Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:ACIDENTE DE TRABALHO.
TRABALHADOR DOS CTT
Sumário:São competentes os tribunais judiciais para a tramitação processual relativa à reparação dos danos emergentes de um acidente sofrido por um trabalhador dos B........, SA, numa ocasião em que já estava em vigor o Dec. Lei 503/99, de 20/11, com a redacção introduzida pela Lei 59/2008, de 11/9, uma vez que o sinistrado, não se incluía no universo dos trabalhadores por ela abrangidos pois (i) não exercia funções públicas; (ii) não prestava serviço na administração directa ou indirecta do Estado; (iii) nem exercia funções nos serviços das administrações regionais, autárquicas, ou em qualquer das entidades referidas no n.º 2 do art. 2º do Dec. Lei 503/99, de 20/11, na redacção da Lei 59/2008, de 11/9.
Nº Convencional:JSTA00069965
Nº do Documento:SAC20170111016
Data de Entrada:05/11/2016
Recorrente:A.........., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE AVEIRO, SANTA MARIA DA FEIRA, INST. CENTRAL, 4ª SEC TRABALHO - J2 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE-CONFLITO.
Objecto:AC TRIB RELAÇÃO PORTO.
Decisão:PROVIDO - DECL COMPETENTES TRIBUNAIS JUDICIAIS.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO.
Legislação Nacional:DL 87/92 ART9.
DL 503/99 ART58 ART2 ART57.
DL 38523 ART9.
L 60/2005 ART2.
L 59/2008 ART2.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC019/15 DE 2015/10/01.; AC TCF PROC0339 DE 2000/05/30.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito 16/16
Acordam no Tribunal de Conflitos

1. Relatório

1.1. A………….. recorreu para este Tribunal de Conflitos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença proferida na 1ª instância, considerando os Tribunais Judiciais incompetentes em razão da matéria para conhecer uma acção emergente de acidente de serviço ocorrido no âmbito de uma relação de trabalho subordinado dos B……….., sofrido pelo autor, que é subscritor da Caixa Geral de Aposentações.

1.2. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

“(…)

1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 101º do novo CPC, aplicável ex vi art. 1º, n.º 2, do CPTA;

2. As relações de trabalho entre os B…….. e os seus trabalhadores, independentemente de terem sido admitidos antes ou depois de 19 de Maio de 1992, são de natureza estritamente provada, regulando-se pelo Código do Trabalho;

3. Pelo que foram expressamente excluídos do âmbito de aplicação do Dec. Lei n.º 503/99,por força das disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 4 do seu art. 2º com a redacção introduzida pela Lei 59/2009;

4. Donde resulta que tal regime jurídico só é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação, e de contrato de trabalho em funções públicas (n.º 2);

5. Ficando expressamente excluídos os trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores, a quem é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho (nº 4);

6. A que não obsta o que se estabelece no art. 9º do Dec. Lei 87/92 de 14 de Maio e, em particular, no seu n.º 2 e isto, porquanto, salvo o devido respeito, daqui não se pode retirar que esses regimes sejam imutáveis no tempo, como parece decorrer do despacho recorrido;

7.- Alterados os regimes legais aplicáveis, como aconteceu com o dos acidentes em serviço (Dec. lei 503/99), serão os novos regimes a regular tais relações;

8. Assim sendo, aplicando-se aos acidentes de trabalho dos trabalhadores dos B……….. o Código do Trabalho, demais legislação emergente e IRCT aplicáveis, as secções de trabalho são as competentes para conhecer os litígios emergentes dos acidentes de trabalho, por força do disposto na al. c) do n.º 1, do art. 126º da Lei 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário);

9. Pelo que, ao ter decidido como decidiu, violou o acórdão recorrido as normas do art. 2º do Dec. Lei 503/99, na redacção introduzida pela Lei 59/2009 e a al. c) do n.º 1, do art. 126º da Lei 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário);

10. Devendo ser revogado e, em consequência, deve ser declarado que a 4ª Secção do Trabalho – Santa Maria da Feira – Inst. Central – J4, da comarca de Aveiro, é o competente para conhecer da matéria dos presentes autos, com as legais consequências.

