Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:031/18
Data do Acordão:02/14/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DA GRAÇA TRIGO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24235
Nº do Documento:SAC20190214031
Data de Entrada:06/25/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA - INSTÂNCIA CENTRAL, 1ª SECÇÃO CÍVEL - JUIZ 3 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
RECORRENTE: A…………
RECORRIDO: BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório

1. A………… intentou, em 19 de Julho de 2016, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco Espírito Santo, S.A., Banco de Portugal, Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e B………….
Pediu que fosse reconhecida "a responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304°-A do CVM, e que, em consequência, os RR. fossem solidariamente condenados a pagar ao A., a quantia de €203.887,90", "acrescida de €82.248,40 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.", e de "juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento".
E, caso assim não fosse entendido, que fosse declarada "a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321° do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de €203.887,90", acrescida de juros vencidos e vincendos, nos mesmos termos do pedido principal.
Mais pediu que "sejam os RR. condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a determinar em liquidação de sentença".

Para o efeito, alegou, em síntese:

O Autor é cliente do 1º Réu desde há cerca de 15 (quinze) anos.

Foi por critério e exclusiva determinação do 1º R., que a conta bancária do Autor desde há cerca de 10 anos passou a ser sediada e tratada pelo denominado Private Bank, exercido pelo 1º R. na República do África do Sul.

Desde então que ao Autor foi atribuída uma Gestora de Conta, a Senhora B…………, a 6ª R.

Todos os assuntos relacionados com aquela conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas sempre foram tratados pelo A. com a 6ª

Foi a 6ª R. que sempre aconselhou o A. a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º R. lançava em carteira,

O Autor nunca solicitou à 6ª R. ou qualquer outro seu colega, o investimento em um ou noutro determinado produto,

Ao invés, era a 6ª R. que sempre que o A. depositava fundos na sua conta bancária, telefonava ao A. e informava que o 1º R. tinha um produto que lhe iria garantir o pagamento de determinada taxa de juro,

Sempre lhe tendo apresentado taxas de juro comuns no mercado que variavam em regra entre os 3% e os 6%.

Face à "oferta" daqueles valores de juros, o Autor sempre deu instruções à 6ª R. de que: não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado,

A estas instruções expressas e constantes do A., a 6ª R. sempre informou, e para qualquer dos produtos, que o dinheiro do A. ia ser aplicado em produtos sem qualquer risco,

Que aqueles produtos eram "como depósitos a prazo", pois que eram produtos da titularidade do 1º R. e por isso eram totalmente garantidos.

A 6ª R., sempre assim garantiu ao A. que todos aqueles produtos financeiros eram produtos garantidos pelo Banco – 1º R.,

Sucedeu ainda, em muitas das vezes que a 6ª R. aplicava os fundos do A. em determinado produto financeiro, e apenas quando se deslocava à República da África do Sul, passadas várias semanas ou até meses, levava os documentos "necessários" para serem assinados pelo A.,

"Regularizando" desta forma os investimentos que já havia efectuado e "informado" o A. pelo telefone.

O Autor nunca recebeu do 1º R. ou da 6ª R. qualquer prospeto em papel ou digital que lhe permitisse avaliar ou estudar os produtos nos quais, estava a ser investido o seu dinheiro.

O Autor não sabe nem nunca soube, ou lhe foi explicado, o que são "produtos estruturados".

Assim, consequentemente o A., sempre desconheceu que tinha um "perfil de investidor" atribuído pelo 1º R.

Foi assim que, no âmbito das suas funções e, sob a subordinação do 1º R., que a 6ª R. no seio daquele departamento de private bank do 1º R. aplicou o dinheiro do A. depositado no 1º R., na compra dos produtos descritos no artigo 36º da p.i.

Estando assim investido o montante total de € 203.887,90 naqueles produtos financeiros, em nome do A.

O 1º R. e a 6ª R. sabiam que o Autor apenas queria confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso,

Mas ainda assim aplicaram aquele dinheiro do A. em produtos que sabiam não ser abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósito, nem tão pouco que ofereciam a segurança pedida pelo A.

Com aquele comportamento o 1º R. e a 6ª R. usaram do dinheiro do Autor à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco

E privando o Autor da disponibilidade dos seus fundos monetários

Em meados do ano de 2012, o Autor sentiu alguma da instabilidade que já se ouvia nos meios de comunicação social sobre o 1º R.,

E agiu como habitualmente, procurando obter explicações sobre o que se passava em Portugal junto da "sua pessoa" de confiança a 6ª R.,

Que o tranquilizou dizendo que nada iria acontecer e que tudo estava bem no seio e nas contas do 1º R.,

E bem assim como, que o A. estivesse descansado com o seu dinheiro repetidamente lhe afirmando que: "pode estar descansado que isto são produtos do Banco e estão totalmente garantidos".

Em 18 de Julho de 2014, o A. endereçou uma carta ao 1° R. solicitando o resgate do seu dinheiro investido naqueles produtos.

Não tendo recebido qualquer resposta àquela pretensão nem tão pouco reembolso do seu capital, o qual lhe havida sido sempre garantido pelo 1° R. e pela 6ª R.

O 1° R. foi alvo de uma medida resolução pelo 2° R. (o BdP),

Só em Abril de 2015 é que o A. recepcionou do 3° R. uma comunicação na qual aquele R. se descarta de qualquer responsabilidade de pagamento daquele reembolso pedido.

Em 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal, 2° R., decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1° R., criando assim o Novo Banco, o 3° R., cujo capital social é inteiramente detido, pelo 4° R. o Fundo de Resolução.

Assim nasceu, no nosso mercado financeiro e das instituições de crédito, o 3° R. que é à semelhança do 1° R. uma "empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria.", nos termos do DL n° 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF];

Com aquela medida, o 2° R. decidiu pela transferência da gestão de um conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais que se encontravam sob domínio do 1° R. (BES) para o 3° R., o Novo Banco

E (re) determinando mais tarde a quem, de entre o 1° R. e o 3° R., cabe a tutela de alguns daqueles elementos extrapatrimoniais, activos e passivos, no uso do poder de retransmissão que detém, e através das deliberações conhecidas como "Perímetro", "Contingências" e "Retransmissão".

Assim, com aquele acto de resolução e de selecção de activos proveitosos, o 2° R. decidiu transferir a esmagadora maioria do património do 1° R. (BES) para o 3° R. (Novo Banco)
Deixando contudo um conjunto de activos sob a gestão do 1° R., que estando grandemente desvalorizados, encontram-se registados também com as devidas imparidades.

Tal significa que com aquela decisão de Resolução o 2° R. (BdP) determinou genericamente que os activos de real valor, e que poderão responder sobre os credores do 1° R., fossem transferidos para o 3° R.,

Sem que contudo, como se verá, grande parte dos créditos que incidiam sobre o 1° R. à data daquela medida tenham sido igualmente transferidos.

Deixando assim para um conjunto de credores um património desvalorizado e certamente insuficiente para a total satisfação daqueles.

Sucede contudo que, em 11 de Julho de 2014, dias antes de se decidir pela resolução do 1º R., o 2° R. emite o seguinte comunicado: [...]

