Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:027/13
Data do Acordão:01/16/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ISABEL SÃO MARCOS
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:Se as partes expressamente submeteram o contrato a um regime substantivo de direito público e se uma delas actuou nas vestes de autoridade pública, investida de "ius imperium" com vista à realização do interesse público, é competente o Tribunal Administrativo para dirimir o litigio em discussão. (*)
Nº Convencional:JSTA00068536
Nº do Documento:SAC20140116027
Data de Entrada:03/04/2013
Recorrente:A............, SA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A 1ª VARA CÍVEL DE LISBOA - 2ª SECÇÃO E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE-CONFLITO
Objecto:AC RL
Decisão:NEGA PROVIMENTO DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADM
Área Temática 1:DIR ADM CONT - PRE-CONFLITO
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 E F.
CPA91 ART178 N2.
LOFTJ99 ART18 N1.
LOTJ88 ART26 N1.
DL 171/95 DE 1995/07/18 ART2.
DL 18/2008 DE 2008/01/29.
L 169/99 DE 1999/09/18 ART64 N1 Q N7.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2004/18/CE
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC20/12.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA PAG79.
FREITAS DO AMARAL E AROSO DE ALMEIDA - GRANDES LINHAS DA REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PAG38-41.
AROSO DE ALMEIDA - O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAG104-107.
ESTEVES DE OLIVEIRA - CODIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS I PAG21.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO 1 PAG110.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

I.

A…………, S.A., como sede na rua …………, Lisboa, interpôs recurso, para este Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 107º do Código de Processo Civil, do acórdão de 26.06.2012 do Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando improcedente o recurso de apelação interposto pela recorrente da sentença de 09.01.2012, proferida pela 1ª Vara Cível de Lisboa, manteve a decisão que declarou o Tribunal Cível materialmente incompetente para conhecer do litígio e dele absolveu a ré MUNICÍPIO DE VILA NOVA DA BARQUINHA.

A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

1- A relação jurídica que as partes pretendem ver solucionada pelo tribunal tem de ser apreciada, para determinação da competência dos tribunais, em função da pretensão deduzida e pelo pedido formulado pelo autor;
2- Não é o contrato de empreitada, celebrado entre o aderente do contrato de factoring e o Município Réu, que está em causa na acção judicial;
3- O que está em causa é um contrato de natureza comercial, celebrado entre uma instituição de crédito especializada e uma sociedade comercial;
4- O réu Município alega, nos nºs 4 e 7 da sua contestação, que a causa de pedir na mesma acção é o “contrato de empreitada de obras públicas”, o que está completamente errado, mas, surpreendentemente, foi acolhido pela 1.ª instância e pelo tribunal da Relação de Lisboa;
5- Repare-se que o réu Município não sustenta que não deve aquela factura concreta, por esta ou aquela razão relacionada com o contrato de empreitada, antes pelo contrário, na sua argumentação tem de começar por admitir que deve; contudo, como o empreiteiro lhe deverá, por seu lado, várias quantias, das quais ele, Município, é credor pretende operar a compensação;
6- Aliás, nunca o réu podia alegar não dever a factura, pois esta só foi emitida (e, cedida, depois à autora) após a elaboração do respectivo auto de medição e verificada pelo dono da obra a “Situação de Trabalho”, o que significa aprovação e compromisso de pagamento por parte do mesmo dono da obra;
7- Simplesmente não há identidade de sujeitos, pois o titular da factura é uma instituição bancária especializada a quem os eventuais créditos do Município não podem ser opostos;
8- Assim, o Município para ver reconhecidos o crédito ou créditos, de que diz ser titular sobre o empreiteiro, não o pode fazer nesta acção e, por via de excepção, mas terá de ir perante o tribunal administrativo discutir o contrato de empreitada, que alega incumprido;
9- Na acção instaurada pela autora, ora recorrente, que financiou em devido tempo o tal empreiteiro e que para se reembolsar precisa de cobrar a factura, discute-se apenas e só o contrato comercial bancário, de factoring ou cessão financeira e, por isso, para tal acção é competente o Tribunal Cível.

O recorrido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

A Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de se confirmar a decisão recorrida e, em consequência, serem considerados competentes para a acção os tribunais da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4.º, número 1, alíneas e) e f), 2.ª parte do ETAF.

