Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:08/16
Data do Acordão:06/07/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA RAMOS
Descritores:CONCESSÃO
BENS COMUNS DO CASAL
Sumário:Pertence aos tribunais judiciais conhecer de um litígio que emerge de um "contrato promessa de partilha de bens" entre os ex-cônjuges, apesar de se discutir se uma concessão administrativa integra o elenco patrimonial partilhável.
Nº Convencional:JSTA000P20658
Nº do Documento:SAC2016060708
Data de Entrada:02/05/2016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DE FARO, VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – J2 E O TAF DE LOULÉ

AUTORA: A..........
RÉU: B..... E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito Negativo de Jurisdição
nº 8/16 Relator – Fonseca Ramos.

Conselheiros António Pires Henriques da Graça, Maria Benedita Malaquias Pires Urbano, Ana Paula Soares Leite Martins Portela, Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges, Maria do Céu Dias Rosa Das Neves

Acordam no Tribunal de Conflitos


A……….. instaurou 18.4.2014, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António, Providência Cautelar Comum, nos termos do disposto nos art. 362º e seguintes do nCPC, como preliminar de acção declarativa a instaurar (salvo se for decretada Inversão do Contencioso), contra:

B………..,

C…………, Lda.,

Pedindo:

I. Deve a presente providência cautelar ser julgada procedente por provada e por via da mesma, ser reconhecida e declarada a nulidade do negócio de exploração (sobre os direitos de concessão identificados no petitório) celebrado entre os Requeridos, B……… e a sociedade comercial “C……….., Lda.”, por total falta de consentimento e de conhecimento da Requerente em tal (contitular de tais direitos), cessando a dita exploração, sendo feita reverter à situação anterior à celebração do dito negócio, entregando-se à Requerente os espaços detidos nos termos dos referidos direitos.

II. Mais se requer que ambos os Requeridos sejam condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória à razão de € 100 diários, por cada dia que recusem a cessação da exploração dos referidos direitos, após decisão judicial nesse sentido (art. 365º, nº2, do nCódigo de Processo Civil).

III. Requer ainda que, a presente Providência Cautelar seja decretada sem precedência de audição da parte contrária, diligência que significa acrescida morosidade e consequente agravamento dos prejuízos sofridos pela Requerente, tendo em conta que decorre o Verão, época que por natureza significa a de maior volume de negócios, o que corresponde exactamente àquele em que o prejuízo sofrido pela Requerente corre o risco de ser mais acentuado, por estar impedida de proceder à exploração.

IV. Também requer que a Requerida “C………., Lda.”, seja notificada para informar o Tribunal, quais os termos em que desenvolve a dita exploração, bem como data de início da mesma.

Em resumo, alegou:

- a Requerente e o Requerido B………., foram casados entre si segundo o regime de comunhão geral de bens;

- o casamento entre ambos foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida em 2 de Julho de 1997, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Faro, transitada em julgado a 14 de Julho seguinte, conforme doc. 1 (averbamento 2);

- o referido B……….., voltou a contrair casamento, com cidadã de nacionalidade russa, a qual veio a falecer, sendo o ora Requerido actualmente, viúvo;

- o património comum do casal formado pela ora Requerente e pelo Requerido B……….., era à data do divórcio, constituído por vários bens e/ou direitos, os quais foram identificados e ficaram a constar do documento (que ora se junta como doc. 2 e que aqui por reproduzido se dá para todos os legais efeitos), que pretendeu ser um compromisso de partilha do património comum e aos quais os ex-cônjuges denominaram “Contrato Promessa de Partilha de Bens por Divórcio”, datado de 22 de Maio de 1997;

- este contrato viria a ser sucessivamente postergado, verdadeiramente ignorado, uma vez que, vários bens foram vendidos com intervenção de ambos os ex-cônjuges;

- entre os direitos que integravam o património comum do casal e que ainda revestem essa natureza, avulta o direito de concessão, atribuído pelo Domínio Público Marítimo, actualmente sob a administração da Administração Hidrográfica do Algarve IP, entidade esta sob a tutela do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que permite aos respectivos titulares (os ex-cônjuges) o direito de explorarem a utilização de toldos em determinada área da praia de Monte Gordo, pelos banhistas e frequentadores da dita praia. Este direito é o que consta da al. b) da cláusula primeira do referenciado contrato promessa de partilha - doc nº2;