E garantindo ainda a solvência daquele 1° R., transmitindo assim à opinião pública segurança naquela instituição: [...]

Ora, todo este quadro de declarações públicas do 2° R., de confiança na manutenção da solvabilidade e estabilidade do 1º R., e sobretudo da segurança que quis transmitir à generalidade dos clientes daquela instituição,

Levaram a que aqueles clientes, de entre os quais o A. tenham acreditado que o 2° R. providenciaria pela tomada de uma decisão que garantisse a igualdade, a estabilidade financeira e sobretudo a segurança de que as "poupança de uma vida" não estavam perdidas.

É também facto notório e relevante para o caso sub judice que, em 30 de Julho de 2014, o 1° R. elaborou o "Relatório e Contas Intercalar e Individual - 1° Semestre 2014",

É naquele documento que o 1° R., ainda antes da tomada da medida de resolução pelo 2º R. ASSUME a obrigação de reembolso dos produtos que vendeu aos seus clientes e que são dívida emitida pelas diversas entidades que compõe o universo do denominado Grupo Espírito Santo (GES),

E fá-lo ao criar uma provisão, que como se sabe é uma reserva (contabilística) sobre o valor que uma empresa, in casu o 1° R., sabe ser devedora perante os seus clientes, pois que lhes criou essa expectativa.

Além disso, também em data anterior àquela medida de resolução do 2° R., em 10 de Julho de 2014 o 1° R. informa que: [...]

Não obstante a violação de diversas disposições legais que infra se aduzirá, claro fica que o 1 ° R. sempre assumiu que criou expectativas de liquidez na sua malha de clientes de retalho (por oposição a clientes institucionais), e de entre os quais se encontra o A.

De facto o 1° R., não só criou aquela provisão do valor de produtos vendidos, assumindo assim o seu reembolso,

Bem assim como não deixou de os espalhar na sua rede de retalho mesmo após a sua alegada venda,

Pois que veja-se que há investimentos do A. que se referem a obrigações emitidas pela Espírito Santo Tourism transacionadas com maturidade até 2014 e 2015, quando alegadamente aquela empresa foi alienada em 2013.

Tendo essa venda sido "ocultada" e não transposta para o reembolso dos investidores não qualificados, levando-os a crer na existência daquele título, e perpetuando assim o 1° R., uma actividade ilícita e nefasta para o seu sector financeiro,

E tudo sob supervisão do 2° R., que já se arrogava no entanto de "relembra-se que a situação do ramo não financeiro do GES foi detetada na sequência de uma auditoria transversal realizada por entidade independente por determinação do Banco de Portugal, no final de 2013".

Já depois daquela medida de resolução, facto é também que, o 2° R. (BdP) e 3° R. (Novo Banco), tem perpetrado um conjunto de actos em que não só assumem uma obrigação de reembolso daqueles produtos,

Bem assim como criam um quadro de "intenções" junto dos credores como o A., aguardando certamente manter as relações comerciais com o mesmo, que decerto lhes interessará,

E criando assim um quadro de expectativa de que será criada uma solução, com vista a inibir a generalidade dos credores como o A. a não reclamar judicialmente os seus direitos.

Assim, note-se que é facto que não obstante o uso e (re)uso daqueles poderes de retransmissão legalmente atribuídos ao 2° R. (BdP) por via do art. 145°-Q do DL nº 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF],

Em momento algum a rubrica contabilista "Provisão" constituída pelo 1° R., em momento anterior à medida de resolução, consta dos itens excluídos e elencados no Anexo 2 à Deliberação do 2° R. de 3 de Agosto de 2014.

O que leva a crer que aquela obrigação de reembolso também terá, então sido transferida para o 3° R., não deixando de ser singular que a mesma não conste do Relatório de Contas Consolidado do mesmo à data da sua constituição

É ainda naquilo que se tem por uma assunção de obrigação de reembolso conjunta do 2° R. (BdP) e do 3° R. (NB) que, na presente acção, se enquadra, também a Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do 2° R. (BdP) de 14 de Agosto de 2014

E na qual o 2° R. recomenda ao 3° R., a adopção de medidas para a tomada de "operações de pagamento de compensações, exclusivamente por razões comerciais, a cliente de retalho detentores de títulos de dívida de entidades do Grupo Espírito Santo [...]

Temos assim que, todos os RR. supra mencionados, na medida das suas atribuições praticaram um conjunto de actos e declarações públicas que levaram o Autor a acreditar que iria em curto espaço de tempo obter o reembolso daqueles produtos

Não se pode negar a importância e as obrigações que as declarações daqueles RR., criam no nosso quadro social, e no cidadão médio.

Dos factos supra relatados resulta que entre o A. de um lado, e o 1º R., 3º R. e 6ª R., foi constituído um contrato relação bancária geral

E no âmbito da qual lhe foram prestados serviços de consultaria de investimento e gestão de carteira nos termos previstos no artigo 4º n° 1 do DL n° 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF].

Foi no âmbito daquela relação que o 1° R. e a 6ª R. usaram os fundos monetários pertença do A. para a subscrição de produtos financeiros que não correspondiam aos interesses e instruções do A.

Sendo ainda no âmbito dessa mesma relação que o A. solicitou ao 1° R. e ao 3º R. o reembolso que lhe havia sido outrora por aqueles garantido.

Ora, nos termos do disposto nos artigos 289º e 321º Código dos Valores Mobiliários, aqueles RR. prestaram ao A. serviços de intermediação de investimentos financeiros

Devendo, é certo, aquela relação contratual ter sido titulada por escrito, dado o A. ser um investidor não qualificado

Ora facto é que o 1° R., por si ou por via da 6ª R. não celebrou qualquer contrato escrito de intermediação financeira com o Autor,

Termos em que aqui se invoca a NULIDADE daquela relação comercial, sendo a sua consequência - artigo 280º e 289º do CC. - a obrigação daqueles RR. devolverem ao Autor os montantes totais depositados e por aqueles ilicitamente utilizados e investidos naqueles produtos financeiros.

Ainda neste quadro de actuação ilegal do 1° R. junto dos seus clientes não podemos esquecer os deveres de supervisão que legalmente competem ao 2º R. e à 5ª R., cujo incumprimento deverá resultar na sua co-responsabilidade naquela obrigação de devolução dos montantes investidos, recorrendo, crê-se aos montantes sob tutela do 4º R.

E não obstante o dever de indemnizar do 4º R. (Fundo de Resolução), caso se venha a determinar que o crédito do Autor fica prejudicado caso o 2º R. (BdP) em 3 de Agosto de 2014 tivesse optado pela liquidação do 1° R. (BES) ao invés da sua resolução, nos termos do disposto no artigo 145°-H n° 16 do DL n° 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF].

Certo é também que sobre os 1° R., 2° R., 3° R., 5° R., e 6ª R., recaíam verdadeiros deveres de conduta de informação, diligência e lealdade,

De acordo com a factualidade que supra se deixou descrita durante todo o tempo que o A. se relacionou com os 1° R., 3° R., e 6ª R., estabeleceu com os mesmos uma relação baseada na confiança.

