Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:027/19
Data do Acordão:11/07/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:TRIBUNAL DOS CONFLITOS.
DIVERGÊNCIA ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E UM TRIBUNAL.
Sumário:Não existe um efectivo conflito de jurisdição, a dirimir pelo Tribunal dos Conflitos, entre o despacho do MºPº que remeteu uma «impugnação judicial» – do acto aplicador de uma coima no âmbito de um processo de contra-ordenação – para o TAC de Lisboa e a pronúncia deste tribunal, que declarou a incompetência da jurisdição administrativa, «ratione materiae», para o conhecimento do assunto.
Nº Convencional:JSTA000P25143
Nº do Documento:SAC20191107027
Data de Entrada:05/21/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO – PROCURADORIA DA REPÚBLICA DA COMARCA DE LISBOA – PROCURADORIA DO JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LISBOA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA, U.O.3.
RECORRENTE: A........, LDA
RECORRIDO: IMPIC-INSTITUTO DOS MERCADOS PÚBLICOS DO IMOBILIÁRIO E DA CONSTRUÇÃO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 27/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos:
A A……, Ld.ª, apresentou nos serviços do IMPIC (Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção) uma «impugnação judicial» – dirigida ao Tribunal Judicial da comarca de Lisboa – do acto emanado dessa entidade que, em 28/5/2018, lhe aplicara uma coima no âmbito de um processo de contra-ordenação por ofensa do art. 4º, n.º 1, do DL n.º 12/2004, de 9/1.
Então, o IMPIC remeteu o processo à Procuradoria da República naquela comarca, em observância do art. 62º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações. Mas o MºPº, em vez de apresentar os autos ao juiz – como tal norma prevê – decidiu remetê-los ao TAC de Lisboa por considerar que o assunto era do foro administrativo.
Já no TAC, a Mm.ª Juíza declarou a jurisdição administrativa incompetente, «ratione materiae», para conhecer a referida impugnação judicial. E, após trânsito, remeteu o processo, ex officio», ao Tribunal dos Conflitos.
Por último, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta neste tribunal emitiu douto parecer no sentido de que, ao menos por ora, inexiste um qualquer conflito de jurisdição a solucionar.

Cumpre decidir.
«Ante omnia», cumpre ver se estamos perante um genuíno conflito de jurisdição pois, se ele faltar, faltará também o objecto necessário do tipo de pronúncias que este tribunal emite.
Os conflitos a dirimir pelo Tribunal dos Conflitos recaem sempre sobre a competência decisória em razão da matéria e estabelecem-se normalmente entre dois tribunais de ordens jurisdicionais diferentes. Mas tais conflitos também podem surgir entre o poder judicial e a Administração ou, até, entre autoridades administrativas distintas («vide» o art. 109º, n.º 1, do CPC). Portanto, casos há em que um tribunal, por um lado, e uma autoridade administrativa, por outro, emitem pronúncias opostas sobre a competência material para enfrentar e resolver um determinado assunto. E, para que então haja um verdadeiro conflito, é mister que tais pronúncias tenham adquirido uma relativa definitividade: quanto ao tribunal, porque a sua estatuição já transitou; quanto à autoridade administrativa, porque a sua decisão entretanto se estabilizou como caso decidido ou resolvido.
Ora, nenhuma das colocadas hipóteses ocorre na situação vertente. O Magistrado do MºPº que remeteu o expediente para o TAC não é uma autoridade administrativa; nem então proferiu uma decisão tendencialmente consolidada – que o colocasse, perante o TAC, numa relação de recíproca polaridade. E ele também não representa o Tribunal Judicial da comarca de Lisboa nem se lhe substitui – pelo que não emergiu, «in hoc casu», um qualquer conflito entre esse tribunal e o TAC.
O que simplesmente sucedeu foi que o MºPº naquele tribunal comum provisoriamente supôs que o processo contra-ordenacional não devia ser apresentado ao respectivo juiz – por dever sê-lo noutra jurisdição. Mas, a partir do momento em que o TAC se declarou – com a solidez do trânsito – incompetente para o efeito, há-de o processo retornar à procedência para que o MºPº observe, na sequência do havido caso julgado, o disposto no citado art. 62º, n.º 1. E o conflito negativo só poderá surgir depois – se o juiz do tribunal comum reiterar a ideia de que a contra-ordenação dos autos é subsumível ao art. 4º, n.º 1, al. l), do ETAF.
Assim, e como a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta certeiramente assinalou, não existe, ao menos por enquanto, um conflito que devamos solucionar. Estamos, pois, impedidos de apreciar a problemática da competência – que, embora já desenhada nos autos, ainda não foi objecto de decisões opostas. Assim, a Mm.ª Juíza do TAC não devia ter remetido o processo para este Tribunal dos Conflitos; pois devia tê-lo enviado para a Procuradoria da República na comarca de Lisboa a fim de que aí recebesse a propulsão normal.

Nestes termos, acordam em não conhecer do invocado conflito e em determinar que o processo volte ao TAC, para aí receber o destino conveniente.
Sem custas.

Lisboa, 7 de Novembro de 2019. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Nuno Manuel Pinto Oliveira – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria de Fátima Morais Gomes – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Ilídio Sacarrão Martins.