(…)”

1.3. O recurso foi admitido para o Tribunal de Conflitos.

1.4. Distribuído o recurso, neste Tribunal, o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de ser provido o recurso, concluindo:

“(…)

Por isso, e tendo em conta a data do acidente (25-2-2013), concluímos que não lhe é aplicável o regime de protecção infortunística consagrado pelo DL n.º 503/99, tanto mais que o n.º 4 do mencionado artigo 2º estabelece que os trabalhadores das entidades públicas e outras entidades não abrangidas nos números anteriores ficam abrangidos pelo regime geral dos acidentes de trabalho, que desde 1 de Janeiro de 2010 é o constante da Lei 98/2009, de 4 de Setembro. (…)

Face ao exposto, deverá, em nosso parecer, conceder-se provimento ao recurso e revogar-se o douto acórdão recorrido, considerando-se competente para conhecer do litígio os Tribunais Judiciais através das Secções do Trabalho, nos termos dos artºs 211º, n.º 1 e 212º, n.º 3 da CRP; art. 64º do CPC; art. 126/1/c) da LOS e art. 4º, n.º 1 e 3 do ETAF.”

1.5. Por despacho do relator foi ordenada a notificação dos B……… para querendo “dizer o que se lhe oferecer”, que nada disse no prazo que lhe foi concedido para tal.

1.6. Sem vistos mas com remessa do projecto de acórdão, foi o processo submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento do recurso (pré-conflito).

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

A matéria de facto e ocorrências processuais relevantes são as seguintes:

a) O autor invoca a existência de um acidente por si sofrido em 1/3/2013, no tempo, local de trabalho e no exercício das suas funções ao serviço da sua entidade patronal;

b) Pretende o sinistrado, subscritor da Caixa Geral de Aposentações e trabalhador na entidade empregadora (B……….) desde 25-7-1985, que lhe seja reconhecido o direito correspondente à protecção infortunística, designadamente por sofrer de uma IPP de 7%.

c) Uma vez que a Caixa Geral de Aposentações recusou assumir a responsabilidade por essa reparação, dirigiu-se aos serviços do MP junto do Tribunal do Trabalho;

d) A entidade empregadora suscitou a questão da qualificação do acidente como sendo de serviço e, reflexamente, a questão da competência material dos tribunais do trabalho para conhecer dessa questão;

e) Acolhendo parecer do MP foi proferido despacho que declarou “materialmente incompetente esta 4ª Secção do Trabalho da Instância Central de Santa Maria da Feira e, em consequência, ordena-se o arquivamento dos presentes autos”.

f) Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação que confirmou a decisão recorrida e é objecto do presente recurso.

2.2 Matéria de Direito

A questão a decidir é a de saber qual o tribunal competente para qualificar como acidente de trabalho ou de serviço o que foi sofrido por um trabalhador dos B…………., admitido nesta entidade antes da sua conversão em sociedade anónima.

O acórdão recorrido, confirmando decisão proferida pelo Juiz do Tribunal do Trabalho, entendeu que os tribunais competentes para apreciar essa questão eram os tribunais administrativos. O seu argumento essencial assenta na circunstância do autor/recorrente ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações e não ter sido revogado o art. 9º, n.º 2, do Dec. Lei 87/92, de 14/5. Daí que tenha concluído:

“(…)

Por outras palavras, a restrição do âmbito de aplicação operada pela nova redacção dada ao art. 2º/1/2 do DL 503/99 pela Lei 59/2008, deve ser objecto ela própria de uma interpretação restritiva decorrente daquele art. 9/2 (do DL 87/1992 de 14/5) em termos de serem excluídos daquela restrição, aqueles que, em 19-5-1992, sendo subscritores da CGA, fossem também trabalhadores dos B……….. Como assim, os acidentes sofridos por esses trabalhadores ao serviço dessa sociedade devem continuar a submeter-se ao regime do DL 503/99 nas redacções que sucessivamente lhe foram sendo conferidas.”

