Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:021/08
Data do Acordão:11/27/2008
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SANTOS CARVALHO
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
Sumário:I - O art.º 220.º do CPPT não determina a apensação da separação de bens, requerida por um dos cônjuges, após citação num processo de execução fiscal movido apenas contra o outro cônjuge e no qual tenham sido penhorados bens comuns do casal, ao contrário do que sucede na sequência do cumprimento do art.º 825.º do CPC;
II - O requerimento de separação judicial de bens referido no art.º 220.º do CPPT não é um incidente do processo de execução fiscal, pois não está configurado como tal no art.º 166.º, n.º 1, do mesmo diploma, pelo que, na falta de lei expressa que atribua jurisdição ao tribunal tributário, mantém-se a regra da competência genérica dos tribunais comuns;
III - Não faria sentido atribuir competência para decidir de uma matéria do foro civil e privado a um tribunal jurisdicionalmente especializado em conhecer das relações jurídicas fiscais.
IV - É de atribuir a competência aos tribunais comuns ao processamento do referido inventário para separação de bens.
Nº Convencional:JSTA00065436
Nº do Documento:SAC20081127021
Data de Entrada:09/25/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA MAIA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ MAIA - TAF PORTO.
Decisão:DECL COMPETENTE TJ MAIA.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RECURSO JURISDICIONAL - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:LGT98 ART103.
ETAF02 ART49 N1 D ART4.
CPPTRIB99 ART151 N1 ART215 ART220 ART2 ART166 N1.
CPC96 ART827 N7 ART825 ART66 ART166 N1.
CONST76 ART211.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC23/05 DE 2006/10/12.
Aditamento:
Texto Integral: 1. A… requereu ao Tribunal Judicial da Comarca da Maia inventário para separação de bens, nos termos dos art.ºs 825.° e 1406.° do CPC, alegando que é casada com B… em regime de comunhão geral de bens e que foi citada no processo de execução fiscal, que corre termos na repartição de finanças da Maia, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 825° do CPC. Mais alegou que a dívida que deu origem ao referido processo de execução fiscal é da exclusiva responsabilidade do seu marido e nos referidos autos de execução foi penhorado um imóvel que é bem comum do casal.
O Mm.º Juiz desse tribunal, porém, considerou que a competência dos tribunais administrativos e fiscais consta do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e que o art.º 49.°, n.º 1, al. d), desse diploma determina que compete aos tribunais tributários conhecer dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal. Por sua vez, o art.º 151.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26 de Outubro (em vigor desde 01/01/2000), estabelece que "compete ao -tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução (...), decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal". Assim, tendo a penhora sido ordenada e efectivada em processo de execução fiscal, e, portanto, dentro da esfera de competência dos tribunais fiscais ou tributários, o tribunal comum é incompetente para conhecer do inventário para separação de meações intentado pela requerente. Trata-se de um incidente do processo de execução fiscal, para o qual é competente o Tribunal Tributário de 1ª instância da área onde correr a execução. E, por isso, declarou o tribunal comum incompetente em razão da matéria e a extinção da instância, por despacho que entretanto transitou em julgado.
A requerente, então, requereu o dito inventário no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, mas aí, o Mm.º Juiz considerou que a questão da competência material controvertida nos autos fora já objecto de decisão pelo Tribunal de Conflitos, em caso em tudo similar, no Acórdão de 12/10/2006, processo 023/05, onde se concluiu pela competência do Tribunal Judicial para levar a efeito o inventário para separação de meações. E, assim, decidiu julgar o tribunal fiscal materialmente incompetente para conhecer do incidente e competente para o efeito o Tribunal Judicial da Comarca da Maia, tendo transitado em julgado o respectivo despacho.
2. Perante o impasse processual gerado pelos referidos despachos, o Ministério Público veio requerer ao Tribunal de Conflitos, ao abrigo dos art.ºs 26.º, al. h), do ETAF, 135.º, n.º 1 e segs. do CPTA, 115.º, 116.º e 117.º do CPC, a resolução do conflito de jurisdição.
3. Cumpre decidir.
A questão a decidir respeita à competência jurisdicional dos tribunais comuns ou dos tribunais tributários para conhecer do inventário para separação de bens, requerido por um dos cônjuges, após citação num processo de execução fiscal movido apenas contra o outro cônjuge e no qual tenham sido penhorados bens comuns do casal.
“O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” (art.º 103.º da Lei Geral Tributária, DL 398/98, de 17 de Dezembro).
A execução fiscal corre termos, pois, nas repartições de finanças, com excepção dos actos jurisdicionais atribuídos aos tribunais tributários, pois a estes compete o conhecimento “dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal” (art.º 49.º, n.º 1-d, do ETAF, Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Competência que ressalta ainda do art.º 151.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26 de Outubro, onde se estabelece que "compete ao -tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução (...), decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal".
Ora, a penhora nas execuções fiscais está regulamentada nos art.ºs 215.º e segs. do CPPT e no art.º 220.º determina-se que, “na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais.”
Trata-se de disposição semelhante à prevista no art.º 825.º do CPC para as execuções de natureza não fiscal, mas que com ela não se pode confundir, pois, se as normas se devessem equivaler, o CPPT teria remetido esta matéria para a legislação geral do processo civil.
É certo que o CPC se aplica subsidiariamente ao procedimento e processo judicial tributário (art.º 2.º do CPPT), num último grau supletivo.
