a 55, que deu entrada na Secção de Contra-Ordenações em 17-08-2016.
V - Por despacho de 22 de Agosto de 2016 o Presidente da Câmara de Sintra despachou no sentido de aceitar o Parecer de Recurso para Decisão Judicial - fls. 63.
VI - O processo foi enviado – fls. 1 - em 23-08-2016, sendo distribuído na Procuradoria da Instância Central Criminal de Sintra em 15-09-2016.
VII - Após o despacho de 16-09-2016, de fls. 65 /6, supra referido, foi distribuído como recurso Inst. Local - Secção Criminal Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste em 22-11-2016, conforme capa do recurso de contraordenação, carimbo e vinheta.
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Tendo a decisão do TAF de Sintra transitado em julgado, foi ordenada a remessa do processo a este Tribunal de Conflitos, tendo o Ministério Público emitido o douto parecer de fls. 103, expressando a sua adesão aos fundamentos da decisão do TAF de Sintra, entendendo caber a competência em razão da matéria para conhecer da impugnação da decisão administrativa em questão ao Juízo Local Criminal de Sintra, invocando neste sentido o acórdão deste TC de 30-03-2017, no conflito 31/16.
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Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Apreciando.

A questão a dirimir consiste em saber se, para apreciação da impugnação judicial de onde promana o conflito, é competente a jurisdição comum ou a administrativa.
A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos invocados, conforme jurisprudência há muito sedimentada, como pode ver-se do acórdão do STJ de 20 de Fevereiro de 1990, processo n.º 78.729, BMJ n.º 394, pág. 453, acentuando-se que a competência do tribunal comum alcança-se por exclusão de partes, citando Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 51.
É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que os termos da acção - para efeitos de competência em razão da matéria - tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, se aferem em face do pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio, tal como configurada pelo autor.
É o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor, ou seja, a decisão de qual é o tribunal (jurisdição) competente há-de ser feita de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deveriam ser.

A competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o autor/demandante coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, substanciado na causa de pedir invocada.
José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1960, pág. 109, elucida: as regras de competência em razão da matéria exercem esta função: servem para determinar a espécie do tribunal. Por outras palavras, dão-nos a conhecer se a acção há-de ser proposta nalgum tribunal especial ou no tribunal comum.
E na pág. 110 refere que a competência em razão da matéria constitui uma das três modalidades da competência material (respeitante ao modo de ser da lide) sendo determinada pelo conteúdo da lide.
Aborda a matéria mais à frente - artigos 66.º e 67.º - a fls. 146 a 151, distinguindo entre incompetência em razão da matéria e falta absoluta de jurisdição (págs. 148/9).
Sobre o ponto pode ver-se Obras Completas Professor Doutor João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1º volume, revisto e actualizado, Edição AAFDL, reimpressão, 1997, págs. 491, 492, 529 a 543, focando a competência como pressuposto processual nos n.ºs 557 a 567.
Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pág. 128, refere: "A incompetência é a insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição de tribunal arbitral".
Versando as modalidades de incompetência absoluta, na pág. 129, refere que a incompetência material decorre da propositura no tribunal comum de uma acção da competência dos tribunais especiais ou da instauração de uma acção num tribunal de competência especializada incompetente.
Conforme ensina Manuel de Andrade, in «Noções Elementares de Processo Civil», 1976, pág. 94 e Reimpressão (1993), Coimbra Editora, Limitada, pág. 91:
"A competência do tribunal - ensina Redenti - «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)»; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. (...) A competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão. Mesmo quando a lei, não se atendo pura e simplesmente aos termos em que a acção está deduzida, requer a indagação duma circunstância extrínseca (valor ou situação dos bens pleiteados, domicílio do Réu, lugar do contrato ou do facto ilícito, etc.), é através desses termos que há-de saber-se qual o ponto a indagar".
Sobre a noção de competência em razão da matéria afirma a págs. 94/5: "É a competência das diversas espécies de tribunais: diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre eles uma relação de supra-ordenação e subordinação".
Sobre a razão de ser da designação, afirma: "Na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo - o da natureza da razão substancial pleiteada. Trata-se pois duma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência pertence a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes".
Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Revista e actualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85, Coimbra Editora, Limitada, 1985, págs. 194/5 "Um dos pressupostos processuais mais importantes, relativo ao tribunal, é a competência. (...)
O requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais. Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num determinado círculo limitado de acções, e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional". (...)
É para a delimitação do poder jurisdicional de cada tribunal que existem regras de competência.
Dizem-se regras de competência as normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais.
Distinguindo competência e jurisdição, na pág. 196, afirma-se: "Em bom rigor, a jurisdição designa o poder (de julgar) genericamente atribuído, dentre da organização do Estado, ao conjunto dos tribunais (art. 205.º da Const. da República). A competência refere, por seu turno, o poder resultante do fraccionamento do poder jurisdicional entre os diferentes tribunais.
E na pág. 207: "No plano interno, o poder jurisdicional começa por ser dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas.
Há assim tribunais administrativos, tribunais militares, tribunais judiciais, tribunais fiscais tendo cada uma destas categorias competência para determinadas matérias do Direito.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram".
E na pág. 208, pode ler-se: "Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária, e por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas".
Para Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 1999, volume I, pág. 128, "um dos factores da existência de diversos órgãos jurisdicionais dentro do mesmo Estado, é a variedade e especial complexidade de certas questões que os tribunais são chamados a decidir. Quando a divisão do trabalho judicial se faz tendo em conta a particular natureza das relações jurídicas a apreciar, a sua qualidade, diz-se que a competência é fixada em razão da matéria.
O Código enuncia, nos arts. 66.º e 67.º, apenas as linhas gerais da distribuição da competência em razão da matéria, por isso que a divisão efectiva dessa competência pertence às leis de orgânica judiciária, entre nós a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro).
J. A. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 2013, 11.ª edição, Almedina, pág. 150, afirma: "A competência em razão da matéria assenta no princípio da especialização. É vantajoso fracionar a competência dos tribunais em função da matéria do litígio, dado que é muito vasta a especificidade das normas que integramos diversos ramos do Direito e são muito complexas as questões que se colocam a quem tem de decidir. Desta repartição da competência em função das matérias a decidir resultará necessariamente melhor qualidade e mais agilidade da atividade judicial.
O poder jurisdicional é repartido pelos diversos tribunais considerados no mesmo plano, sem que entre eles exista uma qualquer relação hierárquica ou de subordinação".
Abílio Neto, no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, revista e ampliada, Ediforum, Edições Jurídicas Lda., Lisboa, Janeiro de 2014, em anotação ao actual artigo 64.º - Competência dos tribunais judiciais -, que reproduz, sem alterações, o anterior artigo 66.º (São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional), na nota 3, pág. 123, refere:
"A par do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas e dos Tribunais Militares, cada um deles com competências específicas, a nossa organização judiciária distingue entre, por um lado, a competência dos tribunais judiciais, que são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas (art. 211.º-1 da CRP), e, por outro, a competência dos tribunais administrativos e fiscais, aos quais compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 212.º-3 da CRP), mas com uma diferença fundamental: os tribunais judiciais, e só estes, surgem como a ordem de jurisdição também vocacionada para o julgamento das questões que a lei não inclui na esfera de competência de tribunais integrados noutras jurisdições, o mesmo é dizer que a jurisdição dos tribunais judiciais está dotada de uma força expansionista, só comprimida através da presença de jurisdições com carácter especial.
Por outro lado, no interior da ordem dos tribunais judiciais, a par da distinção entre matérias cíveis e criminais, há tribunais com competência específica e tribunais especializados para julgamento de matérias determinadas (cfr. art. 211.º da CRP) (v.g., tribunais de família e menores, tribunais do trabalho, tribunais do comércio e tribunais marítimos), o que confere às questões da competência em razão da matéria um lugar cimeiro no âmbito da litigiosidade global.
E na nota 5, anota o mesmo Autor, pág. 124: "A competência em razão da matéria, nomeadamente, no confronto entre a jurisdição cível e a jurisdição administrativa e fiscal, constitui uma permanente fonte de litígios, como o atesta a actividade desenvolvida pelo Tribunal dos Conflitos, matéria esta que reclama uma urgente intervenção do legislador, que ponha termo a este estado de incerteza".
Mais à frente, em anotação ao artigo 552.º, respeitante aos "Requisitos da petição inicial" (ex-artigo 467.º do CPC de 1961), na nota 14, pág. 594, refere: "A determinação da jurisdição a que a lei atribui a resolução de um litígio e, no seio desta, da competência do tribunal, deve efectuar-se atendendo à configuração da causa tal como é apresentada na petição, segundo o entendimento pacífico e reiteradamente expresso na jurisprudência".
Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, Almedina, pág. 84, após citar o artigo 202.º da CRP, afirma: "Nisto consiste a jurisdição, isto é, a função jurisdicional. E é o exercício desta função que distingue os tribunais dos outros órgãos do Estado.
A competência é a repartição desse poder jurisdicional entre os diversos tribunais, dizendo, pois, respeito à delimitação interna da actividade deles, quando confrontados entre si.
Na verdade, embora todos os tribunais exerçam genericamente a função jurisdicional, cada um deles detém uma fracção própria dessa jurisdição, ou seja, cada um deles tem a sua própria competência.
A repartição do poder jurisdicional entre os diversos tribunais faz-se segundo as chamadas regras de competência. Estas regras atribuem competência aos tribunais, tomando em consideração os termos (objectivos e subjectivos) que caracterizam cada acção. Conforme os casos, a competência determina-se pelo pedido formulado pelo autor, pelo tipo de acção que se pretende instaurar, pelo recurso que se pretende interpor, pelo lugar da ocorrência dos factos, pela residência das partes, etc."