- da mesma forma, e com idêntica natureza, faz parte do mesmo acervo de bens e direitos, a exploração de um balneário, que existe e funciona em anexo ao “Restaurante …………”, na praia de Monte Gordo, embora tal direito não tenha sido autonomizado no predito contrato promessa, ao que se crê, por ser anexo ao dito estabelecimento comercial que se descreve na al. a) da cláusula 2ª do predito contrato promessa de partilhas;

- tal direito, apesar de não haver sido autonomizado no contrato promessa de partilha, é igualmente um direito que integra a comunhão conjugal e o património comum dos ex-cônjuges;

- quer o direito à exploração da área de toldos em regime de concessão, quer o direito exploração do balneário, sob o mesmo regime (concessão), integram o património comum dos ex-cônjuges e foram desde sempre explorados pelo ex-casal, nomeadamente pelo Requerido, B…………;

- a aqui Requerente acaba de saber que actualmente, quer a referida concessão, quer o balneário se encontram a ser explorados por uma sociedade comercial da qual é sócio minoritário o Requerido e ex-marido, a ora igualmente Requerida, “C……….., Lda.”

- a exploração que actualmente decorre, pela sociedade aqui Requerida, “C………..”, decorre à sua inteira e absoluta revelia, sem o seu conhecimento e sem o seu consentimento, dispondo o ex-marido, a favor dessa sociedade, de forma abusiva de tais bens ou direitos, o que não lhe estava facultado;

- a ora Requerente não recebe seja o que for dessa exploração e igualmente nada recebe, o filho da Requerente, D………., nenhum deles exercendo qualquer direito ou poder sobre os espaços detidos nos termos das ditas concessões;

- o contrato que cria tal situação, é inválido, sob a forma de nulidade, por ter sido celebrado sem a sua intervenção, ou seja, sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento, uma vez que tais direitos ainda integram o património comum dos ex-cônjuges;

- o Requerido B……….., dispôs ou onerou todo o direito (sobre a concessão dos toldos e sobre o balneário) a favor de terceira entidade (a aqui segunda Requerida, que efectivamente procede à exploração) de que é titular a ora Requerente, sem o consentimento nem o conhecimento da mesma - art. 1408º C. Civil;

- o negócio celebrado pelo Requerido B………., a favor da sociedade aqui igualmente Requerida e na qual participa com 1%, é um negócio nulo, e como tal, por via da nulidade de tal negócio, é ineficaz relativamente à Requerente, não lhe podendo ser oposta, a exploração que a dita sociedade vem fazendo daqueles bens e direitos;

- vê-se a Requerente obrigada a recorrer à presente providência cautelar, como única forma de tutelar os seus direitos, obtendo uma decisão que embora provisória (a menos que seja decidida a inversão do contencioso como se requererá a seguir), consista numa tutela efectiva, como forma de se opor com eficácia à lesão dos seus direitos que, está em curso por via da dita exploração e que, só pode agravar os seus prejuízos, por via da não exploração dos referidos direitos, uma vez que está impedida de proceder a tal exploração, verificam-se por isso, todos os requisitos processuais que a lei exige, para o decretamento da presente providência.

No despacho de 19.5.2015 - fls. 325 a 332 - exarado pela Ex.ma Juíza, pode ler-se:

“[…] E nos termos do artigo 23º, nº1, al, e) do sobredito Decreto-Lei estão sujeitas a prévia concessão a instalação e exploração simultânea de equipamentos e de apoios de praia nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 63º que refere que são equipamentos os núcleos de funções e serviços que não correspondam a apoios de praia, nomeadamente restaurantes e snack-bares também designados por similares de empreendimentos turísticos.

O balneário aqui em causa está associado a um complexo de restaurante, bar e esplanada, que se apurou estar na titularidade de D………….. que não é parte na presente acção e cuja exploração foi concessionada pela AHR- Algarve.

Em face dos apontados factos e das citadas normas, verificámos que o que realmente fundamenta estes títulos de utilização são actos decisórios emanados por autoridades públicas no exercício de poderes administrativos que se, por um lado, implicam a produção de efeitos jurídicos concretos numa determinada situação individual, por outro lado, visam a prossecução de fins de interesse geral, surgindo estes na conclusão de um procedimento de natureza administrativa regido por regras específicas que escapam ao domínio privado do direito.

