Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:029/18
Data do Acordão:10/25/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:LEONES DANTAS
Descritores:CONFLITO NEGATIVO
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário:O tribunal competente para conhecer da impugnação do despacho do Instituto de Segurança Social que nega o apoio judiciário requerido, é o que for competente para o julgamento da ação em função da qual o apoio judiciário foi requerido.
Nº Convencional:JSTA000P23791
Nº do Documento:SAC20181025029
Data de Entrada:05/25/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM, JUÍZO LOCAL CÍVEL DE SANTARÉM - JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE COIMBRA, UNIDADE ORGÂNICA 1.
RECORRENTE: A…………
RECORRIDO: INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos
I

I - Em 20 de fevereiro de 2017, A………… solicitou à Segurança Social - Centro Distrital de Santarém do Instituto da Segurança Social, apoio judiciário na modalidade dispensa de taxa de justiça, a fim de instaurar ação para efetivação de responsabilidade civil pelos danos sofridos na sequência de uma eletrização de que foi vítima quando tomava banho num Lar de Estudantes em Coimbra, cuja universidade frequentava.

2 - Na pendência do pedido de apoio judiciário formulado, o requerente instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a ação em causa, que ali passou a correr termos com o n.º 145/17.8BECBR.

3 – O pedido apresentado veio a ser indeferido por despacho de 5 de Julho de 2017, da Diretora do Núcleo de Apoio Jurídico e Recursos Humanos do Centro Distrital de Santarém do Instituto da Segurança Social, vindo o requerente a impugnar judicialmente aquela decisão, nos termos dos artigos 26.º e seguintes da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação resultante da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, tendo remetido a mencionada impugnação judicial para o Centro Distrital do ISS acima referido.

4 - O referido Centro do Instituto da Segurança Social remeteu a impugnação em causa para o Tribunal da Comarca de Santarém, onde foi distribuído ao J1 do Juízo Local Cível de Santarém, sob o Proc. n.º 99/18.3T6STR.

5 - Por despacho de 22 de janeiro de 2018, este Tribunal declarou-se materialmente incompetente para conhecer do mencionado pedido de impugnação, afirmando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

6 - Transitado em julgado este despacho, foi o processo remetido para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, onde deu entrada a 21 de fevereiro, passando a constituir o apenso "A" do Processo Principal, o Processo com o n.º 145/17.8BECBR-A, acima referido.

7 - Este Tribunal, por sentença de 2 de março de 2018, declarou-se igualmente incompetente para conhecer da impugnação da causa, considerando "verificada a incompetência material deste Tribunal Administrativo e reputo competente, outrossim, o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém".

8 - Transitada em julgado esta decisão, veio o requerente pedir a resolução do conflito de jurisdição, tendo apresentado as seguintes conclusões:

«A) O Recorrente viu indeferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo Instituto de Segurança Social de Santarém;
B) O ora Recorrente impugnou judicialmente essa decisão, tendo enviado a mesma para os competentes Serviços da Segurança Social;
C) Os Serviços da Segurança Social de Santarém mantiveram a sua decisão e enviaram certidão de todo o processo administrativo e a impugnação judicial para o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde o mesmo veio a ser distribuído, cabendo ao J1 do Juízo Local Cível de Santarém e passando a correr sob o Proc. n.º 99/18.3T6STR;
D) No âmbito desse processo judicial foi proferida sentença, notificada a 24 de janeiro de 2018 que declarou "a incompetência absoluta desta Secção para conhecer da presente impugnação de indeferimento do pedido de apoio judiciário por ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra", sentença essa já transitada em julgado;
E) Nessa sequência, o processo administrativo bem como a impugnação judicial do ali Impugnante, foram remetidos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, passando a constituir o apenso "A" do Processo Principal, o Processo com o n.º 145/17.8BECBR-A.
F) Chamado a decidir sobre a impugnação judicial apresentada pelo Recorrente, o Meritíssimo Juiz do Processo Principal que corre seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pelos motivos e fundamentos que verteu na sua douta sentença de 2 de março de 2018 e notificado ao ora Recorrente sob o seguro do correio em 7 de março de 2018, julgou "verificada a incompetência material deste Tribunal Administrativo e reputo competente, outrossim, o tribunal judicial da comarca de Santarém".
G) Esta sentença também já transitou em julgado, pelo que estamos perante duas sentenças em que se declara a incompetência para julgar.
H) Estamos perante um conflito negativo de jurisdição tal como configura o artigo 109.º, n.º 1 do CPC;
I) A competência para resolução do presente conflito pertence ao Tribunal de Conflitos, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, parte final do atual CPC.»

9 - Remetido o processo a este Tribunal dos Conflitos, foi proferido parecer pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público que se pronunciou no sentido da atribuição da competência à Jurisdição Administrativa, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
«Assim, correndo a ação principal no TAF de Coimbra e estando pedido de apoio judiciário em causa intimamente ligado com essa ação, será o tribunal da causa principal o foro competente para conhecimento e decisão da impugnação do indeferimento do pedido de apoio judiciário, não relevando a circunstância deste pedido ter sido formulado em data anterior à da propositura da ação.
Nesta conformidade, resolvendo-se o conflito, deverá o tribunal da jurisdição administrativa, no caso o TAF de Coimbra, ser declarado competente, em razão da matéria, para o conhecimento da presente impugnação judicial do indeferimento do pedido de apoio judiciário.»