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Estabelece o artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa:
"Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais".
Comentando o preceito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, Agosto de 2010, pág. 561, afirmam: "O n.º 1, aditado pela LC n.º 1/89, contém duas normas: (a) na primeira estabelece-se que os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria civil e criminal; (b) na segunda estabelece-se o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, pois ela estende-se a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais".
Por seu turno, estabelece o artigo 212.º, n.º 3, da CRP:
"Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".
Comentando este preceito, dizem os mesmos Autores, na mesma obra, a págs. 565:
"Aos tribunais administrativos e fiscais compete a justiça administrativa e fiscal, ou seja, o julgamento das acções e dos recursos destinados a dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais (n.º 3). Isto quer dizer que a competência dos tribunais administrativos e fiscais deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns; aqueles são agora os tribunais ordinários da justiça administrativa".
Mais à frente, a págs. 566/7, afirmam: "Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n.º 3, in fine).
Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr. ETAF, art. 4.º)".
Estabelece o artigo 64.º do Código de Processo Civil que "São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".
Daqui, em conjugação com o artigo 211.º, n.º 1, da CRP e artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - como dantes o artigo 18.º da Lei de Organização do Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e artigos 23.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a nova LOFTJ - "Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".
Daqui decorre o carácter residual da competência dos tribunais da ordem judicial; por outras palavras, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional.

No que tange à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF - aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro [rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2002, Diário da República, I Série-A, n.º 67, de 20 de Março, considerada a 2.ª versão, e pela Declaração de Rectificação n.º 18/2002, Diário da República, I Série-A, n.º 86, de 12 de Abril, assumida como a 3.ª versão e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, considerada como 4.ª versão, a qual entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (artigo 9.º); pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2004, assumida como a 5.ª versão e que procedeu à republicação; pela Lei n.º 1/2008,de 14 de Janeiro, tida pela 6.ª versão; pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, a consubstanciar a 7ª versão; pela Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho, a constituir a 8.ª versão; pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ), a substanciar a 9.ª versão, pelo artigo 166.º procede à 6.ª alteração, alterando o artigo 61.º, n.º 1; pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, constituindo a 10.ª versão do diploma; corporizando a 11.ª versão, a constante do Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de Julho, seguindo-se a 12.ª versão pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a 13.ª versão, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, e finalmente, a mais recente, com o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, Diário da República, 1.ª série, n.º 193, de 2-10-2015, que de acordo com o artigo 1.º, alínea b), procede à décima primeira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, republicando o Estatuto no Anexo II, págs. 8588 (91 a 108)].
(Esta Lei revogou o anterior ETAF aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, complementado pelo Decreto-Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro).
O artigo 1.º, n.º 1, dispõe que:
"1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto".
No artigo 4.º é feita uma enumeração exemplificativa de matérias cujo conhecimento pertence [alíneas a) a o) do n.º 1 e n.º 2], ou não pertence [n.ºs 3 e 4] aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Sob a epígrafe "Âmbito da jurisdição", estabelece o artigo 4.º, na redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10-2015:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:
1) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito de ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