Sendo A. um investidor não qualificado, certo é que pelos RR. não foram tomadas todas as diligências de informação e esclarecimento a que estavam legalmente obrigados perante o A.

Causando-lhe assim um dano por via da diminuição do seu património financeiro colocado sob a gestão daqueles RR.

Todos os RR. contestaram.

O R. Banco Espírito Santo (em liquidação) concluiu que devia ser declarada, em relação a ele, a extinção da presente instância, ou, ao menos, a sua suspensão até que se tornasse definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade do BES, deliberação que, nos termos do nº 2, do art. 8.º do Decreto-Lei n° 199/2006, de 25 de Outubro, produz os efeitos da declaração de insolvência. Em alternativa, pugnou pela improcedência da acção.
Os RR. Novo Banco, S.A. e B…………, opuseram, em síntese a alegada responsabilidade do BES, enquanto intermediário financeiro, não foi transferida para o R. Novo Banco, S.A.; a R. B………… agiu sempre no âmbito das suas funções na qualidade de funcionária e em representação do BES; ocorre ilegitimidade substancial destes dois RR. que devem ser absolvidos do pedido. Deduziram também defesa por impugnação.
Os RR. Banco de Portugal, Fundo de Resolução e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) invocaram, além do mais, a incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer da presente acção, defendendo que a mesma é da competência material dos tribunais administrativos.
Para tanto convidado, o A. respondeu à matéria das excepções, defendendo a sua improcedência.

A fls. 412 foi proferido despacho saneador, com a seguinte decisão:
"Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatório de incompetência absoluta deste Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 3, em razão da matéria, em consequência do que absolvo os Réus BANCO ESPÍRITO SANTO, SA., NOVO BANCO, B…………, BANCO DE PORTUGAL, COMISSÃO DE MERCADO DOS VALORES MOBILIÁRIOS e FUNDO DE RESOLUÇÃO, da instância."

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo que fosse reconhecida a competência material dos tribunais judiciais para conhecerem da presente acção em relação a todos os RR.
Por acórdão de fls. 505 foi proferida a seguinte decisão:
"Termos em que acordam em julgar parcialmente procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que, com fundamento na incompetência material do tribunal, absolveu da instância os Réus Banco Espírito Santo, SA., Novo Banco e B………….
Confirmando-se, no mais, o decidido."

2. Novamente inconformado, o A. interpôs recurso de revista, que qualificou como excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por despacho de fls. 780, foi convolado em recurso para o Tribunal dos Conflitos.

