Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:03805/22.8T8VCT.G1.S1
Data do Acordão:04/17/2024
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Sumário:I - Compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer da causa em que vem pedida a condenação da Caixa Geral de Pensões a: i) reconhecer a existência de uma união de facto entre a autora e determinado falecido subscritor daquela entidade; ii) o reconhecer-lhe o direito à correspondente pensão de sobrevivência; iii) ao pagamento das prestações vencidas e com juros;
II - Compete aos tribunais cíveis da jurisdição comum conhecer da causa que que a autora pede que se condene a ré a reconhecer que era ela e não esta que vivia em união de facto, há mais de dois anos, com o falecido subscritor da CGA.
Nº Convencional:JSTA000P32207
Nº do Documento:SAC2024041703805
Recorrente:AA
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P.
Recorrido 2:BB
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: *
recurso

**

1. Relatório:


AA intentou em 15/11/2022, no Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo -Juiz 1, ação declarativa com processo comum contra: -


- a Caixa Geral de Aposentações, I.P.; e ----


- BB, ----


peticionando a condenação da: ------

- 1.ª ré a reconhecer que a autora viveu em união de facto, com vivência em comum de entreajuda e partilha de recursos, com o falecido CC desde 20 de junho de 2014 até … de …. de 2020, com última morada na Rua ..., ...;

- 1.ª ré a reconhecer o direito da autora à pensão de sobrevivência por morte de CC, condenando-a ao seu pagamento;

- 1.ª ré a pagar à autora as pensões de sobrevivência que se venceram nos meses de maio de 2022 a novembro de 2022, e ainda os valores vincendos, com juros de mora à taxa de 4%/ano, contados desde o vencimento de cada uma das indicadas pensões mensais;

- 2.ª ré a reconhecer que a autora viveu em união de facto, com vivência em comum de entreajuda e partilha de recursos, com o falecido CC desde 20 de junho de 2014 até … de … de 2020, com última morada na Rua ..., ....”.

Alega, para tanto e em suma, ter vivido em comunhão de cama, mesa e habitação com CC, desde 20/06/2014 e até à data do falecimento deste, ocorrido em .../.../2020. Pretendendo que as rés sejam condenadas a reconhecer que vivia em união de facto com CC, à data do falecimento deste e há mais de dois anos, reclama o direito à pensão de sobrevivência por óbito do mesmo.


Por despacho de 24/11/2022, o Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 1, atribuindo a competência à jurisdição administrativa, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da ação, indeferindo liminarmente a petição inicial.


Inconformada com aquele despacho, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães.


Por despacho de 12/01/2023, o Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 1, admitiu o recurso e determinou a citação das rés nos termos do art. 641.º, n.º 7, do CPC.


Citada em 08/02/2023 a ré Caixa Geral de Aposentações afirmou a competência material do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo para o conhecimento da causa.


Por acórdão de 04/10/2023, o Tribunal da Relação de Guimarães, 2.ª Secção Cível, julgou o recurso totalmente improcedente, confirmando a decisão recorrida.


A autora, notificada, interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do art. 101.º, n.º 2, do CPC e dos art. 2.º, das als. a) e c) do art. 3.º e do n.º 1 do art. 9.º, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro, para efeitos de determinação do tribunal competente em razão da matéria.


Por despacho de 01/02/2024, o Tribunal da Relação de Guimarães, admitiu o recurso e determinou a subida dos autos ao Tribunal dos Conflitos.

2. Parecer do Ministério Público:


Neste Tribunal, o Digno Procurador-geral Adjunto na vista a que alude o art. 18.º, n.º 3, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, emitiu parecer no sentido de que os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal são os competentes para conhecer dos pedidos formulados contra a Caixa Geral de Aposentações e os Tribunais comuns os competentes para apreciar o pedido contra a ré BB.

3. Objeto do recurso:


Cumpre definir aqui qual é a jurisdição competente em razão da matéria para conhecer da pretensão da autora de que as rés sejam condenadas a reconhecer que vivia em união de facto, há mais de dois anos, com CC, quando este faleceu.


4. Fundamentação:

a. o direito:

Da arquitetura constitucional e do quadro orgânico, estatutário e adjetivo que a desenvolve, resulta que aos tribunais judiciais comuns está atribuída a denominada competência residual. Que, na expressão do legislador, se traduz no poder-dever de conhecer das “causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Resulta ainda que, na ordem dos tribunais judiciais comuns, aos juízos cíveis compete conhecer das causas que não estejam atribuídas a tribunais ou juízos “dotados de competência especializada”.


Assim, não cabendo uma causa na competência legal e especificamente atribuída a outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum.