Esta disposição teve por objectivo, como se assinala no preâmbulo - ponto 9, pág. 8588 (14) do Diário da República, 1.ª série, n.º 193, de 2-10-2015 - "fazer corresponder o âmbito da jurisdição administrativa aos litígios de natureza administrativa" e assim "estende-se o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às acções (...) de impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo".
Como decorre do n.º 5 do artigo 15.º, a alteração à alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, em matéria de ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2016.

Em causa a fixação de competência para apreciação da impugnação judicial de decisão administrativa, que aplicou coimas pela prática de duas contraordenações previstas e punidas pelos artigos 4.º e 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/01, de 4-06, pela Lei n.º 60/2007, de 4-09, pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30-03, não sendo de atender às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9-09-2014, Diário da República, 1.ª série, n.º 173/2014, de 9-09-2014, em vigor desde 7-01-2015 e pela Lei n.º 79/2017, Diário da República, 1.ª série, n.º 159/2017, de 18-08-2017, entrada em vigor em 19-08-2017, atentas as datas da prática dos ilícitos de 19 de Agosto de 2011 e 17 de Dezembro de 2012.
O diploma estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, estatuindo no artigo 4.º sobre "Licença, comunicação prévia e autorização de utilização" e no artigo 98.º sobre "Contraordenações".

A impugnação judicial é meio de reacção a decisão administrativa, com recurso à via judicial, prevista no artigo 59.º do RGCO.
O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro de 1982 (rectificado pela Declaração de rectificação de 7 de Dezembro de 1982, publicada no Diário da República de 6-01-1983), que instituiu o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo, entrado em vigor, de acordo com a lei formulária de então - artigo 2.º da Lei n.º 3/76, de 10-09 - em 1 de Novembro de 1982, no artigo 59.º, inserto no Capítulo IV (Recurso e processo judiciais), sob a epígrafe (Forma e prazo) estabelecia, na versão iniciai:
1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 5 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.
(Ao tempo da publicação da Lei-Quadro das Contra-ordenações, vigorava o Código de Processo Penal de 1929, que no artigo 651.º, estabelecia o prazo de 5 dias para a interposição de qualquer recurso.
Por força do disposto no artigo 649.º daquele diploma, os recursos eram interpostos, processados e julgados como os recursos de agravo de petição em matéria cível - artigo 743.º e ss. do Código de Processo Civil).
(A expressão "recurso" deverá ser entendida em sentido não técnico, pois que antes dele não existe qualquer apreciação judicial - cfr. Figueiredo Dias, O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ, págs. 315 a 336 (maxime, pág. 335), e Direito Penal Económico e Europeu, volume I, Problemas gerais, págs. 19 a 33).

Com o Decreto-Lei n.º 356/1989, de 17 de Outubro, foi alterado apenas o n.º 3 do artigo 59.º, passando o prazo de 5 para 8 dias.
3 - O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de oito dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.

O Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, procedeu no artigo 59.º, ao alargamento significativo do prazo para a impugnação judicial, que antes era de 5 e havia passado para 8 dias, e agora, é aumentado para 20 dias, e inovou no artigo 60.º, esclarecendo regras sobre o modo como deve contar-se tal prazo.

Estabelece o artigo 59.º (Forma e prazo), na redacção ainda vigente:

1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação (novo) poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é [dantes - "será"] feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias [novo prazo, em vez dos anteriores oito dias], após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações [antes - "sumárias alegações"] e conclusões.
Artigo 62.º
Envio dos autos ao Ministério Público

1 - Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.
2 - Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima.