3. Formula o Recorrente as seguintes conclusões:
[excluem-se as conclusões quanto ao recurso de revista]
"B) Assim, não se conforma, o ora Recorrente, com a decisão de incompetência material do Tribunal Judicial Cível para julgar a presente ação relativamente aos RR. Fundo de Resolução, Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, porquanto constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que a competência material do tribunal é aferida em função dos termos em que a ação é proposta pelo Autor, atendendo-se à estruturação dada pelo Autor, ao pedido e à causa de pedir, relevando, assim, para fixação da competência do tribunal o "quid disputatum" e não o "quid decisum".
C) Ora, na presente ação, o Autor, ora Recorrente, peticiona pela responsabilização civil dos RR. por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado nos artigos 304º A e 321º do Código dos Valores Mobiliários, isto é, está em causa a apreciação da violação dos deveres de informação, diligência e lealdade que impendem sobre os intermediários financeiros, bem assim como a nulidade daquela relação jurídica por inobservância de forma, encontrando-nos perante o Direito dos Valores Mobiliários que representa uma área do Direito Comercial e/o Financeiro - que não se confunde com Finanças Públicas -, constituindo um ramo do direito privado (in Paulo Câmara, Manual do Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2009).
[exclui-se a conclusão quanto à admissibilidade da revista]
E) Assim, entende o ora Recorrente que o fundamento da presente Revista radica em erro de interpretação e aplicação da lei processual, concretamente, dos artigos 64º, 96º al. a), 99º n.º 1, 278º n.º 1 do C.P.C., 80º n.º 1 da L.O.S.J. e artigo 4º n.º 1 al. f) e n.º 2 do E.T.A.F.
F) Pelo que, subjaz à correta interpretação e aplicação dos referidos normativos legais, concluir pela competência material do Tribunal Judicial (Civil) para apreciar e julgar o presente litígio, ou seja, para dirimir litígios nos quais entidades com natureza pública atuam como privados, à luz do direito privado e, nessa qualidade, devem ser responsabilizadas.
G) O Autor, ora Recorrente, peticionou contra os RR.: "Nestes termos e nos mais de Direito que v/ Exa. doutamente suprirá deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada que ficou:
a) A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304°-A do CVM, devendo em consequência os RR. serem solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de € 203.887,90 acrescida de:
i) € 82.248,40 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;
Caso assim não se entenda:
b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, detendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de € 203.887,90 acrescida de:
i) € 82.248,40 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;
c) Mais se requer que sejam ainda os RR. condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença; cfr. petição inicial.
H) No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.2015, (acórdão fundamento disponível para consulta in www.dgsi.pt) pode ler-se: "É entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A. coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade. E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo "quid disputatum", ou seja, pelo pedido do A. e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor. Foi neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt. de cujo sumário se conclui que "a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados".
I) É também esta a orientação do Tribunal de Conflitos, conforme se colhe do acórdão de 30.10.2013, proferido no Conflito n° 37/13, donde se conclui que "é pois a estrutura da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, o que significa que é pelo quid decidendum que a competência se afere, sendo irrelevante qualquer tipo de indagação atinente ao mérito do pedido formulado, ou seja, sendo irrelevante o quid decisum. Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial e do respectivo pedido que deveremos decidir da questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento."
J) Logo, a natureza pública ou privada de cada um dos RR. é irrelevante na medida em que o "thema decidendum", tal como configurado pelo Autor, ora Recorrente, não se prende com qualquer questão de domínio administrativo, sendo que também o pedido indemnizatório deduzido pelo Autor, ora Recorrente, não colide, nem depende, da apreciação jurídico-administrativa dos atos que conduziram à resolução do Réu Banco BES, pelos RR. intervenientes naquela decisão.
K) O Autor, ora Recorrente peticiona pela responsabilização civil dos RR. por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado nos artigos 304º A e 321º do Código dos Valores Mobiliários, isto é, está em causa a apreciação da violação dos deveres de informação, diligência e lealdade que impendem sobre os intermediários financeiros, bem assim como a nulidade daquela relação jurídica por inobservância de forma.
O Direito dos Valores Mobiliários é um ramo do Direito Comercial e/o Financeiro, afastado da conceção de Direito de Finanças Públicas, e designado como: "conjunto de normas que regulam as actividades ligadas aos mercados financeiros e exercidas de forma profissional pelos intermediários financeiros." (in Morais, Jorge Alves, Código dos Valores Mobiliários Anotado, Quid Juris 2015). Sendo ainda que: "(...) todo o regime geral sobre o valor mobiliário, seu conteúdo transmissão, encontrado no Título II do Código constitui direito privado. Na componente privada do direito mobiliário cabe ainda mencionar as regras (...) sobre responsabilidade civil dos intermediários financeiros." (in Paulo Câmara, Manual do Direito dos Valores Mobiliários, Almedina 2009)
L) As entidades de natureza administrativas também são entidades civilmente responsáveis, sendo tal asserção justificada, p. ex., com o facto de a Lei Orgânica do Réu Banco de Portugal prever no seu artigo 62º que: "compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que o Banco seja parte, incluindo as ações para efetivação da responsabilidade civil por atos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com o Banco."
M) O Recorrente não está isolado neste seu entendimento, como se pode verificar da seguinte jurisprudência recente, onde se entendeu que: "Porém, esse acto administrativo já não releva no domínio factual que agora se encontra controvertido nos autos, ou seja, já não contende com a factualidade subjacente aos prejuízos que os Autores alegam ter sofrido, sendo uma realidade pretérita distinta da que agora se pretende discutir. Ou seja, a responsabilidade civil extra-contratual aqui invocada contra as Rés já não dimana de relações jurídicas administrativas, não dependendo a sua apreciação e julgamento das relações jurídico-administrativas havidas entre as partes e que foram declaradas anuladas, não havendo a necessidade de aplicação de normas de direito administrativo, antes se centrando a controvérsia no plano puramente privado e civilístico, bastando à decisão o ordenamento jurídico decorrente do Código Civil. Dito de outro modo, a relação material controvertida, envolvente dos prejuízos sofridos pelos Autores, não provém da prática de actos de gestão pública, assentando sim no âmbito das relações de natureza privatística que entre as partes surgiram após a anulação daquele acto expropriativo. Aliás, tendo o acto expropriativo sido anulado, assim tendo deixado de existir, mal se compreenderia que a pretensão indemnizatória formulada pelos Autores ainda pudesse ter assento na esfera jurídico-administrativa que se exauriu com aquela decisão anulatória." (negrito nosso in Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10.11.2016 in www.dgsi.pt). E, ainda, "Por conseguinte, nenhum impedimento legal existe para que o Fundo de Resolução possa ser demandado, sendo certo ainda que a sua natureza de direito público não afasta, em tese, a possibilidade de ser demandado nos Tribunais Cíveis, desde que na relação jurídica que está subjacente à demanda esteja desprovido de prerrogativas de ius imperium." (negrito nosso in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.11.2016 Processo n° 26688/15.0TBLSB-AL1-6, Relator MARIA DE DEUS CORREIA in www.dgsi.pt).
N) Pretendendo-se explicar que não está em causa a apreciação de qualquer conduta dos RR., munidos de ius imperi, pelo contrário, está em causa a apreciação de atos de intermediação financeira por quem exerce profissionalmente esta atividade, prévios aos atos de resolução que vieram a ser tomados posteriormente. Pese embora ao Tribunal Judicial - como a qualquer outro tribunal - não esteja vedado, antes pelo contrário, conhecer da conformidade à lei e à Constituição da República Portuguesa de qualquer lei lato sensu. Prevê o artigo 28.º, n.º 1, da C.R.P., que os tribunais podem recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, em causa que se encontra a restrição do direito fundamental de propriedade do Recorrente, pois que aos tribunais compete administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados, não podendo aplicar normas que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados (artigos 202.º e 204.º da C.R.P.).
O) Nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.». Nas palavras dos Constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira a relação jurídica administrativa "(…) transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos que incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração), as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal" - Vide in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed.
P) Logo, no artigo 4.º, n° 1, alínea f) do E.T.A.F. não cabe a relação jurídica puramente civilista trazido pelo Autor, ora Recorrente que, assim, soçobrará na jurisdição dos tribunais judiciais, definida pelo artigo 211.º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, plasmada também no artigo 64.º do Código de Processo Civil e artigos 40.º, n.º 1 e 80.º, n.º 1, da L.O.S.J. que determinam que a competência dos tribunais judiciais para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Q) Afigura-se, em nosso modesto entendimento que, a aplicação do número 2, do artigo 4.º do E.T.A.F. exige litisconsórcio necessário passivo - (...) litígios nos quais devam ser conjuntamente demandados (...)" - o que, não se verificando, in casu, porquanto estamos perante litisconsórcio voluntário, afasta a aplicação daquele normativo e, consequentemente, da competência dos Tribunais Administrativos para dirimir o presente litígio.
R) Conclui-se, assim, pela competência material do tribunal judicial civil para apreciar e dirimir o presente litígio.
S) A entender-se diferentemente, será privilegiar a forma em detrimento da substância, invocando-se figuras jurídicas que não solucionam o litígio, que dificultam o acesso à justiça do caso concreto e contribuem para a tão famigerada crise na justiça atentando contra os basilares princípios de um Estado Democrático, designadamente, o direito constitucionalmente consagrado de obter, com força de caso julgado, uma decisão judicial que aprecie de mérito a sua pretensão (artigos 2°, 20°, 202°, n.º 1 e n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa e artigo 2° do C.P.C.).
T) Atentando, também, contra as normas constantes na Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, transposta para a ordem jurídica portuguesa, designadamente, artigo 1.º do Protocolo nº 1, com a denominação "Proteção da propriedade" ''Qualquer pessoa singular ou coletiva tem o direito ao respeito dos seus bens (...)", incluindo-se nesses bens os créditos, por meio dos quais o Recorrente pode pretender ter, pelo menos, uma "expectativa legítima" de obter o gozo efetivo de um direito de propriedade.
[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista excepcional]
Z) O que ora se defende, pecando o Mui Douto Acórdão de que ora se recorre apenas e só de não estender o seu Doutíssimo entendimento aos demais RR., designadamente, ao Réu Fundo de Resolução, Réu Banco de Portugal e Réu Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários."

