Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:041/17
Data do Acordão:10/19/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANA PAULA BOULAROT
Descritores:CONFLITO JURISDIÇÃO
DÍVIDA DE ASSISTÊNCIA HOSPITALAR
Sumário:É da competência da jurisdição comum o conhecimento das acções destinadas à efectivação das responsabilidades dos utentes das entidades hospitalares integradas no Sistema Nacional de Saúde, por cuidados ali prestados, por força do disposto no artigo 1°, nº2 do DL 218/99 de 15 de Junho, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.
Nº Convencional:JSTA00070378
Nº do Documento:SAC20171019041
Data de Entrada:06/09/2017
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR DE ENTRE O DOURO E VOUGA, EPE, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DO BAIXO VOUGA, OVAR, JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL E O TAF DE AVEIRO, UNIDADE ORGÂNICA 1
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO
Objecto:SENT TJ COMARCA BAIXO VOUGA (JUIZO MEDIA E PEQUENA INSTANCIA CIVIL OVAR) - SENT TAF AVEIRO.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO COMUM.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO.
Legislação Nacional:CPC ART64.
CONST ART211.
ETAF15 ART1 ART4 N1.
DL 218/99 ART1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC021/05 DE 2006/03/14.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, NO TRIBUNAL DOS CONFLITOS

I CENTRO HOSPITALAR DE ENTRE O DOURO E VOUGA, EPE, veio requerer a resolução de conflito negativo de jurisdição entre a Comarca do Baixo Vouga (Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Ovar) e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, nos termos do disposto no artigo 110º nºs 1 e 3 do CPCivil.

A Requerente propôs em 22 de Fevereiro de 2013, no Juízo de Média e Pequena Instância de Ovar da Comarca do Baixo Vouga, uma acção de condenação em processo sumário contra a CP-Comboios de Portugal, E.P.E., Rede Ferroviária Nacional, REFER, E.P.E., A………………… e B…………….., SA, para cobrança de cinco facturas de tratamentos médicos, com fundamento no tratamento e assistência hospitalar a três pessoas, em consequência de acidente ferroviário ocorrido em 16 de Março de 2011, pedindo a condenação solidária dos três primeiros a lhe pagarem a quantia de €20.337,69 e respectivos juros de mora vencidos e vincendos, e subsidiariamente a condenação da 4ª Ré, ao indicado pagamento.

A acção foi distribuída como P. n° 706/13.4T20Vfc à Pequena Instância Cível de Ovar e foi contestada por todos os Réus, tendo sido excepcionada a incompetência em razão da matéria por alguns deles.

Na audiência prévia realizada em 30 de Outubro de 2013, nos indicados autos de processo comum foi proferido despacho saneador que, conhecendo da excepção, julgou aquele Juízo materialmente incompetente para apreciação da presente acção, absolvendo as rés do pedido.

Requerida a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, nos termos do artigo 99º, nº 2 do CPCivil, tal veio a acontecer, tendo os autos sido distribuídos à UO 1, onde correram termos sob o nº P. 271/14.5BEAVR, como acção administrativa comum, e, por sentença de 27 de Janeiro de 2017, transitada em julgado, foi julgado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro incompetente em razão da matéria para conhecer da acção, absolvendo os Réus da instância.

O Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de ser atribuída competência à jurisdição comum.

II A questão a resolver consiste em saber sobre qual das jurisdições, comum ou administrativa, impende a competência para a cobrança da dívida hospitalar peticionada pelo Requerente.

Dispõe o normativo inserto no artigo 64º do CPCivil (em consonância com o artigo 211º da CRP «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.») «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.», acrescentando o artigo 67º «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.».

Neste conspectu, convém fazer apelo ao artigo 1º, nº 1 do ETAF (na redacção anterior à do DL 214-G/2015 de 2 de Outubro, aplicável in casu) no qual se predispõe que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.», estando elencadas no artigo 4º, nº 1 de tal diploma, as questões que, nomeadamente, são da competência de tais Tribunais.

Quererá isto dizer que a intervenção dos Tribunais Administrativos se justificará se houver que dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito de relações jurídicas administrativas, isto é, o que importará para declarar a competência daqueles Tribunais é saber se o conflito entre as partes nestes autos, é um conflito de interesses públicos e privados e se este mesmo conflito nasceu de uma relação jurídica administrativa.

O artigo 4º, nº 1 do ETAF discrimina, nas diversas alíneas, qual o objecto dos litígios que compete apreciar pela jurisdição administrativa (e fiscal), afastando, os seus nºs 2 e 3, as situações em que tal competência não ocorre.

A acção, em equação no presente conflito, destina-se à efectivação das responsabilidades dos Réus por prestação de cuidados de saúde por banda do Requerente, entidade pública empresarial, integrada no Sistema Nacional de Saúde o que se mostra feito nos termos do DL 218/99, de 15 de Junho, o qual preceitua no seu artigo 1º, nº2 o seguinte «Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.», o que nos remete para o procedimento instituído no DL 269/98, de 1 de Setembro, de onde decorre a competência material dos tribunais judiciais no que tange à apreciação do petitório, neste preciso sentido o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 14 de Março de 2006 (Relator Madeira dos Santos), in www.dgsi.pt, onde se lê, além do mais e no que interessa à economia da presente decisão o seguinte «[O] DL n.º 218/99 revogou e substituiu o DL n.º 194/92, de 8/9 - diploma em que se atribuíra força executiva às certidões de dívida emanadas das instituições e serviços públicos integrados no serviço nacional de saúde e se determinara que as correspondentes acções executivas seriam «instauradas no tribunal da comarca» em que se encontrasse sediada a entidade exequente (cfr. os arts. 1º e 10°). Portanto, o DL n.º 194/92 excluía qualquer hipótese de os processos daquele tipo correrem nos tribunais administrativos. Logo no preâmbulo do DL n.º 218/99, o legislador anunciou o intuito de, através da «lex nova», alterar «as regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares», constantes do decreto-lei revogado; mas, como do mesmo preâmbulo eloquentemente flui, essa alteração de regras centrava-se na substituição da acção executiva pela declarativa, mudança essa justificada pelo facto de se haver entretanto constatado que a força executiva conferida às sobreditas certidões não trouxera as pretendidas celeridade e simplicidade processuais. Ora, se a mencionada «alteração das regras processuais» também passasse por uma redefinição dos tribunais e da jurisdição competentes para o conhecimento das acções previstas no diploma, seria natural que o preâmbulo se lhe referisse - pois dificilmente se compreenderia que uma modificação com essa amplitude permanecesse silenciada nas longas considerações preambulares que o legislador teceu. Portanto, o preâmbulo do DL n.º 218/99, apesar de não dispor, «a se», de força normativa, constitui um primeiro e poderoso indício de que o diploma deve ser interpretado no sentido de que nada inovou quanto à competência dos tribunais que apreciariam as chamadas dívidas hospitalares - os quais continuariam a ser os da jurisdição comum.».

III Destarte e sem necessidade de outros considerandos atribui-se a competência para o conhecimento da pretensão do Requerente à jurisdição comum.

Sem custas.

Lisboa, 19 de Outubro de 2017. – Ana Paula Lopes Martins Boularot (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Joaquim Piçarra – António Bento São Pedro – António Leones Dantas – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.