(…)” –fls. 116 dos autos.

Este Tribunal de Conflitos já apreciou um caso semelhante, no seu acórdão de 1/10/2015, proferido no processo 019/15, tendo decidido nos seguintes termos:

“(…)

Efectivamente, a trabalhadora intentou esta acção contra os B……………., e não contra a Caixa Geral de Aposentações.

Por outro lado, a R passou de empresa pública (pessoa colectiva de direito público) a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o DL n° 87/92 de 14 de Maio, sendo actualmente uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (DL n° 129/2013).

Não cabe por isso, no âmbito de aplicação subjectiva do DL n° 503/99 de 20/11, entretanto alterado pela Lei 59/2008 de 11/9.

Na verdade, e conforme se colhe do preâmbulo do diploma de 1999, visou o legislador regulamentar a disciplina dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, por se ter reconhecido que o regime advindo do Decreto-Lei n° 38 523 de 23 de Novembro de 1951 se encontrava manifestamente desajustado, face à evolução social e legislativa entretanto ocorrida.

Assim, e em vigor desde 1 de Maio de 2000, conforme estabelecido no artigo 58° do DL n° 503/99, o seu regime é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços de Administração directa e indirecta do Estado, quer aquelas advenham de nomeação quer de contrato de trabalho em funções públicas (artigo 2°, n° 1).

Por seu turno, o seu número 2 alarga a aplicação deste regime aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas, e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público, e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.

Além disso, o seu n° 3 alarga ainda a aplicação deste regime aos trabalhadores dos gabinetes de apoio dos membros do Governo e dos titulares dos órgãos a que se refere o n° 2.

Ora, a A não exerce funções públicas nos serviços de Administração directa e indirecta do Estado, nem nos serviços de qualquer das entidades mencionadas nos n°s 2 e 3 do artigo 2º do DL n° 503/99 de 20/11, pois a R passou de empresa pública (pessoa colectiva de direito público) a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o DL nº 87/92 de 14 de Maio, sendo actualmente uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (DL n° 129/2013).

Por isso, e tendo em conta a data do acidente (25/2/2013), concluímos que não lhe é aplicável o regime de protecção infortunística consagrado pelo DL n° 503/99, tanto mais que o n° 4 do mencionado artigo 2° estabelece que os trabalhadores das entidades públicas empresariais e outras entidades não abrangidas nos números anteriores ficam abrangidos pelo regime geral dos acidentes de trabalho, que desde 1 de Janeiro de 2010 é o constante da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.

É certo que, por força do artigo 9º, n° 2 do DL n° 87/92 de 14 de Maio, a A é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, pois este diploma assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes para o pessoal dos B……….. enquanto empresa pública.

De qualquer forma, ainda que assim seja, será a entidade empregadora a responsável pelos direitos reclamados pela A, pois a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações apenas abrange a reparação dos acidentes de que tenha resultado uma incapacidade permanente ou a morte do sinistrado, conforme advém dos n°s 1 e 3 do artigo 5º do DL n° 503/99 de 20/11.

Efectivamente, reclama a A que a R seja condenada a reconhecer que o acidente de que foi vítima no dia 25 de Fevereiro de 2013 seja qualificado como acidente de trabalho e a pagar-lhe a quantia de 1 286,32 euros, resultante dos descontos no vencimento, nas diuturnidades e nos subsídios de refeição a que a R procedeu nos meses de Março a Junho de 2013, em que esteve incapacitada de trabalhar, acrescendo ainda as despesas que suportou em consequência do acidente, advindas de exames médicos, tratamentos e do episódio de urgência no Hospital de S. João.

Assim sendo, e face ao pedido, não estando em causa a atribuição duma incapacidade permanente e consequente pagamento da respectiva pensão, nunca a CGA será responsabilizada.