O Fundo de Resolução contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
"a. Decidiu bem o Tribunal a quo i) ao considerar que a qualidade em que o Fundo de Resolução vem demandado na presente acção - a de "accionista único" do Novo Banco - é uma qualidade que lhe advém de normas de direito administrativo, não de direito privado, não agindo ele, aí, portanto, no âmbito do direito privado e ii) ao confirmar, consequentemente, a decisão da 1ª instância, em que se julgou procedente a excepção dilatória de incompetência dos tribunais judiciais para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução;
b. Na verdade, a suposta qualidade de "accionista único" do Novo Banco - e é esse o único fundamento invocado pelo Recorrente para demandar aqui o ora Recorrido - é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe essa natureza e a capacidade jurídica de que dispõe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial;
c. Advêm-lhe tal qualidade e capacidade jurídicas, desde logo, do art. 145º-G/4 do RGICSF e do art. 4° do Anexo 1 da Medida de Resolução do BES, de 3 de Agosto de 2014, a qual configura um acto jurídico-público do Banco de Portugal (um acto administrativo ou um acto normativo, é indiferente);
d. Por outro lado, a dotação de capital dos bancos de transição (como o Novo Banco) pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização exorbitante do direito privado, que lhe impõem normas de direito administrativo do RGICSF e o acto jurídico-público de criação do Novo Banco pelo Banco de Portugal;
e. Não deriva a criação e a capitalização do Novo Banco de qualquer acto voluntário de accionista praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do (Código Civil ou do) Código das Sociedades Comerciais;
f. Toda a sua organização, funcionamento, actividade e responsabilidade encontram-se extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF (e nos regulamentos emitidos ao seu abrigo), como é o caso, nomeadamente, da alínea c) do nº 1 e do nº 3 do respectivo art. 145°-B;
g. Dele resulta, é certo, o dever jurídico-público do Fundo de Resolução de responder pelas dívidas e obrigações mas dos bancos resolvidos (não dos bancos de transição, note-se) e apenas nos casos e na medida aí expressamente fixados, como se mostrou;
h. Aliás, todas as restantes normas do RGICSF citadas nestas contra-alegações de recurso, seja em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, seja quanto à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Resolução, são manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disciplina de relações jurídicas em que simples particulares não podem estar constituídos - isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco de Portugal) e os bancos de transição;
i. Por esse motivo e por todos os restantes avançados ao mesmo propósito nestas contra-alegações, o Fundo de Resolução não é, portanto - para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491º e 501º do CSC às sociedades com domínio total -, accionista único do Novo Banco;
j. É sim, um mero detentor público do seu capital social e credor público - repete-se, credor - dos bancos de transição, como resulta claramente da alínea a) do n° 3 do art. 145º-1 do RGICSF;
k. Por outro lado, estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco de Portugal, através da realização do capital dos bancos de transição, o Fundo de Resolução não está, porém, em parte alguma, constituído na responsabilidade de responder pelas obrigações a que tais bancos estejam vinculados;
l. Para além de que, por força das leis de organização judiciária portuguesa em matéria de repartição de competências jurisdicionais, é a causa de pedir invocada relativamente ao Fundo de Resolução - isto é, é a natureza da relação jurídica que o liga ao Novo Banco (e "derivadamente" ao ora Recorrente) -, reportada a uma relação jurídica regulada, como abundantemente se procurou demonstrar, por normas e actos de direito administrativo, que contagia a totalidade do objecto da acção, inclusivamente no que respeita à eventual aplicação nela de normas jurídicas de direito privado;
m. Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de crédito do Autor, ora Recorrente, enquanto detentor do capital social do Novo Banco, nas alíneas a) e f) do art. 42/1 do ETAF;
n. Mesmo que assim não se entendesse, essa parte do presente litígio subsumir-se-ia sempre na alínea o) desse mesmo art. 42/1 do ETAF - já para não falar, também, na alínea f) do art. 22/2 e na alínea f) do art. 372/1 do CPTA;
o. Julgou bem, também, o Tribunal a quo ao decidir, tendo em conta o disposto no art. 42/2 do ETAF, que a competência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, nos termos e com os fundamentos antes explicitados, se estende aos demais Réus, BES e Novo Banco, com ele solidariamente demandados nesta acção;
p. Na verdade, como se viu e demonstrou, por força dessa disposição do art. 42/2 do ETAF, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, contaminando a competência material dos tribunais comuns e atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa;
q. Alegou-se, por fim, que o facto de se ter entendido no Acórdão recorrido que os Tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecerem da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o Autor de accionar os Tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver julgada a pretensão aqui deduzida;
r. Razões pelas quais deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, com todos os seus efeitos."

O Recorrido Banco de Portugal contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
"a. A responsabilidade que o Autor aqui vem demandar ao Banco de Portugal - uma pessoa colectiva de direito público, como expressamente o qualifica o art. 12 da sua Lei Orgânica - funda-se na alegada violação dos seus deveres legais de supervisão sobre as entidades do sector bancário, incluindo o BES;
b. Está aqui em causa, portanto, uma suposta responsabilidade civil extracontratual do Banco de Portugal;
c. Nos termos da alínea f) do art. 42/1 do ETAF, é da competência exclusiva dos Tribunais Administrativos "a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas [à] responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público";
d. Não merece, pois, a decisão recorrida - que confirmou parcialmente a sentença do Tribunal de 1ª instância ao julgar como procedente a excepção de incompetência material dos Tribunais cíveis para conhecer do presente litígio e absolveu, por isso, o Banco de Portugal da instância - qualquer censura;
e. Acresce que, tendo vindo o Autor, ora Recorrente, pedir nesta acção a condenação solidária do Banco de Portugal e dos restantes Réus, o presente caso se subsume directamente na previsão do art. 4º/2 do ETAF, resultando também daí a incompetência dos Tribunais da jurisdição cível para conhecer deste litígio;
f. E, alegou-se ainda, que mesmo à luz da Lei Orgânica do Banco de Portugal, a jurisdição administrativa é a competente para conhecer das acções que envolvam tais actos ou decisões - quer as que digam respeito à respectiva validade, quer as que digam respeito à eventual responsabilidade civil do Banco de Portugal, decorrente da sua prática;
g. Pois que a resolução do Banco Espírito Santo adoptada pelo Réu Banco de Portugal foi consubstanciada no exercício de funções públicas de autoridade - e nesse particular dúvidas não restam quando o próprio RGICSF estabelece que "[...] as decisões do Banco de Portugal que adotem medidas de resolução estão sujeitas aos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo [...]" (art. 145°-N/1);
h. Alegou-se, por fim, que o facto de se ter entendido no Acórdão recorrido que os Tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecerem da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o Autor de accionar os Tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver julgada a pretensão aqui deduzida;
i. Razões pelas quais deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, com todos os seus efeitos."

