Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 051/15 |
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Data do Acordão: | 05/12/2016 |
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Tribunal: | CONFLITOS |
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Relator: | MARIA DO CÉU NEVES |
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Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO |
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Sumário: | São da competência dos tribunais comuns, as acções que têm como objecto, o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo. |
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Nº Convencional: | JSTA000P20524 |
Nº do Documento: | SAC20160512051 |
Data de Entrada: | 12/29/2015 |
Recorrente: | A..... E MULHER B......, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CÍVEL - J7 DA COMARCA DE LISBOA E O TAF DE CASTELO BRANCO |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Área Temática 1: | * |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | CONFLITO Nº 51/15 Acordam no Tribunal de Conflitos A…….. e B…….., devidamente identificados nos autos, intentaram, primeiramente, na Instância Local, Secção Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra a C……….., SA, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 18.000,00€ acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, tendo este Tribunal julgado verificada a excepção absoluta, em razão da matéria, para conhecer do objecto da acção. Pese embora, ter sido pedida a remessa oficiosa para o TAF de Castelo Branco, tal não veio a efectuar-se, tendo os AA intentado neste Tribunal, nova acção com os mesmos fundamentos e o mesmo pedido. Igualmente o TAF de Castelo Branco se declarou incompetente em razão da matéria, motivo pelo qual os AA suscitaram o presente conflito, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal de Conflitos Alegam, os AA, em síntese: · A Ré é a empresa concessionária da exploração da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) em regime de concessão de serviço público; · Na prossecução dos seus objectivos, e em conformidade com a Licença de Estabelecimento da Direcção Geral de Energia e Geologia, procedeu à construção da linha de transporte de electricidade denominada de “Falagueira-Castelo Branco ½”; · No âmbito dessa construção foi necessário proceder à constituição da servidão nas propriedades sitas em ……. e ………, na freguesia de ………, concelho de Vila Velha de Ródão; · Com referência a essas propriedades, os AA foram proprietários dos prédios rústicos inscritos na matriz predial, sob os artºs 95 secção AH denominado …….., 100 secção AH denominado ……., 99 secção AH denominado ………, 98 secção AH denominado …….., 102 secção AH denominado ……… e 96, secção AH denominado ………, todos melhor identificados nos autos; · No dia 18/03/2013 foi elaborada e assinada a Ficha de Cadastro referente aos prédios acima referidos, donde consta: “Foi efectuada a visita ao terreno, onde se identificaram as estremas. Ficou acordado o valor total de indemnização de 18.000,00€ pelo estabelecimento de servidão e por todos os prejuízos causados na faixa de protecção”; · Pela servidão a constituir sob os prédios referenciados supra foi acordado o valor de indemnização de 18.000,00€, sendo que até à presente data, a Ré não pagou aos AA a referida quantia. * Cumpre apreciar e decidir.2. A factualidade com relevo para a resolução do conflito a decidir e que resulta dos autos, é a supra referida em sede de relatório. * Estamos perante um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição comum e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, decisões que, mutuamente, declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP). Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas. Estabelecendo o artº 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (também o artº 64º do CPC). Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Também o artº 1º, nº 1 do ETAF estatui que, “os tribunais administrativos e fiscais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”. A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição. A determinação do tribunal competente em razão de matéria, é aferida em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os respectivos fundamentos, ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial, atendendo-se ainda à identidade das partes, pretensão formulada e respectivos fundamentos, sendo, no entanto, nesta fase, indiferente o juízo de prognose acerca da viabilidade ou não da acção, face à sua configuração - cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28-09-2010, processo nº 2/10 de 29-03-2011, processo nº 2510, de 02-03-2011, processo 9/10 e de 09-09-2010, proc. 011/10. É, pois, inequívoco que a competência é apreciada em função da causa de pedir e pedido, aferidos à data da propositura da acção, sendo que a indemnização peticionada pelos