E que na ordem dos tribunais administrativos e fiscais, a competência residual para dirimir “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” recai nos tribunais administrativos


Estabelece a Constituição da República - art. 212.º, n.º 3 – e regulamenta a Lei de Organização do Setor Judiciário/LOSJ – art. 144.º, n.º 1 que aos tribunais administrativos e fiscais compete “dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.


Segundo José Carlos Vieira de Andrade1na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)


A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.


Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.


Ensinava Diogo Freitas do Amaral2 que a relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.


Dispõe o art. 1.º, n.º 1, do ETAF (na redação da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.


Nos termos do art. 4.º do ETAF, na sua atual redação (Lei n.º 114/2019): ----


1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:


a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;


b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;


c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;


d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;


e) (…)


o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.


2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.


(…)”.


*


É jurisprudência uniforme do Tribunal dos Conflitos, reafirmada no Acórdão do de 08/11/2018, proferido no processo n.º 020/18 que, “a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…)


A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].3.


A autora indicou como fundamento da sua pretensão o seguinte (em síntese): -


- CC era subscritor da Caixa Geral de Aposentações;

- a autora viveu em união de facto com CC, entre 20/06/2014 e a data do falecimento daquele - .../.../2020;

- requereu tempestivamente à primeira ré a pensão de sobrevivência por óbito do CC, o que lhe veio a ser deferido por despacho de 17/02/2021;

- A 1.ª ré pagou à autora as pensões de sobrevivência respeitantes aos meses de dezembro de 2020 a abril de 2022, inclusive.

- Porém, veio a autora a ter conhecimento de que a segunda ré também havia requerido à primeira ré a pensão de sobrevivência por óbito de CC, na qualidade de unida de facto com aquele, o que não corresponde à realidade.

- A 2.ª ré, na qualidade de autora intentou ação cível, no Juízo local cível de Viana do Castelo –Juiz 3, com vista à comprovação da inexistência de uma união de facto entre a aqui autora, ali ré e o falecido DD, tendo sido atribuído ao processo o n.º 828/22.0...

Para comprovar a invocada união de facto, a aqui autora alega na petição inicial ainda diversos factos relativos à vida em comum com o referido CC, no período compreendido entre 20/06/2014 e o decesso daquele.


Sublinha que quem viveu em união de facto com o falecido desde o dia 20/06/2014 até ao dia .../.../2020 foi a autora e que à data do óbito daquele, ambos viviam, há mais de 2 (dois) anos, em situação análoga à dos cônjuges.


*


Fundamentando a decisão de questão próxima à que agora se coloca, o Tribunal dos Conflitos, no acórdão de Acórdão de 25/01/2017, tirado no processo n.º 028/164, expendeu: ---------


“2 - No cerne do litígio está o artigo 6.° da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que na versão inicial era do seguinte teor:


«Artigo 6.°


Regime de acesso às prestações por morte

1 - Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.°, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020.° do Código Civil, decorrendo a ação perante os tribunais cíveis.

2 - Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efetiva-se mediante ação proposta contra a instituição competente para a respetiva atribuição.»

Na versão emergente da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, esse artigo ficou com a seguinte redação.


«Artigo 6.°


Regime de acesso às prestações por morte

1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.

2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação.

3 - Excetuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º

A Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, (…) implicou uma mudança de paradigma relativamente ao reconhecimento dos direitos a prestações sociais consagrados na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.


Na verdade, enquanto na versão inicial daquela lei o direito a essas prestações, nos termos do artigo 6.°, era efetivado através de ação a instaurar nos tribunais judiciais contra a entidade responsável da Segurança Social, com a alteração daquele dispositivo decorrente da Lei n.º 23/2010, o direito às prestações efetiva-se através da intervenção dos serviços da segurança social, ou seja por via administrativa.


Incumbe deste modo àqueles serviços averiguar dos pressupostos do direito a essas prestações, nomeadamente, da situação de união de facto e o reconhecimento do direito às mesmas.


É neste sentido que se insere o artigo 2.°-A, introduzido na Lei n.º 7/2001, pela Lei n.º 23/2010, de 30 de maio, e que é do seguinte teor:


«Artigo 2°-A


Prova da união de facto

1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.

3-(...).

4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.

5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.»


Trata-se de um dispositivo que visa a prova da união de facto em sede de procedimento administrativo.


(…) a Lei n.º 23/2010, transferiu deste modo para a Segurança Social a responsabilidade pela averiguação da união de facto enquanto pressuposto das prestações sociais consagradas naquela Lei.


As diligências que visam a demonstração dos pressupostos das prestações em causa correm no âmbito de um procedimento administrativo e que culminam com um ato administrativo, atribuindo ou recusando as prestações peticionadas.


É verdade que, nos termos do n.º 2 do artigo 6.° na nova redação, «a entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação».


Contudo, esta norma não tem o sentido que lhe atribui a recorrente.