Ou seja, atendendo à pretensão aduzida, ponderada a factualidade aqui descrita e tendo em conta a roupagem normativa adequada à solução do pleito, conclui-se que a questão deste procedimento cautelar prende-se essencialmente com a (in)validade da(s) licença/concessão administrativa(s) de uso privativo da zona de praia denominada UB5 poente e de um balneário na praia de Monte Gordo, uma vez que se requer a nulidade “do negócio” de exploração e a reposição status quo anterior à emissão de tais licenças/concessões pela entrega à requerente dos espaços objecto da exploração que, na perspectiva de quem interpôs a presente providência cautelar, se atinge pela declaração de nulidade de uma dita transferência entre os requeridos B………… e “C………, Lda.”.

Todavia, não podemos olvidar que o uso privativo de tais espaços foi atribuído mediante título(s) de utilização (licença ou concessão) emitidos por competentes entidades administrativas (A Capitania do Porto de Vila Real de Santo António e a AHR do Algarve), sob a égide de normas de direito público relativas a um regime substantivo especialmente aplicável, norteado pela prossecução de interesses públicos que têm de ser ponderados.

[…] Por tudo o exposto, e sem mais delongas, entende-se que tal matéria é da competência da jurisdição administrativa e fiscal, nomeadamente considerando o disposto no art.4º, nº1, do ETAF na parte em que dispõe que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução dos contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo (…)”

[…] Assim sendo, conclui-se que o diferendo em aberto é subsumível ao artigo 4º, nº1, al. f) do ETAF, pertencendo a resolução do conflito ao foro administrativo, deferindo-se a competência material aos Tribunais Administrativos.

[…] Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 577º, al. a), constitui excepção dilatória a incompetência, quer absoluta, quer relativa. Sendo o conhecimento de tal conhecimento oficioso (cfr. artigo 97º, nº1, do Código de Processo Civil).

Pelo exposto, sem necessidade de mais delongas, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 576º, nº1, e 2, 577º, al. a), 578º, 96º, 97º, nº1, 99º, nº1 e 64º do Código de Processo Civil, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta desta Instância Judicial (em razão da matéria) e, em consequência, absolvo da instância os requeridos B……….. e “C…………, Lda.”.

Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi a fls. 355 a 360, em 15.7.2015, proferido despacho onde, além do mais, se afirmou:

“…O objecto da acção (cautelar e principal) centra-se, pois, num puro contrato de direito privado - que, sem preocupações jurídicas de qualificação, designaremos de “cessão da exploração”, desconhecendo, porém, se tem efeitos temporários ou definitivos mediante o qual o primeiro requerido (o ex-cônjuge) terá transmitido para a sociedade requerida (de que o seu ex-cônjuge é igualmente sócio) o direito de exploração do apoio balnear (aluguer de toldos) e do balneário em causa, sem o consentimento da requerente.

Este contrato de “cessão de exploração” terá incluído, de acordo com a versão fáctica (que não juridicamente esclarecida) da requerente, a transmissão do direito de exploração e do respectivo título constitutivo de utilização privativa da parcela do domínio público ocupada pelo apoio balnear e pelo balneário em causa, por efeito da qual o adquirente (a sociedade requerida) terá ficado sub-rogado em todos os direitos e deveres do cedente (o requerido ex-cônjuge) no período de duração do prazo do respectivo título de utilização.

Estão em causa, porém, conteúdos do negócio que devem ser vistos em duas perspectivas diferentes: temos, por um lado, uma transmissão do direito de exploração do apoio de praia (toldos) e do balneário, que inclui todos os elementos (designadamente corpóreos) que estão afectos à actividade comercial em causa, de natureza puramente privada, à qual a Administração é absolutamente alheia; e por outro lado, a transmissão do direito de utilização do terreno público, que acompanhou o direito de exploração dos bens e equipamentos afectos à actividade, cuja alteração da titularidade, apesar de depender da vontade do seu primitivo titular, carece de autorização a conceder pela autoridade administrativa competente.

E esta transmissão do título de utilização privativa - título que, como se depreende dos elementos conhecidos nos autos, terá sido atribuído na forma de licença e não de “concessão” - dependia, de facto, de uma decisão de autorização por parte da autoridade administrativa competente (que terá sido emitida, pelo menos quanto ao apoio balnear), nos termos e ao abrigo do artigo 26.º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio.

Mas esta transmissão do título administrativo só interessa aos autos como (mais um) elemento da exploração (privada) transmitida: a licença administrativa (como todas as demais que eventualmente estivessem incluídas no negócio) sofre, afinal, uma vicissitude causada pela transmissão do direito de exploração (comercial) entre diferentes titulares.