AA, consubstanciada nos termos do disposto nos artºs 37º e 38º do DL nº 43335 de 19/11/1960 [cuja quantia foi aceite, pagar, pela Ré] é fruto dos prejuízos sofridos em resultado da constituição da servidão e exploração de linha de alta tensão. Vejamos, pois, a quem compete apreciar e decidir da matéria em causa, sendo que, sobre esta questão, o Tribunal de Conflitos já foi chamado a intervir, como se constata do Acórdão proferido em 19 de Junho de 2014 [e nos ali referidos] que aliás esteve subjacente à decisão proferida no TAF de Castelo Branco, que afastou a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais no caso sub judice. Consignou-se neste arresto: «O âmbito da jurisdição administrativa encontra-se definido no art. 4° do ETAF onde se estatui que compete aos tribunais administrativos “a apreciação de litígios que tenham por objecto” as situações ali tipificadas, sendo que a decisão em causa nos presentes autos identificou as alíneas d) e i) - cometendo aos Tribunais Administrativos a apreciação dos litígios que tenham, nomeadamente, por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos, bem como a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Importa, assim, interpretar e caracterizar adequadamente a acção proposta, definindo e delimitando, desde logo, o respectivo objecto, de modo a determinar se estamos perante acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, imputada a entidades públicas ou a sujeitos privados - nomeadamente concessionários de serviço público - que hajam cometido o facto lesivo no exercício de poderes administrativos - cujo regime seja moldado em função do regime específico da responsabilidade civil do Estado e dos demais entes públicos - e, portanto, face a um litígio enquadrável nas referidas alíneas d) e i) do art. 4°, n°1, do ETAF. A acção proposta é tipicamente uma acção destinada a efectivar, em exclusivo, a obrigação de indemnizar da entidade demandada, resultante de um acto que o próprio A. configura como lícito - envolvendo a constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica em alta tensão, enquadrável no disposto no art. 37° do DL 43335, a qual teria causado danos, consistentes na desvalorização do prédio afectado. Saliente-se que, no caso dos autos, o objecto da acção reporta-se exclusivamente à efectivação de pretensão indemnizatória fundada na obrigação de indemnização de danos causados por facto lícito, distinguindo-se claramente, quer dos litígios em que se peticiona à cabeça o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel afectado pela actividade da entidade demandada, quer daqueles em que o demandante — qualificando como ilegal e atentatória da sua propriedade a actuação da entidade demandada - pede que a mesma seja condenada a remover os equipamentos, objectos ou instalações que ilicitamente teria instalado no prédio pertencente ao A., abstendo-se do cometimento no futuro de outros actos lesivos de tal direito (cfr. a situação objecto do litígio subjacente ao Ac. de 10-07-2012, proferido no conflito 03/12); Por outro lado, importa realçar que a R. é demandada na qualidade de concessionária do serviço público de distribuição de energia eléctrica, integrando as estruturas implantadas - que originaram a constituição da servidão administrativa em causa e geraram os danos a ressarcir - a rede nacional de distribuição, explorada pela referida entidade como concessionária. Estamos, deste modo, confrontados com as consequências lesivas de um acto praticado por uma entidade concessionária, no exercício dos poderes administrativos que lhe são conferidos no âmbito da relevante função de interesse público que lhe está cometida em sede de implantação da rede eléctrica nacional, aplicando-se a tal obrigação de indemnizar o regime específico da responsabilidade do Estado, nos termos do art. 1º, nº 5 da Lei 67/07. 5. Esta caracterização do objecto e fundamento da acção — que levou as instâncias a incluírem a presente acção no domínio da jurisdição administrativa — poderia efectivamente, numa análise liminar, levar a supor que ela se situava na competência dos Tribunais administrativos e fiscais, por se reportar à apreciação jurisdicional de uma relação jurídica administrativa, traduzida numa pretensão indemnizatória formulada contra entidade concessionária, por actuação situada no âmbito dos respectivos poderes administrativos, regida por normas de Direito Administrativo. Porém, a resolução cabal da questão de competência suscitada nos presentes autos exige ainda que se proceda a uma segunda ordem de ponderações, destinadas a apurar se o critério que rege a determinação da competência material não estará abrangido por regime especial, não derrogado pelas normas gerais, atrás referenciadas, e que a situe antes no domínio das competências materiais dos tribunais judiciais — nomeadamente por assimilação ao regime que tem vigorado em sede de processo de expropriação por utilidade pública, no que