Consagra-se apenas uma exigência de transparência e de rigor na atuação da Administração na demonstração dos pressupostos do direito às prestações, impondo-lhe que, em caso de dúvidas fundadas, só decida da atribuição ou recusa das prestações depois da demonstração em ação judicial da existência ou inexistência da união de facto sobre a qual essas dúvidas se suscitem.


Deste modo, quando os elementos recolhidos não sejam concludentes no sentido do reconhecimento da união de facto e justifiquem «fundadas dúvidas», a entidade competente dissipa as dúvidas através da instauração de uma ação com vista à demonstração da existência dessa união de facto.


As fundadas dúvidas pressupõem a existência de elementos probatórios não concludentes sobre a existência da união de facto como pressuposto das prestações em causa.


Na ausência dessas fundadas dúvidas, com base nos meios de provas recolhidos no processo, a entidade competente decide, atribuindo as prestações ou recusando-as, no caso de ter elementos que demonstrem a inexistência da situação de união de facto em causa.


A discordância dos interessados no procedimento administrativo instaurado com o que seja decidido pelos serviços da segurança social, num sentido ou noutro, recai claramente no âmbito da jurisdição administrativa, carecendo de sentido que os tribunais que integram aquela jurisdição não possam conhecer de todos os pressupostos das prestações sociais, nomeadamente, da união de facto.


(…)


2 - Conforme se alcança da petição inicial, a Autora, não se conformando com a decisão do Réu que indeferiu a sua pretensão no sentido de lhe serem reconhecidos os direitos de natureza social derivados da situação de união de facto que invoca, demandou o Réu para que este fosse condenado a reconhecer que «a) (…) à data do falecimento de B…………….. existia uma relação de união de facto entre o “de cujus” e a Autora»; a reconhecer «b) (...) o direito à Autora às prestações por morte de B…………….. »; a «c) (...) a reconhecer a união de facto entre a autora e B…………….. »; a «e) (...) a reconhecer que a Autora tem direito a ser titular das prestações por morte do “de cujus”» e «f) (...) ao pagamento das prestações por morte referente ao “de cujus”, desde a data do óbito, acrescidas dos respetivos juros à taxa legal».


No fundo, a Autora pretende a alteração da situação jurídica emergente do ato administrativo que recusou as prestações sociais peticionadas através da condenação do Réu a reconhecer a existência da situação de união de facto e a reconhecer o direito àquelas prestações.


Nos pressupostos desse direito encontra-se a situação de união de facto que a Autora entende que teria de ser declarada judicialmente nos tribunais judiciais e escaparia à competência dos tribunais administrativos.


Tal como se mostra configurado, o litígio entre a Autora e o Réu emerge de uma relação jurídica de natureza administrativa que decorre da responsabilidade da segurança social pelo sistema de prestações sociais consagrado na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na versão resultante da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto.


A Autora e o Réu divergem relativamente à demonstração da existência da situação de união de facto como pressuposto do direito às prestações que a Autora reclama e cujo reconhecimento se insere nas atribuições da segurança social.


A relação jurídica em causa é disciplinada pelo direito público e é nos quadros deste ramo do Direito que o litígio terá de ser resolvido.


(…) a competência para conhecer do litígio pertence aos Tribunais da Jurisdição Administrativa, nos termos do artigo 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.”.


Este Tribunal dos Conflitos, recentemente, no acórdão de 22/11/2023, prolatado no processo n.º 03962/22.3T8VCT.G1.S15, versando sobre situação em tudo idêntica à dos autos, decidiu que “No caso presente, a autora não viu ser deferida pela Caixa Geral de Aposentações a requerida pretensão de lhe serem reconhecidos os direitos de natureza social decorrentes da situação de união de facto que invoca.


Todavia, conforme se refere na decisão de 19 de Dezembro de 2022, “No fundo a Autora pretende a alteração da situação jurídica emergente do ato administrativo que recusou/suspendeu o pedido às prestações sociais peticionadas através da condenação da 1.ª Ré a reconhecer a existência da situação de união de facto e a reconhecer o direito àquelas prestações.”.


Tal como na situação sobre a qual recaiu o acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 25 de Janeiro de 2017, também aqui o litígio entre a autora e a ré Caixa Geral de Aposentações emerge de uma relação jurídica de natureza administrativa, que decorre da responsabilidade do sistema de segurança social pelo sistema de prestações sociais consagrado na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na versão resultante da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto.


Assim, seguindo a jurisprudência constante daquele Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 25 de Janeiro de 2017, que se reitera, conclui-se que a apreciação dos pedidos deduzidos contra a Caixa Geral de Aposentações compete aos Tribunais Administrativo e Fiscais, uma vez que, no âmbito de uma relação administrativa, a autora pretende a tutela de um direito fundamental (al. a) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e, por isso mesmo, a “Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados” pela Caixa Geral de Aposentações, I.P. (al.c) do mesmo n.º 1).