Sobre o disposto no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17-10, pronunciou-se o Assento n.º 2/94, de 10 de Março de 1994, proferido no processo n.º 45.325, publicado no Diário da República I Série-A, de 7 de Maio de 1994 e no BMJ n.º 435, pág. 49, que fixou a seguinte jurisprudência:
"Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro".
Em tal acórdão estava em causa a aplicabilidade da suspensão do prazo prevista no artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil então vigente (versão do Decreto-Lei n.º 44.129, de 28-12-1961, com a redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 381-A/85, de 28 de Setembro, entrado em vigor no dia seguinte), estabelecendo-se então a doutrina de que o prazo de recurso não era um prazo judicial a que se aplicasse o citado artigo 144.º, n.º 3, antes correndo continuamente.
Em tal preceito estabelecia-se então que "O prazo judicial suspende-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e dias feriados".
A fase judicial começa com a apresentação do processo ao juiz pelo MP, cujo acto vale como acusação como decorre do n.º 2 do artigo 62.º do RGCO
Extrai-se da fundamentação do assento - pág. 2373-1.ª coluna:
"5 - Ora, o recurso a que alude o artigo 59.º, n.º 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 433/82 não é apresentado em juízo, mas perante autoridade administrativa.
E perante ela o processo permanece, até que por esta os autos sejam enviados ao Ministério Público (artigo 62.º, n.º 1, do mesmo diploma), podendo, entretanto, e até ao envio dos autos, a mesma autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima (artigo 62.º, n.º 2), o que significa que até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição do recurso a imediata entrada na fase judicial do processo.
Donde se conclui que, fazendo o recurso de impugnação parte da fase administrativa do processo, e não da fase judicial, não pode esse acto - de interposição - ser considerado acto praticado em juízo e, consequentemente, não pode também o respectivo prazo ser considerado «prazo judicial», a que seja aplicável o disposto no artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por força do artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal".
Já antes, em 1992, comentando o artigo 59.º, António Beça Pereira, em Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, Almedina, 1992, afirmava na pág. 74: " O prazo de recurso que consta do n.º 3 tem natureza substantiva. Não se trata de um prazo judicial, uma vez que não surge na sequência de um acto judicial. Acresce que o recurso é apresentado junto da autoridade administrativa e não perante o Tribunal competente para o conhecer".
E dava conta de jurisprudência no sentido de não ser considerado prazo judicial, como os acórdãos da Relação de Évora, de 6-10-1988, CoI. Jur. 1988, tomo IV, pág. 272; de 14-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 619; outro do mesmo dia na Col. Jur. 1989, tomo III, pág. 299; de 8-05-1990, na Col. Jur. 1990, tomo III, pág. 291, e da Relação de Lisboa, de 26-04-1989, BMJ n.º 386, pág. 502.
Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, Outubro de 2011, na nota 12, pág. 246, afirma:
"O prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do DL n.º 433/82, de 27.10, com a alteração do DL n.º 356/89, de 17.10, não tem natureza judicial, uma vez que o recurso de impugnação em processo contra-ordenacional ainda faz parte da fase administrativa".
O processo apenas entra na fase judicial quando da remessa à distribuição pelo Ministério Público, em termos semelhantes ao da propositura de uma acção (art 38 da LOSJ) acórdão de 9-11-2017, processo n.º 12/17 e de 30-11-2017, processo n.º 19/17.
Segundo Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 473, o prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
O recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (art. 62.º, n.º 2, do RGCO)
Extrai-se da fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência de 17 de Janeiro de 2013, por nós relatado no processo n.º 165/10.3TTFAR.E1-A.S1, publicado como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013, no Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2013, pág. 964, 2.ª coluna:
"A dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa.
O recurso de impugnação a que alude o artigo 59.º do RGCO não é directamente apresentado em juízo, mas antes perante a autoridade administrativa que aplicou a coima, aí permanecendo por cinco dias, até que sejam enviados ao M.ºP.º, sendo que até ao envio pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima, como resulta do artigo 62.º, n.º 2, da lei quadro, com o que no caso ocorrerá a inutilidade superveniente do recurso. Até aí tudo se passa no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição de impugnação a imediata entrada na fase judicial do processo, antecede esta etapa, tratando-se de um prazo pré-judicial".
Como refere Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, Outubro de 2011, ao comentar o artigo 62.º, na nota 2, pág. 257: "Após a impugnação judicial, os autos são enviados ao Ministério Público, que assume as funções persecutórias da competente autoridade administrativa e, portanto, o papel de "senhor do processo" (...). Nessa qualidade, o Ministério Público pode fazer uma de duas coisas: ou encaminhar o processo para o juiz ou retirar a acusação. Com efeito, o MP pode retirar a acusação "a todo o tempo" após a recepção dos autos, desde que se encontrem reunidos os pressupostos formais do artigo 65.º-A, evitando-se deste modo a prática de actos processuais inúteis".
E na nota 15, pág. 260, afirma: "desde a interposição da impugnação judicial até ao envio dos autos para o tribunal, a autoridade administrativa pode revogar a decisão de aplicação da coima".