Notificadas as partes para, querendo, pronunciarem-se sobre o parecer do Ministério Público e bem assim sobre o conflito que se suscita, apenas A…………, S.A. pronunciou-se no sentido do que já defendera na alegação de recurso, o que vale por dizer que, estando em causa uma questão meramente cível, a competência é do Tribunal Cível.

Posto isto, cumpre decidir.

II.

Elementos essenciais a ponderar (Os factos a ponderar são os que resultam dos articulados e documentos (designadamente a certidão de matrícula e a factura junta, a fls. 50, apresentada com a petição inicial), juntos aos autos.):

1. A recorrente é uma sociedade anónima, cujo objecto social é o exercício do factoring;
2. No exercício da sua actividade, celebrou com a B…………, S.A., um “contrato de factoring”, datado de 18 de Outubro de 2001, que, constante como documento nº 2, foi junto com a petição inicial, pelo qual adquiriu os créditos que esta tinha sobre o réu Município de Vila Nova da Barquinha;
3. Os créditos referidos em 2. resultavam da execução de trabalhos efectuados pela B…………, S.A. ao réu Município, e que, descriminados na factura n.º F100157, que se dá aqui por reproduzida, são correspondentes ao auto de medição n.º 14 da “vossa obra de beneficiação da EN3, transformação em arruamentos entre o Km 87 + 270”.

III.

Em face do que se deixou exposto em I, a questão a decidir é a de dirimir qual a jurisdição competente para julgar o litígio.

IV.
Enquadramento jurídico

Nos termos definidos pelas disposições conjugadas do artigo 66º do Código de Processo Civil e do artigo 18º, número 1, da Lei nº 3/99, de 13-01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, comummente designada por LOFTJ) e bem assim do artigo 26º, número 1 da Lei nº 52/2008, de 28-08, «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

Sendo residual a competência dos tribunais judiciais, a mesma estará excluída se a competência para julgar a causa estiver acometida a outra jurisdição, como seja — por ser a que importa ao caso sub judice — a dos tribunais administrativos e fiscais.

Ora, a este propósito, dispõe a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 212º, número 3, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais».
Em conformidade com este comando constitucional, e no desenvolvimento do mesmo, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 29-02 (Uma vez que o presente procedimento deu entrada em juízo em 2013, a aferição da competência material, no que aos Tribunais Administrativos respeita, faz-se tendo em conta o “novo” Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela citada Lei 13/2002, de 19-02, alterado e rectificado pelos seguintes diplomas: Declaração de Rectificação nº 14/2002, de 20 de Março; Declaração de Rectificação nº 18/2002, de 12 de Abril; Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro; Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, Lei nº 1/2008, de 14 de Janeiro; Lei nº 2/2008, de 14 de Janeiro, Lei nº 26/2008, de 27 de Junho, Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, Decreto-Lei nº 166/2009, de 31 de Julho — com entrada em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2010; Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, com início de vigência em 15 de Maio de 2012 e DL 166/2009, de 31-01, entrado em vigor a 01-01-2010.), preceitua que «os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais» (artigo 1º, número 1).
Assim, a pedra de toque de delimitação da jurisdição administrativa, tendo deixado de estar — ao invés do que sucedia na redacção original do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27.04 — na destrinça entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, centra-se, ora, no conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa.

E relação jurídico-administrativa é «aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pág. 79. ).
Ou, nas palavras e ensinamento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 815), a qualificação como relações jurídicas administrativas ou fiscais “transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
Por sua vez, no âmbito da jurisprudência firmada por este Tribunal de Conflitos, na relação jurídica administrativa e de função administrativa “avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal” — neste sentido de conferir, entre muitos, o acórdão de 16-02-2012 (Cons. Rodrigues da Costa) e de 08-11-2012 (Cons. A. Geraldes), ambos disponíveis in www.itij.pt.