respeita especificamente à determinação da justa indemnização devida pela ablação da propriedade — matéria que tradicionalmente tem estado entre nós, e até agora, cometida aos tribunais judiciais, sem que hajam procedido as dúvidas que, em sede constitucional, se suscitaram quanto a esta questão. Como se considerou, por exemplo, no Ac. do TC nº 965/96: O regime da exposição de bens imóveis dos cidadãos por motivos de utilidade pública, com a supressão pura e simples do direito de propriedade dos particulares (se não for possível a aquisição amigável desses bens), consagrado no Código das Expropriações, prevê uma primeira fase puramente administrativa, regulada no Título II do referido Código. Tal fase compreende a declaração de utilidade pública, prevista no artigo 11º, que implica um processo, regulado nos artigos 12º, 13º (no caso de urgência na expropriação) e 14º, e culminou com a posse administrativa, consagrada nos artigos 17º a 21º. Nesta fase processual pode, na verdade, falar-se em relação jurídico-administrativa, por intervir o Estado Administração, numa típica acção de lesão da esfera jurídica dos particulares, com vista à prossecução de um interesse público. Porém, quando esta fase termina e, esgotada a possibilidade de acordo com o expropriado, se dá início à fase da expropriação litigiosa, parte da doutrina entende haver uma alteração do enquadramento jurídico da situação. Na verdade, a fase de expropriação litigiosa compreende, como momento fundamental, a arbitragem (artigos 37º e 42º e ss. do Código das Expropriações). Finda a arbitragem, o processo é remetido ao tribunal competente, para ser adjudicada ao expropriante a propriedade e a posse e, simultaneamente, ordenada a notificação da decisão arbitral, quer ao expropriante, quer aos diversos interessados (nº 4 do artigo 50º do citado Código). Dessa arbitragem cabe recurso, previsto e regulado nos artigos 51º e 56º e ss. do mesmo diploma, para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua extensão. Segundo parte da doutrina, estar-se-á, então, na presença de uma relação jurídica suscitada por um conflito entre os interesses dos sujeitos envolvidos na fixação do valor global da indemnização. A composição desse conflito (entendido como um verdadeiro conflito de interesses) deverá ser, nessa perspectiva, da competência dos tribunais judiciais, na medida em que estará em causa a determinação do montante da “justa indemnização” pelo sacrifício do direito de propriedade do particular e é vedada à jurisdição administrativa a competência para dirimir litígios relativos a direitos reais de natureza privada [artigo 4º, nº1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº129/84, de 27 de Abril]. Para quem assim pense, já não estará em causa, neste momento, em primeira linha, o interesse colectivo prosseguido pelo Estado com a expropriação. O Estado não surgirá, na determinação do montante indemnizatório, munido de poderes de autoridade. Tratar-se-á agora da conversão do direito de propriedade, extinto em consequência da expropriação, num valor pecuniário, que conferirá ao litígio emergente um cariz eminentemente privado (cf. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, pp.154/155). Mesmo que assim se não entenda, segundo uma outra linha argumentativa sempre se admitirá a competência dos tribunais comuns por ter sido esta a nossa tradição jurídica, desde a entrada em vigor da primeira lei sobre o processo expropriativo (a Lei de 23 de Julho de 1850), intervindo sempre o juiz comum para decidir a matéria da indemnização (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 746/96, de 29 de Maio de 1996, inédito, e na doutrina, Alves Correia, ob.cit., passim, a propósito dos aspectos históricos do conceito de expropriação; e António Pais de Sousa e Manuel Fernandes da Silva, Da Justa Indemnização nas Expropriações de Utilidade Pública, 1980, dando notícia, a p. 27 e ss., da legislação portuguesa e das características da sua evolução, e considerando aquela lei de 1850” … a trave-mestra e ponto obrigatório de referência de todo o direito legislado posteriormente sobre expropriação”). Em suma: a consideração de que a relação jurídica em análise não possuirá natureza administrativa permitiria concluir, desde logo, que as normas em crise não violariam o disposto no artigo 214º, nº 3, da Constituição. Mas, também, se se perfilhar um outro entendimento, a inserção, na 2ª Revisão Constitucional, da actual redacção do nº 3 do artigo 214º não excluí, em absoluto, a possibilidade de manter nos tribunais judiciais a competência para julgar questões de direito administrativo. Uma parte da doutrina sustenta mesmo que o nº 3 do artigo 214º da Constituição apenas visou a criação “tribunais comuns” em matéria administrativa e não a criação de uma reserva material absoluta dos tribunais administrativos. Assim, segundo Vieira de Andrade, da “definição do âmbito-regra (que corresponde à justiça administrativa