Nestes termos, está em causa um litígio de natureza privatística, conforme lucidamente conclui o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto no seu parecer, pelo que a competência para decidir a presente acção pertence aos tribunais do trabalho, face ao disposto no artigo 85º, alíneas b), da LOFTJ.

(…)”.

Todavia, como decorre do teor do acórdão do Tribunal de Conflitos, a questão não é totalmente idêntica. No acórdão deste Tribunal de Conflitos citado não estava em causa a fixação de qualquer incapacidade e por isso, se decidiu:

“(…)

É certo que, por força do artigo 9º, n° 2 do DL n° 87/92 de 14 de Maio, a A é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, pois este diploma assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes para o pessoal dos B……….. enquanto empresa pública.

De qualquer forma, ainda que assim seja, será a entidade empregadora a responsável pelos direitos reclamados pela A, pois a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações apenas abrange a reparação dos acidentes de que tenha resultado uma incapacidade permanente ou a morte do sinistrado, conforme advém dos n°s 1 e 3 do artigo 5º do DL n° 503/99 de 20/11.

(…)

Ou seja, o acórdão citado não tinha necessidade de abordar “ex professo” a questão de saber se o art. 9º, n.º 2 do DL 87/92, de 14 de Maio tornava aplicável o regime dos acidentes de serviço previstos para o direito público, uma vez que, não estava em causa o apuramento de uma incapacidade permanente do sinistrado, como acontece no presente caso, onde o autor de acordo com a sua petição sofre um IPP de 7%.

Pelo que, se impõe saber em que termos o art. 9º, n.º 2 do Dec. Lei 87/1992, de 14/5 implica a interpretação acolhida no acórdão recorrido pelo Tribunal da Relação do Porto.

A nosso ver e antecipando a conclusão deve acórdão recorrido não está certo.

Vejamos porquê.

O acórdão recorrido não nega que a situação dos autos (trabalhador dos B……….., em regime de contrato de trabalho) está fora do âmbito de aplicação subjectivado Dec. Lei 503/99.

Também não nega a natureza jurídico-privada da relação laboral, citando de resto vária jurisprudência nesse sentido, incluindo deste Tribunal de Conflitos: “Os tribunais de trabalho são os competentes para conhecer e julgar os conflitos decorrentes da aplicação de sanções disciplinares aos trabalhadores da C…………., S.A., ainda que oriundos dos CTT, E.P.” – Acórdão do Tribunal de Conflitos de 30-5-2000, proferido no processo 000339.

Coloca de resto a questão precisamente nesse ponto, quando diz que “não estando o sinistrado em exercício de funções públicas, e não estando o mesmo abrangido pelo estatuído nos números 2 e 3 acabados de transcrever, daí resultaria, por exclusão o seu enquadramento no regime do n.º 4 também transcrito, com a consequente aplicação da LAT/2009 e exclusão do regime do DL 503/99”.

Todavia, continua o acórdão, “a solução não é tão simples assim”, porque devemos ter em conta que, nos termos do art. 9º, n.º 2 do DL 87/1992, de 14/5, foi assegurada a manutenção de regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública, entre os quais se encontrava o Dec. Lei 38.353, de 23/11/1951, segundo o qual os acidentes sofridos pelos então trabalhadores dos B………., ficavam sujeitos ao regime jurídico dos acidentes em serviço no âmbito da Administração Pública (na altura o DL 38.253 e depois o DL 503/99).

Este entendimento deve ser acolhido, mas apenas durante a vigência do Dec. Lei 38.253 e da primeira redacção do Dec. Lei 503/99.

Com efeito, o art. 9º, n.º 2 do Dec. Lei 87/92 que transformou a empresa CTT EP em B……... SA, determinou o seguinte:

Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuam a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior”. Sendo que, no número anterior estavam referidos os trabalhadores da empresa pública CTT EP.