Mas, tudo indica que o facto do art.º 220.º do CPPT não ter previsto, como acontece com o art.º 825.º, n.º 7, do CPC, a apensação do incidente de separação de bens do casal ao processo de execução, terá sido intencional e não uma lacuna. Ou dito de outra forma, o legislador não terá pretendido essa apensação, pois tendo regulamentado autonomamente a matéria e, portanto, tendo feito, necessariamente, um confronto com a solução geral prevista no processo civil, limitou-se a prever a notificação do cônjuge, a lhe dar um prazo para requerer a separação e a mandar suspender a execução no caso de ser feito o requerimento, mas não indicou que este se processaria por apenso.
Esta uma primeira abordagem, mas a nosso ver muito importante, pois o “incidente” cuja competência jurisdicional estamos a dirimir resultou do cumprimento do disposto no art.º 220.º do CPPT e não do art.º 825.º do CPC e, portanto, não está expressamente prevista a sua apensação ao processo de execução, o que, a acontecer, resolveria de imediato a questão.
Nos termos do art.º 211.º da Constituição da República Portuguesa “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem a jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Consagra-se nesta norma, assim, a competência genérica dos tribunais comuns, de resto melhor definida na lei ordinária deste modo: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (art.º 66.º do CPC e 18.º, n.º 1, da LOFTJ).
Deste princípio resulta que a atribuição de competência a outra ordem jurisdicional que não a comum pressupõe a existência de norma expressa.
Ora, já vimos que o art.º 220.º do CPPT, ao consagrar o direito de um cônjuge a requerer a separação judicial de bens, não atribuiu competência para reconhecer esse direito no âmbito da própria execução, ainda que por apenso.
Contudo, há que considerar que os citados art.ºs 49.º, n.º 1-d, do ETAF e 151.º, n.º 1, do CPPT, reconhecem competência aos tribunais tributários para decidir dos incidentes suscitados nos processos de execução fiscal, pelo que resta saber se o requerimento de separação judicial de bens referido no art.º 220.º do CPPT é ou não um incidente do processo de execução fiscal.
A resposta a esta última questão é negativa, pois o art.º 166.º, n.º 1, do CPPT, é taxativo quando dispõe que “São admitidos no processo de execução fiscal os seguintes incidentes:
a) Embargos de terceiros;
b) Habilitação de herdeiros;
c) Apoio judiciário.
Outros incidentes, a existirem, portanto, não são admitidos no âmbito do processo de execução fiscal, pelo que o “incidente” de separação de bens do casal terá de se processar no âmbito de outro processo distinto.
O âmbito da jurisdição fiscal encontra-se definido nos art.ºs 212.° da Constituição, 4.° e 49.° do ETAF, dos quais decorre que compete aos tribunais fiscais pronunciar-se apenas sobre as relações jurídicas fiscais, entendendo-se como tal as que emergem duma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto das relações jurídicas com tal objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas (cfr. Ac. do STA de 9/10/2003, proc. 1072/03).
Como se lê no Ac. do Tribunal de Conflitos de 12/10/2006, proc. 23/05, aí se citando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra: “O inventário para separação de meações que emerge duma execução fiscal não integra uma questão fiscal, mas sim uma questão privada entre cônjuges. Esse inventário para partilha dos bens comuns do casal destina-se a garantir os interesses dum cônjuge contra os encargos do outro. O Estado intervém nele nos mesmos termos que qualquer outro credor do cônjuge executado.”
Não faria sentido, assim, atribuir competência para decidir de uma matéria do foro civil e privado a um tribunal jurisdicionalmente especializado em conhecer das relações jurídicas fiscais.
É certo que da respectiva decisão - civil e privada - resultarão consequências para o desenrolar da execução fiscal, mas não deixa, por esse motivo, de ser uma ocorrência extraordinária, estranha ou anormal que não justifica a aplicação da regra clássica, segundo a qual accessorium sequitur principali (cfr. citado Acórdão do Tribunal dos Conflitos). Não será, pois, um incidente propriamente dito da execução fiscal, pelo menos não é assim que vem tratada pela lei, mas uma questão prejudicial que há que ser dirimida à parte, suspendendo-se embora o andamento da execução.
Em suma, é de atribuir a competência aos tribunais comuns, tal como já anteriormente se decidiu neste Tribunal dos Conflitos, pois:
- O art.º 220.º do CPPT não determina a apensação da separação de bens, requerida por um dos cônjuges, após citação num processo de execução fiscal movido apenas contra o outro cônjuge e no qual tenham sido penhorados bens comuns do casal, ao contrário do que sucede na sequência do cumprimento do art.º 825.º do CPC;
- O requerimento de separação judicial de bens referido no art.º 220.º do CPPT não é um incidente do processo de execução fiscal, pois não está configurado como tal no art.º 166.º, n.º 1, do mesmo diploma, pelo que, na falta de lei expressa que atribua jurisdição ao tribunal tributário, mantém-se a regra da competência genérica dos tribunais comuns;
- Não faria sentido atribuir competência para decidir de uma matéria do foro civil e privado a um tribunal jurisdicionalmente especializado em conhecer das relações jurídicas fiscais.
4. Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal de Conflitos em declarar o Tribunal Judicial da Comarca da Maia o competente para levar a efeito o inventário para separação de meações em questão.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Novembro de 2008. – José Vaz dos Santos Carvalho (relator) – Maria Angelina DominguesErnesto António Garcia CalejoLuís Pais BorgesFernando Manuel de Oliveira VasconcelosRosendo Dias José.