em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições – por exemplo, seria inconstitucional a opção do legislador ordinário pelo sistema italiano, remetendo para os tribunais judiciais o julgamento de todas as questões relativas a direitos subjectivos dos particulares”. Porém, acrescenta o autor, “não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas, sendo certo que essas “remissões” orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo por isso, incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo”. (cf. Direito Administrativo e Fiscal, 1995, p.11). Por fim, mesmo que não se rejeite que o artigo 214º, nº 3, da Constituição atribui aos tribunais administrativos uma reserva material absoluta de jurisdição, ainda se terá de admitir que, em casos excepcionais, ditados por razões constitucionalmente relevantes, é possível atribuir aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões de direito administrativo (cf., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs, 607/95, D.R., II Série, de 15 de Março de 1996, e 746/96, citado). Assim, da alegada natureza administrativa do presente litígio, não resultaria, necessariamente, a inconstitucionalidade das normas em crise. 6. Note-se que a constituição da presente servidão administrativa nada tem a ver com a anterior pendência de procedimento expropriativo: ou seja, não se trata manifestamente de servidão administrativa cuja constituição se enquadre ou seja ainda decorrência de uma expropriação, nos termos previstos no art. 8° do Código das Expropriações, mas de servidão constituída sem precedência de qualquer acto expropriativo (estabelecendo o n°3 daquele preceito legal que à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial). No caso ora em apreciação, os AA. trataram de efectivar o seu direito à indemnização pelos danos resultantes da constituição da servidão administrativa através da imediata propositura de uma acção condenatória, na forma ordinária, sem que lançassem mão da arbitragem prevista no art. 37º do DL 43335 — norma reguladora da fixação da contrapartida indemnizatória atinente à constituição de uma servidão no quadro da concessão respeitante à Rede Eléctrica Nacional, nos termos da qual os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”. O valor destas indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados” (corpo do artigo 38°). E, relativamente à matéria dos recursos respeitantes à fase de arbitragem, dispõe o art. 42° desse diploma legal que das decisões proferidas pelos árbitros haverá sempre recurso, nos termos do artigo 8° da Lei nº 2063, de 3 de Junho de 1953, esclarecendo o § único que o prazo para o recurso é de oito dias, a contar da notificação da decisão arbitral feita pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos. Ou seja: não estamos aqui confrontados com um recurso jurisdicional de decisão arbitral - caso em que a competência dos tribunais judiciais se poderia fundar, sem esforço, numa qualificação como dinâmica (para o actual Código das Expropriações) da remissão que o citado art. 42º historicamente fazia para a Lei 2063, reguladora, em 1953, dos recursos em matéria de expropriações por utilidade pública (veja-se o Ac. de 5/6/07, proferido pela Relação de Coimbra no P. 269/06.7TBALB-A.C1) — mas perante uma acção autónoma, em que se visa, nos termos do processo comum, efectivar a obrigação de indemnizar do concessionário por danos (desvalorização do imóvel afectado) decorrentes da constituição de servidão administrativa, cuja legalidade se não controverte. Na verdade, no caso dos autos, embora a constituição da servidão administrativa em causa nada tenha a ver com a anterior pendência de um processo de expropriação - não tendo a servidão de passagem aérea sido imposta como decorrência de um precedente acto expropriativo - nem tendo os AA lançado mão do procedimento arbitral previsto no art. 37° do DL 43335 — de configuração essencialmente equiparável ao processo expropriativo, nomeadamente na fase de recurso da decisão arbitral (art. 42° desse diploma legal) optando antes pela propositura de uma acção de condenação, na forma de processo comum, — o que é facto é que o objecto desta acção visa, em termos substanciais, o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário do prédio serviente pela oneração imposta ao seu direito de propriedade, implicando substancial degradação do valor venal do imóvel: tal como ocorre na fase do processo expropriativo tradicionalmente atribuída aos tribunais judiciais, o objecto da presente acção visa apurar e efectivar a obrigação de indemnização de uma entidade que exerce funções administrativas por acto lícito, que determinou a ablação ou oneração da propriedade em nome da realização de um interesse público, gerando uma desvalorização do bem - que carece de ser ressarcida, de modo a assegurar-se a tutela efectiva do direito de propriedade. Ora, deverá considerar-se que a competência atribuída