O então vigente DL 38.523, de 23/11 – que regulava os acidentes em serviço dos servidores do Estado - delimitava o seu âmbito de aplicação no art. 1º, em função de serem ou não subscritores da CGA: “a situação dos servidores civis do Estado Subscritores da CGA que forem vítimas de acidentes em serviço regula-se pelas disposições do presente decreto - lei…

Daí que, perante a circunstância de alguns dos trabalhadores da CTT EP serem subscritores da CGA, decorria a sua sujeição ao regime de acidentes em serviço previsto no referido DL 38.523, de 23/11. Este regime (que regulava os acidentes de serviço dos servidores do Estado), nos termos do seu artigo 1º, era apenas aplicável, como já dissemos, aos “subscritores da Caixa Geral de Aposentações”. Aos servidores do Estado que não fossem subscritores da CGA era-lhes aplicável “a legislação sobre acidentes de trabalho”, conforme estipulava o parágrafo único do mesmo art. 1º. Portanto, durante a vigência do Dec. Lei 38.523, de 23/11 era inquestionável a aplicação aos trabalhadores na situação o autor o regime de protecção infortunística ali previsto.

O Dec. Lei 38. 523, de 23/11 foi revogado pelo Dec. Lei 503/99, de 20 de Novembro (art. 57º, n.º 1, al. a), o qual na sua redacção original, manteve o mesmo critério quanto ao seu âmbito de aplicação, ou seja: o referido regime jurídico (acidentes de serviço) era aplicável aos “subscritores da Caixa Geral de Aposentações”; ao demais pessoal, vinculado por contrato de trabalho, era aplicável o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais – n.º 2 do referido Dec. lei 503/99, de 20 de Novembro.

Contudo, o âmbito de aplicação deste regime não se manteve assim até hoje. Com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29/12, deixou de haver inscrições na Caixa Geral de Aposentações, face ao disposto no seu art. 2º:

“(…)

1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.

2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.

(…)”

A partir de 1 de Janeiro de 2006 a CGA deixou de ter novos subscritores e, portanto, esse elemento de conexão (ser subscritor da CGA) deixou de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do Dec. Lei 503/99, como é evidente. A sujeição ao regime de acidentes de serviço dos trabalhadores que exercem funções públicas tinha, portanto, que ser delimitado com outro critério.

Daí que, o n.º 2 do referido Dec. Lei 503/99, de 20 de Novembro viesse a ser alterado através da Lei 59/2008, de 11/9, deixando o referido critério (isto é, ser ou não ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações) de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço.

O critério passou a ser o definido no art. 2º, n.º 1, do mesmo diploma legal, segundo o qual:

“(…)

1. O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado.

2. O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio ao Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.

3. O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do governo quer dos titulares dos órgãos referidos nos números anteriores.

(…)”

Ou seja, o critério deixou de ser o da qualidade de subscritor para a Caixa Geral de Aposentações e passou a ser um critério que depende da natureza jurídica do vínculo estabelecido entre o “trabalhador” e da natureza do organismo público. Com efeito, como explicita o n.º 4 do mesmo preceito legal, aos trabalhadores que exerçam funções públicas em “entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho”.

Diz o acórdão recorrido, todavia, que a nova redacção do art. 2º do Dec. Lei 59/2008, de 11/9, deve interpretar-se restritivamente, uma vez que não foi revogado o art. 9º, n.º 2 do Dec.Lei 38.523, de 23/11 e, deste preceito, resultava que todos os trabalhadores dos B…….. SA que sejam subscritores da CGA e que estavam ao serviço da empresa da data em que entrou em vigor o Dec. Lei 87/92, devem estar abrangidos pela protecção de acidentes de serviços previstos no Dec. Lei 503/99, mesmo depois de alterado o seu âmbito de aplicação.

Todavia, a nosso ver, esta conclusão não deve aceitar-se.

A questão que se coloca não é a de saber se o artigo 9º, 2 foi ou não revogado, mas a de saber qual o verdadeiro sentido dessa remissão: para o regime de protecção social então vigente, ou para os termos em que esse regime de protecção social definia a sua própria aplicação.