A actual definição de competências, conforme delimitadas pelo ETAF, resultou numa ampliação das competências em face do processo Decreto-Lei nº 129/84, de 27-04, a qual é actual e fundamentalmente delimitada no art. 4º do referido diploma.
Dispõe-se, pois, neste normativo, que é atribuída competência aos Tribunais Administrativos para a apreciação de “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público” — artigo 4º, número 1, alínea f).
Este normativo, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 107-D/2003, de 31-12, atribui, assim, à jurisdição administrativa competência para apreciar questões relativas a: i) contratos administrativos típicos (a respeito dos quais existam normas de direito público que regulam especificamente aspectos de natureza substantiva); ii) contratos atípicos com objecto passível de acto administrativo (que determinem a produção de efeitos que também poderiam ser determinados através da prática, pela entidade pública contratante, de um acto administrativo unilateral); iii) contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado que as partes tenham expressa e inequivocamente submetido a um regime substantivo de direito público (Confira-se., entre outros, Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, págs. 38/41, Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, págs. 104/107, e Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pág. 21. ).

É pacífico o entendimento de que o pressuposto processual da competência se determina em função da acção proposta, tanto na vertente objectiva — atinente ao pedido e à causa de pedir —, como na vertente subjectiva — respeitante às partes —, importando essencialmente para o caso ter em consideração a relação jurídica invocada (Na doutrina, veja-se, por todos, Alberto dos Reis, Comentário, 1º, 110.
Na jurisprudência, confira-se, por todos, o acórdão de 19-12-2012, proferido nos autos 20/12, (Cons. Pires da Graça), in www.itij.pt (tribunal dos conflitos). .
Em face disto, resulta, pois, despicienda — para a definição do tribunal competente que cumpre definir — o alegado pelo réu na sua contestação, designadamente — e no que releva para o caso vertente — a eventual ocorrência de compensação de créditos.

No caso sub judice o recorrente invoca, como visto, que detém um crédito sobre o recorrido, resultante da execução de trabalhos efectuados pela B…………, S.A. ao réu Município, mencionados na factura F100157, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e correspondentes ao auto de medição n.º 14 da “vossa obra de beneficiação da EN3, transformação em arruamentos entre o Km 87 + 270”.
Crédito que lhe adveio em resultado de uma cessão de créditos decorrente do contrato, designado de factoring, que celebrou com a empreiteira que levou a cabo tais obras de beneficiação.

O contrato de “factoring”, legalmente definido pelo art. 2.º do DL n.º 171/95, de 18-07, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 186/2002, de 21 de Agosto, consiste na tomada de créditos a curto prazo por uma instituição financeira (factor), que os fornecedores de bens ou serviços (aderentes) constituem sobre os seus clientes (devedores), prestando, nalguns casos, serviços adicionais, em troca de uma retribuição, assumindo o factor o risco de cobrança dos créditos cedidos, relativamente aos devedores. Caracterizam o referido contrato as circunstâncias de: i) o contrato nascer com a aquisição, pelo factor, dentro de um prazo determinado, de créditos existentes na esfera jurídica do aderente ou de prestação de serviços; ii) mediante a aquisição de créditos não cobrados, o factor assumir-se como uma entidade que adianta meios financeiros ao cliente; iii) com a aquisição de instrumentos creditícios em dívida e de cobrança não certa, o factor assumir os riscos económicos e de actividade adstritos aos devedores dos créditos cedidos (De conferir os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2013, Revista n.º 345/03.8TBCBC.G1.S1, relator Cons. Gabriel Catarino e de 13-09-2012, Revista nº 384/09.5TVPRT.P1.S1, relatora Cons.ª Ana Paula Boularot.).
Por seu turno, advêm para o factor as seguintes obrigações: i) adquirir os créditos (ou a prestação de serviços) nas condições contratualmente acordadas; ii) pagar ao aderente os créditos cedidos, de acordo com o plano de aquisição aprovado; iii) outorgar a antecipação de fundos ao aderente, pela forma convencionada; iv) proceder à cobrança dos créditos em cujos direitos se haja subrogado, de acordo e pela forma como o cedente havia estabelecido com o devedor.
E, finalmente, para o aderente decorrem do contrato as seguintes obrigações: i) informar o factor do comportamento dos devedores cedidos e contribuir para a cobrança dos créditos cedidos; ii) remeter ao factor o que tiverem pago directamente os devedores cedidos, a fim de cumprir o compromisso de reembolso pactuado; iii) ceder ao factor os documentos e instrumentos de conteúdo creditício objecto da aquisição.
O devedor cedido não participa no acordo de vontades, apesar de, como resulta das regras próprias da cessão de créditos (artigo 583º do Código Civil), o acordo só produzir efeitos em relação a ele, conquanto que lhe seja notificado, ainda que extrajudicialmente, ou desde que aceite (de forma tácita ou expressa) a cessão de créditos operada (De conferir os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-01-2013, Revista n.º 345/03.8TBCBC.G1.S1, Relator Gabriel Catarino e de 13-09-2012, Revista n.º 384/09.5TVPRT.P1.S1, Relatora Ana Paula Boularot, ambos disponíveis in www.itij.pt . ).