O processo de contraordenação comporta duas fases distintas, uma primeira administrativa e uma segunda judicial.
Como decorre dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 54.º (Da iniciativa e da instrução), a fase administrativa inicia-se oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular, procedendo a autoridade administrativa à sua investigação e instrução, finda a qual arquiva o processo ou aplica uma coima.
As autoridades administrativas podem confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos.
Exactamente porque se está perante a fase administrativa a contagem dos prazos não se suspende durante as férias judiciais.
Extrai-se do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2013, versando regras de contagem de prazos, na inovação introduzida no artigo 60.º pela reforma do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14-09, pág. 962, 1.ª coluna:
«Artigo 60.º - (Contagem do prazo para impugnação), na redacção igualmente ainda vigente:
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Tendo a interpretação do Assento de 1994, que se pronunciou sobre a norma do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, na redacção de 1989, retirado a qualificação de "judicial" ao prazo de impugnação da decisão administrativa, não consentindo, por isso, na suspensão do prazo, então prevista no n.º 3 do artigo 144.º do CPC, a verdade é que, em 1995, foi, por força da alteração legislativa operada, transposta para o RGCO, a suspensão de prazo, à época prevista no âmbito do processo civil, "aos sábados, domingos e feriados", com exclusão das férias.
O legislador de 1995 enveredou por uma opção legislativa discordante do propugnado pelo Assento n.º 2/94, estabelecendo, "acolhendo", a suspensão do prazo aos fins de semana e feriados, mas não a alargando ao período de férias judiciais.
Tal solução de exclusão do período de férias justifica-se e tem a ver com o facto de as autoridades administrativas que aplicam as coimas, diversamente do que acontece nos tribunais judiciais que julgam os recursos, não encerram os seus serviços durante os períodos a que correspondem as férias judiciais, falecendo fundamento para tal suspensão, visto que os serviços onde os recursos são entregues continuam abertos e em normal funcionamento".

Revertendo ao caso concreto.

Como se viu, foi por despacho datado de 16-09-2016 que o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição à Instância Criminal Local - Pequena Criminalidade, "a fim de tramitarem como autos de recurso de impugnação judicial de contra-ordenação e serem presentes ao (à) Mm.º (a) Juiz", dando por integralmente reproduzida a decisão administrativa constante dos autos, a qual vale como acusação.
Definido o início da fase judicial do processo de contraordenação, substanciado no momento da sua remessa pelo Ministério Público à distribuição, ocorrida em 16 de Setembro de 2016, compete à jurisdição administrativa e fiscal conhecer do processo, por tal competência lhe caber, nos termos do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.
Conclui-se assim que o litígio em aberto é subsumível ao artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF, pertencendo a resolução do conflito ao foro administrativo, deferindo-se a competência material ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Decisão

Pelo exposto, decide-se o conflito atribuindo a competência em razão da matéria para a apreciação da impugnação judicial em causa à jurisdição administrativa, no concreto, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Não são devidas custas, face à isenção objectiva prevista no artigo 96.º do Regulamento do Supremo Conselho de Administração Pública, aprovado pelo Decreto n.º 19243, de 16 de Janeiro de 1931.

Lisboa, 25 de Outubro de 2018. – Raul Eduardo do Vale Raposo Borges (relator) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – António Gonçalves Rocha – José Augusto Araújo Veloso – Maria Olinda da Silva Nunes Garcia - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.