É certo que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 18596PRT.P1.P1.S1, no qual a recorrente baseia as alegações de recurso, o Supremo Tribunal de Justiça julgou um recurso proferido numa acção proposta, como ali se escreve, pelo “Instituto da Segurança Social, IP (…) contra AA e BB., pedindo que fosse julgada não reconhecida a vivência em união de facto de CC com qualquer das RR. à data da morte deste.”


Todavia, pelas razões já apontadas, este Tribunal dos Conflitos pronuncia-se no sentido de os pedidos nesta acção deduzidos contra a Caixa Geral de Aposentações serem da competência da jurisdição administrativa e fiscal; concretamente (n.º 5 do artigo 14.º e artigo 18.º da lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro), do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (al. a) do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, do mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro e n.º 1 do artigo 16.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


7. Mas a autora demanda também BB, pedindo a sua condenação “a reconhecer que a Autora viveu em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020”.


Quanto a este pedido, não cabe efectivamente na jurisdição administrativa e fiscal, desde logo por se desenrolar entre particulares.


É certo que a autora alegou que a Caixa Geral de Aposentações instaurou contra BB, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo a acção n.º 828/22.0....., pretendendo, como se pode ler no despacho saneador ali proferido e junto a estes autos, “a comprovação da inexistência de uma união de facto entre a Ré e o falecido CC. A Autora tem sérias dúvidas relativamente à verificação da situação de união de facto invocada (entre a Ré e o falecido CC) e que conduziu ao deferimento do pedido de uma pensão de sobrevivência por parte da Ré”, e que o tribunal absolveu a ré da instância por entender que a acção era da competência do Juízo de Família e Menores, nos termos do disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, por entender estar em causa uma relação de família.


Esta decisão, mesmo que transitada, não produz efeitos fora da acção na qual foi proferida (artigo 100.º do Código de Processo Civil).


Ora, no caso presente, o reconhecimento da união de facto “funciona apenas como a averiguação judicial de um pressuposto (…) a verificar para o reconhecimento de um direito de natureza extrafamiliar”, não estando em causa “a resolução de qualquer litígio familiar”, tal como sucedia no acórdão de que se retiraram estes trechos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 3193/22.2T8VFX.L1.S1, proferido a propósito da justificação (ali, da manutenção) da atribuição aos tribunais cíveis da competência para apreciar a existência de união de facto, enquanto pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa. Com efeito, e como ali também se escreveu, “Existe, aliás, um largo número de ações em que a existência de um casamento ou de uma união de facto é apenas um pressuposto a verificar para o reconhecimento de um direito extrafamiliar (v.g. um direito de crédito de terceiro), competindo o seu julgamento aos tribunais cíveis.”


Cabe, portanto, aos Tribunais Judiciais a competência para julgar o pedido dirigido contra BB e, dentro destes, aos Tribunais Cíveis – tendo em conta os critérios do valor e do território, ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo (artigos 40.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, a) e 140.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, 80.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março).


Nestes termos, decide-se:


a. Negar provimento ao recurso, relativamente aos pedidos dirigidos contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P.;


b. Determinar que cabe os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal, concretamente ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de (…), a competência para apreciar os pedidos dirigidos contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P.;


c. Conceder provimento parcial ao recurso, no que respeita ao pedido dirigido contra BB;


d. Determinar que cabe aos Tribunais Judiciais, concretamente, ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo, a competência para apreciar o pedido dirigido contra BB.


Assim, seguindo a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, reafirmada no acórdão que se acaba de citar, conclui-se que materialmente competente para conhecer dos pedidos deduzidos contra a Caixa Geral de Aposentações é o da jurisdição administrativa e fiscal e o competente para julgar o pedido dirigido contra a ré BB é o tribunal da jurisdição judicial comum.

4. Dispositivo:


Pelo exposto, o Tribunal de Conflitos decide: ----


a) julgar o recurso não provido em parte e, em consequência, atribuir aos Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal, - concretamente ao Tribunal Administrativo e fiscal de Barga - a competência material para conhecer da vertente causa relativamente aos pedidos dirigidos contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P.; e ------


b) julgar o recurso provido em parte e, em consequência, atribuir aos Tribunais Judiciais comuns, - concretamente, ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo, a competência material para conhecer da causa quanto o pedido dirigido contra a 2.ª Ré


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Não são devidas custas – art. 5.º n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro.


Lisboa, 17 de abril de 2024. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.

1. “A Justiça Administrativa”17.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 49.

2. “Direito Administrativo”, volume III, Lisboa, 1989, pág. 439.

3. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

4. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7692032727d27162802580ba003edebb

5. https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/64775c73382f0aef80258a7000596879