De onde se conclui que o crédito peticionado pela autora advém, não do contrato de factoring, mas do contrato de empreitada, sendo este, aliás, o único em que interveio o réu Município (em que eram sujeitos o aí empreiteiro, factorizado no contrato celebrado com a autora - artigos 295º e 236º a 238º, todos do Código Civil).
Contrato de empreitada que é pacificamente aceite como de obras públicas.

O contrato de empreitada de obras públicas foi sucessivamente regulado pelo Decreto-Lei nº 405/93, de 10-12; Decreto-Lei nº 59/99, de 02-03 (Diploma que definia de obras públicas “quaisquer obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, limpeza, restauro, reparação, adaptação, beneficiação e demolição de bens imóveis, destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica, executadas por conta de um dono de obra pública” (n.º 1); de empreitada de obras públicas “o contrato administrativo, celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua forma, entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução quer conjuntamente a concepção e a execução das obras mencionadas no n.º 1 do artigo 1.º, bem como das obras ou trabalhos que se enquadrem nas subcategorias previstas no diploma que estabelece o regime do acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas, realizados seja por que meio for e que satisfaçam as necessidades indicadas pelo dono da obra” (artigo 2º, número 3), sendo donos de obras públicas os referidos no número 1 do artigo 3º, designadamente “a) O Estado; (...) d) As autarquias locais e outras entidades sujeitas a tutela administrativa (...)” ), revogado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29-01, que transpôs para o nosso ordenamento a Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços) (Diploma que estabeleceu a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, entendendo-se por contratos públicos “todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código” (artigo 1º, números 1 e 2), elencando-se, entre estas, as autarquias locais [artigo 2º, alínea c)].).
Nas palavras de Esteves de Oliveira «Subsumem-se na justiça administrativa, em primeiro lugar, os contratos expressamente qualificados pela lei como administrativos (são os enunciados no artigo 178º, número 2, do CPA e outros avulsos da mesma natureza); depois, os contratos de objecto passível de acto administrativo, ou seja, aqueles que versam sobre a produção de efeitos jurídicos que a lei previra serem atingidos mediante a prática de um acto administrativo (são os contratos cuja legitimidade se encontra no artigo 179º do CPA); em seguida, os contratos cujo regime substantivo esteja especificamente sujeito a normas de direito público - mais uma vez os do artigo 178º, número 2, do CPA - e, também, de quaisquer outros contratos regulados, em aspectos “substantivos” do seu regime, por normas de direito público; finalmente, “aqueles contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito administrativo, mesmo que não houvesse lei a prevê-lo”» (Confira-se Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, I, pág. 114.).

Âmbito em que, no caso vertente, a recorrida age na esfera de actuação de uma autarquia local, que tem por competência aprovar os projectos, programas de concurso, caderno de encargos e a adjudicação relativamente a obras e aquisição de bens e serviços e administrar o domínio público municipal, nos termos da lei [artigo 64º, número 1, alínea q) e número 7, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que define o regime jurídico das autarquias locais].

Do exposto resulta que um dos sujeitos actuou nas vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público e que as partes expressamente submeteram o contrato a um regime substantivo de direito público.

Termos por que se conclui que pertence ao Tribunal Administrativo a competência para dirimir o litígio em discussão nos autos.

IV — Decisão
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, considerar competente para dirimir o litígio em discussão nos autos, em razão da matéria, a jurisdição administrativa.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2014. - Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos (relatora) - António Políbio Ferreira Henriques - Manuel Joaquim Braz - Jorge Artur Madeira dos Santos - Orlando Viegas Martins Afonso - António Bento São Pedro.