10 - Na pendência do processo neste Tribunal, o Juízo Central Cível da Comarca de Coimbra remeteu a documentação de fls. 112 a 123, da qual emerge que a ação para efetivação da responsabilidade civil a que se referem os pontos n.ºs 1 e 2, inicialmente instaurada no TAF de Coimbra, foi remetida àquele Tribunal Judicial, por o primeiro se ter declarado materialmente incompetente para conhecer da mesma, e que aquele Tribunal Judicial aceitou a competência que lhe era atribuída.

A existência de acordo entre os Tribunais das duas jurisdições sobre a competência para conhecer da ação não tem qualquer reflexo sobre o conflito que é objeto do presente processo, não o tornando processualmente inútil, uma vez que o litígio que está em causa incide apenas sobre a competência para conhecer da impugnação da recusa de concessão de apoio judiciário.

Preparada a deliberação e remetida por via eletrónica cópia do projeto do presente acórdão aos Exm.ºs Juízes Adjuntos, cumpre decidir.
II

Está em causa saber qual é a jurisdição competente para conhecer de uma impugnação de indeferimento ao pedido de apoio judiciário, nos termos dos artigos 27.º e ss. da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação resultante da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, em que, na pendência do pedido perante os serviços da Segurança Social, o requerente instaurou a ação a que esse pedido se refere.

Este Tribunal dos Conflitos tem-se debruçado várias vezes sobre a competência para conhecer pedidos de impugnação do indeferimento da concessão de apoio judiciário, conforme aliás se refere no parecer do Exm.º Magistrado do Ministério Público.

Ainda recentemente este Tribunal se debruçou sobre essa questão no acórdão proferido em 14 de junho de 2018, no Conflito n.º 069/17 (Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.), nos seguintes termos:
«Assim, ambas as decisões são concordantes quando consideram que o tribunal competente para conhecer da impugnação do despacho que cancelou a proteção jurídica que havia sido concedida à requerente é o que o for para o julgamento da ação em função da qual o apoio judiciário fora requerido, ainda que esta não esteja pendente em juízo.
E esta posição está, efetivamente, em consonância com a orientação adotada por este Tribunal de Conflitos, como resulta do Ac. de 17/5/2007 - Conf. n.º 07/07 (cf. no mesmo sentido, entre outros, os Acs. de 20/6/2006 - Conf. n.º 013/06 e de 3/4/2008 - Conf. n.º 024/07), onde se pode ler:
"(...).
O artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/7/2004 refere que é competente para conhecer da impugnação o tribunal de comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da ação, o tribunal em que a ação se encontra pendente.
Este preceito deve, no entanto, ser interpretado tendo em conta, logo à partida, uma regra básica da realidade processual de que o acessório segue o principal.
Depois, há que ter em consideração que o incidente do apoio judiciário sempre foi um incidente do processo a que dizia respeito e que o legislador, quando determinou a competência das autoridades administrativas para a sua decisão numa primeira fase, agiu apenas com intuitos de aliviar os tribunais, nunca tendo pretensão de autonomização relativamente à causa principal. Mesmo, quando, no art.º 24.º, n.º 1 da mencionada lei, refere que o procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, quis apenas afastar uma realidade que vinha sendo comum de o pedido de apoio judiciário bloquear o andamento daquela causa principal.
Basta lerem-se os demais números daquele artigo para assim se concluir.
Ademais, a vantagem em o incidente de recurso de denegação do apoio judiciário correr no tribunal onde se pretende intentar a ação é manifesta. Muitas vezes, elementos da própria ação são indiciadores de que os dados fornecidos relativamente a tal incidente não são verdadeiros. Sendo também na ação principal que surgem a maior parte dos dados que conduzem ou podem conduzir ao cancelamento ou caducidade do benefício (art.º 10.° e 11.° da citada lei).
Então, se em casos como o nosso, se atribuísse a jurisdição aos tribunais judiciais, ou o juiz do processo principal tinha que fornecer os dados ao juiz dos tribunais judiciais para ele decidir da extinção do benefício (ou do recurso dessa extinção) ou o juiz da causa principal passava a ter jurisdição para se intrometer na decisão que o colega da outra jurisdição tomara.
Qualquer das hipóteses é de repudiar.
(...)".
Nestes termos, competente para conhecer da aludida impugnação, será o tribunal judicial se o pedido de proteção jurídica se destinar à propositura de uma ação cível ou, pelo contrário, o tribunal administrativo se tiver sido feito com o fim de intentar uma ação administrativa.»

Não temos qualquer razão para nos afastarmos desta linha de orientação.

No caso dos autos, embora a ação a que o pedido de concessão de apoio judiciário se refere tenha sido instaurada pelo autor na Jurisdição Administrativa, esta declarou-se incompetente, vindo a competência para conhecer da mesma a ser aceite pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, onde o processo se encontra presentemente a correr termos.
III

Em face do exposto, decide-se resolver o conflito de jurisdição atribuindo a competência para conhecer do presente processo aos Tribunais Judiciais.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Outubro de 2018. – António Leones Dantas (relator) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – António Bento São Pedro – Maria Olinda da Silva Nunes Garcia – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.