A Recorrida CMVM contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso como revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça]
"l. Acresce ainda que, ao contrário do afirmado pelo Recorrente, não corresponde à verdade que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa desconsiderou a configuração que o A. atribuiu à ação, tendo-a tido em conta ao longo de toda a fundamentação do douto Acórdão.
m. Pois pode ler-se no douto Acórdão recorrido designadamente que: "Para a determinação do tribunal materialmente competente relevam, efetivamente, os termos em que a ação é proposta, definidos pelo pedido na sua relação com a causa de pedir. Mas, especificamente em relação a ações para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, também releva ao facto de serem demandadas pessoas coletivas de direito público".
n. E caso assim não se entenda, o que se concebe, sem conceder, sempre se dirá que o presente recurso sempre carece de fundamento, tendo em conta que, ao contrário do alegado pelo A./ Recorrente e conforme já se referiu a propósito da inexistência de contradição de julgados, não corresponde à verdade que o Tribunal da Relação de Lisboa não tenha considerado a configuração da ação para aferir da competência dos tribunais administrativos e fiscais para apreciar esta ação.
o. Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, cujo artigo 2.º aprova a LQER, a CMVM constitui uma entidade reguladora, e, como tal, é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente (cfr. artigo 3.º, n.º 1, da LQER).
p. Nos termos do artigo 5.º, n.º 2, da LQER, são subsidiariamente aplicáveis à CMVM, quando esta atua no exercício de poderes públicos, o Código de Procedimento Administrativo e as leis do contencioso administrativo, assim como, em consonância, ainda, com o artigo 5.º, n.º 3, alínea b), da LQER, o regime da responsabilidade civil do Estado.
q. A configuração atribuída pelo Autor, ora Recorrente, à presente causa impõe que se conclua que o litígio assume, no que à CMVM diz respeito, natureza jusadministrativa e, portanto, que se verifica incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por infração das regras de competência em razão da matéria.
r. Com efeito, sendo peticionado o ressarcimento de (alegados) danos por (também alegada) omissão da CMVM no exercício das suas atribuições de supervisão, é aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 31/2008, de 17 de julho ("RRCEE'').
s. Ora, são exclusivamente competentes para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos conjugados do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa ("CRP'') e dos artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ("ETAF''), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na redação introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.
t. De onde resulta que a R. CMVM deve ser absolvida da instância por verificação de exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, decorrente da infração das regras de competência em razão da matéria, em conformidade com o disposto nos artigos 64.º, 96.º, alínea a) e 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, alínea a), todos do CPC, confirmando-se o douto Acórdão recorrido.
u. E na hipótese remota de se entender que, na ação em causa, no que toca à CMVM, estamos perante uma relação jurídica de direito privado ou perante atos de gestão privada, a verdade é que é entendimento consolidado do Tribunal dos Conflitos que é da competência dos Tribunais Administrativos o julgamento das ações de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado e demais entes públicos ainda que esteja em causa uma relação jurídica de direito privado (Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 01.06.2017, Proc. n.º 08/17).
v. Ora, no presente caso não há qualquer dúvida sobre a natureza pública da CMVM, nem o A./ Recorrente impugna essa natureza, e também não pode negar que, tal como o A. configura a ação, está em causa a responsabilidade extracontratual da CMVM, pelo que deve concluir-se que a competência para julgar o presente litígio pertence aos tribunais administrativos e fiscais.
w. Fora do quadro da responsabilidade civil extracontratual, que nenhuma adesão tem à configuração que o A. fez da ação, que conduz à incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria conforme supra explanado, qualquer outra hipotética configuração da causa de pedir e dos pedidos tal como formulados pelo A., como aquela que este ensaia, sem razão face à causa de pedir e aos pedidos constantes da p.i., na conclusão C) das suas alegações, leva à conclusão de que a CMVM é parte ilegítima.
x. Com efeito, o pedido a) formulado pelo A. na p.i. é dirigido contra os RR. na sua qualidade de intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CdVM.
y. Ora, a CMVM não é, nem intermediário financeiro, nem o A. alega que o seja, nem lhe é aplicável o artigo 304.º-A do CdVM, pelo que nunca poderá ser parte na relação material controvertida configurada pelo A. de que são sujeitos este, por um lado, e intermediários financeiros, por outro, pelo que não se revelando processualmente possível a condenação da CMVM, na qualidade de intermediário financeiro, ao pagamento de qualquer quantia peticionada pelo A., não tem esta Comissão interesse em contradizer e é, portanto, parte ilegítima.
z. Quanto ao pedido formulado na alínea b), no qual o A. peticiona a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância da forma, uma vez que a CMVM não é intermediário financeiro, nem o A. o alega, a CMVM não pode ser parte em nenhum contrato de intermediação financeira alegadamente celebrado pelo A., visto que só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, atividades de intermediação financeira, e em decorrência, celebrar os contratos de intermediação financeira com os seus clientes.
aa. Acresce que é o próprio A. que configura a correspondente causa de pedir em termos que o contrato de intermediação financeira em apreço se estabeleceu entre, por um lado, o A. e, por outro, o 1º R., o 3º R. e o 6º R., não incluindo nesta relação contratual a 5ª R., CMVM (cf., em especial, artigos 107.º a 116.º da p.i.), pelo que, a CMVM não é parte nesta relação material controvertida, tal como o A. a configura.
bb. Assim, quanto ao pedido b), também não se revela processualmente possível a condenação da CMVM ao pagamento de qualquer quantia peticionada pelo A. em virtude da eventual declaração de nulidade de um contrato a que a CMVM é totalmente estranha, não tendo por isso esta Comissão interesse em contradizer e sendo, portanto, parte ilegítima.
cc. Relativamente ao pedido de condenação pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais, o A. omite quaisquer factos constitutivos, dessa responsabilidade relativamente à CMVM, no âmbito de qualquer relação contratual que tenha sido estabelecida entre o A. e a Ré, o que bem se compreende visto que entre um e outra não se estabeleceu qualquer relação contratual, nem o A. o alega.
dd. Acresce que a questão da competência dos tribunais para julgar as ações nas quais se discuta a atividade de supervisão da CMVM, nomeadamente quanto ao "Caso BES", tem vindo a ser decidida pela jurisprudência, sendo esta uniforme na fixação dos tribunais administrativos e fiscais como competentes para julgar este tipo de litígios.
ee. De entre a referida e já vasta jurisprudência destacam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos em 07 de novembro de 2017 (proc. n.º 19033116.9T8LSB.L2) e em 6 de dezembro de 2017 (proc. n.º 18455/16.0T8LSB.L2), ambos proferidos em autos de teor muito semelhante ao presente.
ff. Em suma, o objeto do presente litígio, no que à CMVM se reporta, é do exclusivo conhecimento dos tribunais administrativos e fiscais, conforme conjugadamente decorre do artigo 212.º, n.º 3, da CRP, dos artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, alínea f), do ETAF e, bem assim, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), e nº 3, alínea b) da LQER.
gg. Pelo que, ao contrário do defendido pelo Recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo aplicou e interpretou corretamente o disposto nos artigos 67.º, 96.º, al. a), 99.º n.º 1, 278.º n.º 1 do CPC, 80.º n.º 1 da LOSJ, e artigo 4.º, n.º 1, al. f) e n.º 2 do ETAF, não existindo qualquer vício de inconstitucionalidade, nem violação da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, devendo, assim, confirmar-se o douto Acórdão recorrido, e em conformidade, absolver-se a Recorrida CMVM da instância por força da incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, decorrente da infração das regras de competência em razão da matéria, nos termos do disposto nos artigos 64.º, 96.º, al. a), e 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. a), todos do CPC."

4. A questão objecto do presente recurso consiste em apreciar a decisão do acórdão recorrido, na parte em que absolveu da instância os RR. Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, com fundamento na incompetência material do tribunal.

5. A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer, a fls. 824, no sentido da improcedência do recurso, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido, na parte em que confirmou a decisão de absolvição da instância dos RR. Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM.

Fundamentação

1. Relevam os factos que constam do relatório antecedente.

2. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (art. 202° da Constituição da República Portuguesa), sendo que cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas "que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional" (art. 211°, nº 1, da CRP, art. 64º do Código de Processo Civil e art. 40º, nº 1, da Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto), e aos tribunais administrativos a competência para julgar as causas "emergentes de relações jurídicas administrativas" (art. 212º, nº 3, da CRP, e art. 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Assim, na sequência das normas constitucionais e legais, e tal como vem sendo entendido, aos tribunais judiciais assiste uma competência genérica e residual, pois são competentes para "todas as causas" que "não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".
Os tribunais administrativos, por seu turno, não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de "relações jurídicas administrativas", são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo "reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição" (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nº 508/94, de 14/07/94 e nº 347/97, de 29/04/97, consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Como tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos.
Nas palavras do acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 08/11/2018 (proc. nº 020/18), consultável em www.dgsi.pt, que vimos acompanhando, "A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência ...»."