O acórdão recorrido entendeu que se tratava de uma remissão para o regime dos acidentes de serviço dos funcionários públicos e, portanto, esse regime continuava a ser aplicável enquanto a norma remissiva não fosse expressamente revogada; mesmo – como no presente caso – em que o regime dos acidentes de serviço alterasse o seu âmbito de aplicação e deles excluísse os trabalhadores abrangidos no universo da norma remissiva.

A esta questão respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, nestes termos: “Carece pois de fundamento, salvo o devido respeito, pretender sustentar, coo no douto acórdão recorrido, com base no art. 9º, n.º 2 do DL n.º 87/92, de 14/5, a aplicação de um regime jurídico confessadamente retrógado, que o legislador pretendeu eliminar, conforme ressalta claramente do n.º 4 do art. 2º do DL n.º 503/99,de 20/11, redacção da Lei n.º 59/2008, de 11/9”.

A nosso ver a remissão do art. 9º, 2, do Dec. Lei 87/92, de 14/5 deve ser encarada como uma remissão dinâmica para o regime e disposições legais vigentes (isto é enquanto estiverem em vigor) dos funcionários públicos. De outro modo – e este é o argumento do MP – continuaria a ser-lhes aplicável, não o Dec. Lei 503/99, na sua primitiva redacção, mas o Dec. Lei 38.523, de 23/11, qualificado pelo próprio legislador (no preambulo do Dec. lei 503/99) como um regime “… manifestamente desajustado, face à evolução social e legislativa entretanto ocorrida”.

Por outro lado, não existem razões materiais para sustentar uma remissão estática, a ponto de o acórdão recorrido nem sequer a defender, pois entende aplicável o regime previsto no Dec. Lei 503/99, na sua primitiva redacção, o que significa admitir – pelo menos até certo ponto – uma remissão dinâmica.

Deste modo e não obstante os termos em que está redigido o art. 9º, n.º 2 do Dec. Lei 87/92, ao remeter para “os regimes jurídicos e legislação aplicável (…) vigentes nesta data…”) entendemos que pretende remeter para os regimes jurídicos vigentes na data da respectiva aplicação.

Nestas condições, o argumento do acórdão recorrido de que o art. 9º, n.º 2, do Dec. Lei 87/92, não foi expressamente revogada é inconcludente. Estamos perante uma norma incompleta (norma remissiva) cujo conteúdo se encontra noutra norma (norma para onde é feita a remissão). Portanto se a norma (ou o regime jurídico) para onde é feita a remissão é alterado, é este o regime alterado o aplicável. Ora, como vimos, a nova redacção do art. 2º, do Dec. Lei 503/99, em vigor na data do sinistro, exclui do seu âmbito de aplicação os trabalhadores nas condições do autor, por este não prestar serviço em qualquer das entidades ali referidas.

Em conclusão: tendo sido alterado o critério legal relativo ao âmbito de aplicação do Dec. Lei 503/99, de 20/11, pela Lei 59/2008, de 11/9, e tendo o sinistro ora em causa ocorrido em 1-3-2013, o acórdão recorrido não pode manter-se uma vez que nesta data o sinistrado – muito embora continuasse a ser subscritor da CGA – não se incluía no universo dos trabalhadores abrangidos pois (i) não exercia funções públicas; (ii) não prestava serviço na administração directa ou indirecta do Estado; (iii) nem exercia funções nos serviços das administrações regionais, autárquicas, ou em qualquer das entidades referidas no n.º 2 do art. 2º do Dec. Lei 503/99, de 20/11, na redacção da Lei 59/2008, de 11/9.

Do exposto resulta que o acidente sofrido pelo autor deve ser reparado nos termos do Código do Trabalho, sendo competentes os Tribunais Judiciais para a tramitação do respectivo processo.

3. Decisão

Face ao exposto os juízes do Tribunal de Conflitos acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar que o processo siga os seus termos nos tribunais judiciais, onde foi instaurado.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – António Bento São Pedro (relator) – Ana Paula Lopes Martins Boularot – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Olindo dos Santos Geraldes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António dos Santos Abrantes Geraldes.