[…] Nesta medida, não nos oferecem dúvidas que, nos termos em que este litígio nos é apresentado, a controvérsia envolve apenas os privados que são parte nesta causa (ou seja, os ex-cônjuges e a sociedade terceira) e que a discussão se cinge, tão somente, à validade do contrato celebrado entre os requeridos, mediante o qual o ex-cônjuge da requerente cedeu, sem o consentimento desta, o direito de exploração do apoio de praia (aluguer de toldos) do balneário (incluindo, no caso, o direito de utilização privativa conferido pelo respectivo título).

[…] As questões a decidir prendem-se, exclusivamente, com a (con)titularidade dos “direitos” de exploração transmitidos pelo ex-cônjuge para a sociedade requerida e com a validade deste negócio, por a requerente não lhe ter dado o seu consentimento; e à resolução delas é absolutamente inócua e indiferente (nestes autos) a vicissitude do título administrativo que legitima a utilização do espaço.

O que importará saber, afinal, à luz do pedido e da causa de pedir invocada, é se os “direitos” em causa (de exploração dos toldos e do balneário) pertenciam ou não ao património comum conjugal (ainda não partilhado) e se a sua transmissão carecia ou não do consentimento da requerente.

Tendo presente o exposto, não pode senão concluir-se que a relação material da qual emerge o litígio - titulada pela requerente, pelo seu ex-cônjuge e pela sociedade requerida, em relação à qual a Administração é absolutamente alheia - não tem natureza administrativa, mas sim exclusivamente privada: ela não tem sujeitos de direito público, em é regulada especificamente por normas de direito administrativo.

[…] E porque se verifica a sua incompetência material e absoluta, não pode o mesmo senão abster-se de conhecer do pedido e absolver os réus da instância, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 96º, 98.º, 99º, n.º 1, 278º, n.º 1, alínea a), 576º, n.º2, e 577º, alínea a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Decidindo:

Pelo exposto, julgo verificada a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e em consequência, absolvo da presente instância os requeridos B………… e “C………., Lda.”

Tendo também esta decisão transitado em julgado, foi ordenada a remessa do processo a este Tribunal de Conflitos - art. 111º, nº1, do Código de Processo Civil.

Foi proferido pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto o douto Parecer de fls. 407 a 409, afirmando:

“[…] No caso presente, a Autora pretende a declaração de nulidade de um contrato celebrado entre os Rs. B………. e a Sociedade “C……….., Lda. “sobre os direitos de concessão de um apoio balnear (toldos) e de um balneário, sito na Praia de Monte Gordo. Já que entende que é contitular desses direitos, os quais fazem parte do património comum conjugal ainda não partilhado entre ela e o 1º R., seu ex-marido. Não existe aqui qualquer relação jurídico-administrativa e o litígio é, manifestamente, de direito privado não sendo a Administração parte na relação jurídica controvertida.
Certamente, só por lapso o Tribunal judicial se declarou incompetente.
Por tudo o expendido, somos de parecer, com respeito por melhor opinião, que o presente conflito de jurisdição deve ser dirimido com atribuição de competência aos tribunais comuns nomeadamente, à Instância Local de Vila Real de Santo António, Secção de Competência Gen. - J2- Comarca de Faro”.


***
Está em causa saber se compete à jurisdição comum, ou à jurisdição administrativa, apreciar o Procedimento Cautelar Comum - art. 362º do Código de Processo Civil - em que a Requerente, reportando-se a um apodado “Contrato Promessa de Partilha de Bens por Divórcio”, celebrado em 22.5.1997, questiona o seu incumprimento por parte do requerido seu ex-marido, mormente, por considerar que do acervo a partilhar faz parte o direito à exploração de um balneário e toldos que existe e funciona em anexo ao Restaurante ……….., na praia de Monte Gordo.

Alega que, entre os direitos que integram o património comum do casal e que ainda revestem essa natureza, avulta o direito de concessão, atribuído pelo Domínio Público Marítimo, actualmente sob a administração da Administração Hidrográfica do Algarve IP, entidade esta sob a tutela do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que permite aos respectivos titulares (os agora ex-cônjuges) o direito de explorarem a utilização de toldos em determinada área da praia de Monte Gordo, pelos banhistas e frequentadores da dita praia.

Alegando que a concessão dos toldos, quer a do balneário, se encontram, sem o seu consentimento, a ser exploradas por uma sociedade comercial da qual é sócio minoritário o Requerido ex-marido, e a Requerida, C……….., Lda.”, pretende que se considere violado o citado contrato-promessa, que impetra seja declarado nulo, cessando a exploração e revertendo a situação ao estado anterior à celebração do negócio celebrado pelos requeridos.