aos tribunais judiciais em sede de arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário lesado com actos de prossecução lícita do interesse público é uma competência determinada em razão da forma de processo, só abrangendo as pretensões que devam ser apreciadas no âmbito da especial tramitação que caracteriza o processo expropriativo, apenas competindo aos tribunais comuns a apreciação dos recursos interpostos de decisões arbitrais (art.38°, n°1, do C. Expropriações)? Ou pelo contrário, numa perspectiva mais abrangente e substancialista, deverá antes entender-se que compete também aos tribunais judiciais a apreciação e julgamento dos litígios que incidam sobre o arbitramento da justa indemnização ao proprietário dos bens afectados pela lícita ablação ou oneração da propriedade, em nome da realização do interesse público - cabendo-lhes a respectiva preparação e julgamento independentemente da forma do processo desencadeado pelo lesado: ou seja, mesmo que - como sucedeu no caso dos autos - ele tenha optado pela propositura de uma acção de condenação, tramitada na forma comum, em vez de ter desencadeado o procedimento de arbitragem (previsto nos arts. 37º e 42º do citado DL 43335) equiparável à peculiar tramitação do processo de expropriação, obtendo primeiramente uma decisão arbitral - e só desta recorrendo para o tribunal judicial? Considera-se que é esta segunda a solução abrangente que deve ser adoptada, por se afigurar que a competência tradicionalmente atribuída aos tribunais judiciais em sede de arbitramento da justa indemnização ao proprietário, perspectivada como meio de tutela efectiva desse direito fundamental, não deve permanecer circunscrita e delimitada em função do tipo ou da tramitação do processo, abrangendo também os casos em que o lesado optou pela propositura de acção comum (e não apenas aqueles em que a causa comportou a prolação inicial de um juízo arbitral, do qual se pode recorrer para o tribunal comum competente. É este entendimento amplo que, aliás, tem encontrado apoio na jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal de Conflitos: veja-se a situação dirimida no Ac. de 20-10-2011, proferido no conflito 010/11, em que se considerou competente a ordem dos tribunais judiciais para apreciar a questão do pagamento de uma indemnização pela constituição de uma servidão non aedificandi por virtude da expropriação, apesar de esta pretensão se mostrar efectivada em processo comum. Em idêntico sentido, pode citar-se o Ac. de 24-05-2011, proferido no conflito 02/11, em que se considerou pertencer à jurisdição dos tribunais judiciais a fixação da justa indemnização devida ao expropriado, num caso em que havia sido proposta acção condenatória em que se não questionava a legalidade do acto ablativo da propriedade, apenas se pretendendo a determinação do montante concreto da justa indemnização a atribuir ao particular, fixada segundo critérios que se prendem essencialmente com o valor real dos bens ou do direito pertencente ao interessados. Saliente-se ainda que em acções, perfeitamente análogas à dos presentes autos, em que se peticiona em processo comum, tramitado desde o seu início perante os tribunais judiciais, o arbitramento da justa indemnização devida pelos danos decorrentes da constituição lícita de servidões administrativas, vem sendo apreciado o respectivo mérito, inclusivamente pelo STJ, que (ao menos de modo implícito) admite a competência material da ordem dos tribunais judiciais para o respectivo julgamento (cfr. por ex., o ac. de 4/10/11, proferido no P. 3409.05.0TbPRD.P1.S1, in CJ n°235, pag. 59; e o ac. de 10/11/11, proferido no P. 1168/06.8TBMCN.P1.S1). Situam-se, pois, no âmbito da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que - independentemente da forma de processo escolhida pelo autor e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado - têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo». * Ora, adoptando o discurso fundamentador do Acórdão transcrito e tendo em conta que a pretensão dos AA consiste no pagamento de uma indemnização resultante do disposto nos artigos 37º e 38º do DL nº 43335 de 19 de Novembro de 1960, por alegados danos resultantes da constituição da servidão e exploração da linha de alta tensão que passa nos terrenos supra identificados, de que os AA eram proprietários à data da elaboração da Ficha de Cadastro através da qual a Ré assumiu ser devedora da quantia ora peticionada, é evidente à luz do disposto no nº 1 do artº 4º do ETAF [na redacção, à data em vigor] que a competência em razão da matéria, para conhecer da presente acção pertence à jurisdição comum.3. Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais comuns. Sem custas Lisboa 12 de Maio de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – José Tavares de Paiva – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – António da Silva Gonçalves – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira. |