Dispõe o art. 4º do ETAF (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, que entrou em vigor sessenta dias após a data da publicação, sendo pois aplicável à presente acção, interposta em 19 de Julho de 2016):
"1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.
(...)".

3. Segundo o critério enunciado, da petição inicial resulta que o A. deduziu, a título principal, pretensão indemnizatória por danos patrimoniais:
- Contra os RR. BES, S.A., Novo Banco, S.A. e B…………, por violação de deveres contratuais e pré-contratuais;
- Contra o R. Fundo de Resolução, enquanto detentor do capital social do Novo Banco, S.A.;
- Contra o Banco de Portugal, por violação de deveres de supervisão e por assunção de responsabilidades perante os clientes do BES/Novo Banco;
- Contra a CMVM, por violação dos deveres de supervisão;
Devendo os RR. ser solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de € 203.887,90, acrescida de juros moratórios.
A título subsidiário, deduziu o A. pretensão de declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira dos autos, devendo os RR. ser solidariamente condenados a restituir o capital entregue pelo A. com juros moratórios.
Cumulativamente, deduziu o A. pretensão indemnizatória por danos não patrimoniais, devendo os RR. ser solidariamente condenados em valor a determinar em liquidação de sentença.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos, "a competência ou jurisdição" deve "reportar[-se] ao pedido principal, não relevando, para estes efeitos, o pedido deduzido subsidiariamente" (acórdão de 14-09-2017, proc. nº 09/17, consultável em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, cfr. também os acórdãos de 21/02/2013, proc. nº 023/12, e de 26/09/2013, proc. n° 032/13, consultáveis em www.dgsi.pt).

4. Antes de entrar na apreciação da questão da competência material relativamente aos RR. Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, esclareça-se que a decisão do acórdão da Relação, aqui recorrido, de considerar competentes os tribunais judiciais para conhecerem dos pedidos do A. contra os RR. BES, S.A., Novo Banco, S.A. e B…………, não foi impugnada, tendo transitado em julgado.
No presente recurso não cabe, por isso, a possibilidade de reequacionar tal decisão, designadamente em função do regime do nº 2 do art. 4º do ETAF.

5. No que concerne à questão da competência material para conhecer dos pedidos do A. contra o Fundo de Resolução, de acordo com a jurisprudência constante deste Tribunal dos Conflitos nas acções em que o Fundo de Resolução foi demandado enquanto detentor do capital social do Novo Banco (acórdãos de 22/03/2018 (proc. nº 056/17), de 22/03/2018 (proc. n° 050/17), de 17/05/2018 (proc. n° 052/17), de 07/06/2018 (proc. n° 061/17), de 08/11/2018 (proc. nº 020/18) e de 13/12/2018 (proc. nº 033/18), todos consultáveis em www.dsgi.pt), tal competência cabe aos tribunais judiciais, orientação que - respeitando o princípio ínsito no nº 3, do art. 8° do Código Civil - é de manter no caso dos autos.
Conclui-se que, no que ao R. Fundo de Resolução respeita, deve proceder a pretensão do Recorrente.

6. Diversamente do alegado nas conclusões de recurso, o A. demandou o Banco de Portugal com fundamento em responsabilidade civil extracontratual. A questão da competência material para conhecer dos pedidos indemnizatórios contra o Banco de Portugal foi decidida pelo acórdão recorrido no sentido de que tal competência cabe à jurisdição administrativa e fiscal, por aplicação do regime do art. 4°, nº 1, alínea f), do ETAF (correspondente ao art. 4°, nº 1, alínea g), na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro) considerando que o regime do art. 62° da Lei Orgânica do Banco de Portugal (Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro, com sucessivas alterações) foi tacitamente revogado pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Vejamos.
O Banco de Portugal "é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio" (art. 1º da respectiva Lei Orgânica).
Dispõe o art. 62º da mesma Lei Orgânica que, "Sem prejuízo do disposto no artigo 39.º, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que o Banco seja parte, incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil por actos dos seus órgãos, bem como a apreciação da responsabilidade civil dos titulares desses órgãos para com o Banco."
Afigurando-se que a ressalva do art. 39º não tem aplicação à presente lide, ocorre a dificuldade de saber se o regime do art. 62° da Lei Orgânica do Banco de Portugal se manteve em vigor após a entrada em vigor do ETAF e tendo em conta que, de acordo com o art. 7º, nº 3 do Código Civil, "A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador".

Tal questão foi objecto de apreciação deste Tribunal dos Conflitos em decisões relativas a outras pessoas colectivas de direito público, para as quais existia/existe também norma de competência especial. Concretamente, nos seguintes acórdãos relativos à REFER, E.P. (ou REFER, E.P.E.):