Vejamos:

A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.2.1990, in BMJ, 394-453, e de 9.5.95, in CJSTJ, 1995, II, 68, entre vários.

Estabelece o art. 64º do Código de Processo Civil que - “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1º - 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina:

“São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei).
Constam das várias normas que prevêem a tal respeito.
Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes).
A competência do tribunal - ensina Redenti (vol. I. pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

Determinando-se a competência material pelo pedido do demandante e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir), como defende Manuel de Andrade, a questão da competência material, e logo da jurisdição competente, apenas terá que ser analisada à luz da pretensão do Autor/requerente, tal como por ele foi configurada.

A causa de pedir, “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar” - Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”. 2º, 375.

Decorre do art. 212º, nº3, da Constituição da República – “Compete aos Tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais”.

Em comentário a este normativo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição, pág. 815:

“Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (nº3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico- civil”.
Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.

Decorre do preceito constitucional citado, que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual, ou seja, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional - arts. 64º do nCódigo de Processo Civil e 40º, nº1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOSJ), aprovada pela Lei nº62/2013, de 26.8.

No que respeita à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, doravante - ETAF - aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (com as alterações das Leis 4-A/2003, de 19 de Fevereiro;107-D/2003, de 31 de Dezembro; 1/2008, de 14.1; 2/2008, de 14.01; 26/2008, de 27.06; 52/2008, de 28.08 e 59/2008, de 11.9).

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no art. 1º, nº1, estatui:

“Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

J. C. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, pág. 79, define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

No art. 4º do ETAF, enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido art. 1º, outras em desconformidade com ela.

Aquele normativo define, no âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, além de outras, a competência para apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal, ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I, págs. 26 e 27, observam:

“É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.

E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições”.

O actual ETAF eliminou o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido. O art. 4º delimita o âmbito da jurisdição administrativa.

O critério material de distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 9ª edição, 103, e Margarida Cortez, “Responsabilidade Extracontratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma”, 258.

Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, págs. 117/118, sustenta:

“Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.

Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.

Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº1, Junho 1994, págs. 55 e ss.)”.

O art. 4º do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa.

O litígio relaciona-se com o alegado incumprimento de um Contrato Promessa de Partilha de Bens, celebrado entre os ex-cônjuges, pese embora se discuta se, do elenco patrimonial partilhando, faz parte uma concessão administrativa, tendo por objecto a exploração balnear de toldos e de um balneário: não convoca a aplicação de normas de direito público reguladoras de aspectos específicos do respectivo regime substantivo, pelo não é da competência dos tribunais administrativos.

O que em primeira linha se discute é a relação jurídica dimanada do contrato preliminar, o contrato promessa de partilha dos bens do casal, e não a validade da concessão atribuída pela autoridade da administrativa competente.

A competência dos Tribunais Administrativos é nodalmente delimitada no art. 4º do ETAF, cumprindo realçar, para o caso, a al. f) do seu nº1, nos termos da qual é conferida competência aos Tribunais Administrativos para a apreciação de “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.

A decisão do procedimento cautelar, atenta a causa de pedir invocada e os pedidos formulados, não envolve a apreciação de qualquer relação jurídico-administrativa definida nos termos preditos, antes sendo a controvérsia dirimível no quadro de normas de direito privado.

Ademais, a relação jurídico-contratual invocada como causa de pedir e cuja eficácia se visa acautelar só, indirectamente se relaciona com a concessão cuja validade não está em causa, antes a Requerente pretende que subsista como bem do ex-casal, apenas questionando a validade da relação jurídica que alega existir entre os requeridos, por exprimir violação do contrato-promessa invocado, nem sequer se sabendo, por inexistência de contraditório, se tal alegação virá a ser considerada provada.

Nesta perspectiva é competente a jurisdição comum. Por assim ser a apreciação do feito deve ser cometida ao Tribunal onde a acção foi intentada.

Decisão.

Termos em que se resolve o conflito de jurisdição, considerando competente em razão da matéria, a jurisdição comum - Instância Local de Vila Real de Santo António, Secção de Competência Gen.- J2 - Comarca de Faro - para o conhecimento do procedimento cautelar

Sem custas.

Lisboa, 7 de Junho de 2016. – António José Pinto da Fonseca Ramos (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Pires Henriques da Graça – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.