Acórdão de 23/01/2008 (proc. nº 017/07), consultável em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação se pode ler:
"Consideramos, pois, que o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode sem ofensa à lei constitucional, alargar o perímetro da jurisdição dos tribunais administrativos a algumas relações jurídicas não administrativas.
2.2. Essa foi, igualmente, a leitura do legislador do actual ETAF que, na exposição de motivos da Proposta de Lei que lhe deu origem (publicada in "Reforma do Contencioso Administrativo" vol. III, p. 14) e que passamos a transcrever, na parte que interessa:
"(...)
Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de "relações jurídicas administrativas e fiscais". Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum. A existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado.
Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa, com especial destaque para a atribuição à jurisdição administrativa dos processos de expropriação por utilidade pública (...).
Estando ainda em causa a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos, pareceu, entretanto, adequado atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade emergentes do exercício da função político-legislativa e da função jurisdicional.
Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios nos quais, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. (...)" (negrito nosso).
É pois, com este alcance que, em sintonia com a intenção do legislador, deve interpretar-se a norma do art. 4º/1/g) do ETAF que atribui ao juiz administrativo competência para conhecer das "questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa".
Temos, assim, que, com a entrada em vigor do actual ETAF, de acordo com a regra geral do art. 4º/1/g) e salvo as excepções subtractivas contidas no nº 3 do mesmo preceito legal, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. Ou dito de outro modo, nas palavras de Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, p. 714 o ETAF "privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos"
Significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do art. 51º/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da ordem administrativa e os tribunais da ordem comum, nas "acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos" passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material. O juiz administrativo não fica dispensado de proceder à qualificação da relação controvertida, visto que da natureza da origem da responsabilidade - acto de gestão pública ou acto de gestão privada - dependerá a determinação do regime substantivo aplicável.
A interpretação ora defendida coincide com o entendimento da Doutrina Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, in "Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo", p. 32;
Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, "Código de Processo Nos Tribunais Administrativos e Fiscais", p. 59;
Sérvulo Correia, in "Direito do Contencioso Administrativo", p. 714"
(...)
"Nos termos do art. 1º do DL nº 109/77, de 25 de Março, "a empresa pública denominada Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, nacionalizada pelo Decreto-Lei nº 205-B/75, de 16 de Abril, é uma pessoa colectiva de direito público ...".
Por seu turno, de acordo com o disposto no art. 2°/1 do DL nº 104/97, de 29 de Abril, "a REFER, E.P., tem a natureza de pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio estando sujeita à tutela dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território".
E, apesar da sua índole empresarial, a natureza da sua personalidade não se modificou, com a entrada em vigor do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro que fixou o regime do sector empresarial do Estado. Este diploma prevê a existência de pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial (art. 23°/1), submete-as a um regime jurídico específico (capítulo III) e determina que o mesmo é aplicável às empresas públicas existentes à data da sua entrada em vigor (art. 23º/2).
Temos, assim, que as demandadas C.P. e REFER são, por expressa determinação do direito positivo, pessoas colectivas de direito público, logo enquadráveis no âmbito da previsão do art. 4°/1/g) do ETAF.
2.2.5. Porém, o DL nº 104/97, de 29 de Abril, diploma que criou a Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P., contém uma norma especial de competência (art. 32°/1) que reza assim:
''Sem prejuízo decorrente do disposto na alínea a) do nº 2 do art. 3º, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte a REFER, E.P., incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil dos titulares dos seus órgãos para com a respectiva empresa".
Ora, por um lado, este preceito é anterior à Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro e não faz parte do elenco indicado na norma revogatória deste diploma (art. 8º).
Por outro lado, "a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador" (art. 7º/3 do C. Civil).
A Exmª Magistrada do Mº Pº, no seu parecer, é de opinião que a norma especial de competência prevista no DL n° 104/97, relativamente às acções para efectivação da responsabilidade civil da REFER, deve considerar-se revogada pela Lei n° 13/2002, ao abrigo da segunda parte do art. 7º do C. Civil.
Subscrevemos este entendimento. Na verdade, a Exposição de Motivos parcialmente transcrita supra em 2.2. dá nota de que o legislador quis alargar o âmbito da jurisdição administrativa, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, com a intenção inequívoca de eliminar conflitos de jurisdição e que foi com essa motivação confessada que determinou que passava a caber à jurisdição administrativa a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público, independentemente de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
Deste modo, é de concluir que, (i) neste específico domínio, a lei nova veio regular toda a matéria da lei anterior, (ii) tendo o propósito claro de suprimir os regimes especiais desconformes, eliminando potenciais fontes de conflitos e que (iii) por consequência, por força do disposto no art. 7º, nºs 2 (parte final) e n° 3 (2ª parte) do C. Civil, deve considerar-se revogada a norma do art. 32º/1 do DL nº 104/97, de 29 de Abril, atributiva de competência aos tribunais da jurisdição comum.
Não há, pois, razão, para excluir do conhecimento dos tribunais administrativos as acções para efectivação de responsabilidade civil extracontratual da REFER." [negritos nossos]

Acórdão de 12/05/2016 (proc. n° 049/15), consultável em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação se pode ler:
"Prevê o art. 4°, no segmento que nos interessa e na redação aplicável, que "Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;" (A atual redação - a introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - é a seguinte: "f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional sem prejuízo do disposto da alínea a) do n.º 4;".).
Esta atribuição de competência à jurisdição administrativa, de questões respeitantes a pessoas coletivas de direito público, teve, na sua génese, uma inequívoca intenção do legislador: "(...) dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns. A jurisdição passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado" (sublinhado nosso) (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 93/VIII)
Esta intenção foi "relembrada", mais tarde, no âmbito da primeira alteração ao ETAF (Introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 29-02.) afirmando o legislador ser "aconselhável aproveitar o ensejo para rever em três aspectos muito pontuais o regime do artigo 4.º do ETAF, no que respeita à delimitação do âmbito da jurisdição." (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 102/IX, que altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (in Reforma do Contencioso Administrativo, vol. III, Ministério da Justiça).) Entre os quais "(...) o propósito de esclarecer que o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos se estende à apreciação de todos os litígios respeitantes à questão da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público" (Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 102/IX).
É a afirmação do princípio da unidade do foro para as pessoas coletivas de direito público (Certo que a apreciação da responsabilidade das pessoas coletivas privadas detidas pelo Estado deverá ser analisada casuisticamente, nos termos do art. 1.º, n.º 5, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, onde se afirma o "princípio da coerência das formas"), havendo, na doutrina, quem se refira a uma "intenção conformadora do legislador "no sentido de prevalecer sobre normas especiais anteriores" (Ana Fernanda Neves, Âmbito de jurisdição e outras alterações ao ETAF", E-Pública, Revista Eletrónica de Direito Público, Número 2, 2014, pág.6.) nomeadamente disposições legais avulsas que subtraem, atualmente, à jurisdição administrativa litígios relativos a relações jurídicas administrativas (Como é exemplo o art. 62.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, que subtrai à jurisdição administrativa litígios em matéria de responsabilidade civil do mesmo, conforme questiona Maria Fernanda Maçãs, "O controlo jurisdicional das autoridades reguladoras independentes", in CJA, n.º 58, julho/agosto, 2006, p.32.).
Ou que, como no caso que nos ocupa, subtraem à jurisdição administrativa, deferindo-a à comum, a competência para apreciar e julgar ações de responsabilidade civil extracontratual em que seja parte a REFER, E.P.E.
O art.º 32.º dos Estatutos da REFER, E.P.E., constantes do anexo I ao Dec. Lei n.º 104/97, de 29-04, alterado pelo Dec. Lei n.º 141/2008, de 22-07, sob a epígrafe, "Tribunais competentes", estabelece o seguinte:
"1 - Sem prejuízo decorrente do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º, compete aos tribunais judiciais o julgamento de todos os litígios em que seja parte a REFER, E.P.E., incluindo as acções para efectivação da responsabilidade civil dos titulares dos seus órgãos para com a respectiva empresa.
2 - São da competência dos tribunais administrativos os julgamentos dos recursos dos actos dos órgãos da REFER, E.P.E., que se encontrem sujeitos a um regime de direito público, bem como o julgamento das acções sobre validade, interpretação ou execução dos contratos administrativos celebrados pela empresa."
(...)
No pressuposto de ser aplicável a redação do ETAF de 2002, deverá, pois, decidir-se [...] pela afirmação do princípio da unidade do foro para as pessoas coletivas de direito público, no respeito de uma intenção manifestada inequivocamente pelo legislador, que se encontra nas já citadas Exposições de motivos e que servem de fundamento ao entendimento segundo o qual se deve considerar revogada a norma especial do art. 32.º dos Estatutos da REFER, E.P.E., em conformidade com o disposto no art. 7.º, n.º 3, do Código Civil.
A título de exemplo e na linha do que ora acabámos de expor, citamos o Ac. do Tribunal dos Conflitos 17/07, de 23-01-2008 e o Ac. do Tribunal dos Conflitos 30/09, de 17-06-2010, quanto à concreta questão da REFER, E.P.E, mas também outros, que decidiram de modo idêntico quanto a outras pessoas coletivas de direito público, como o Ac. do Tribunal dos Conflitos 18/06, de 16-10-2006, o Ac. da Relação do Porto de 12-02-2007, Proc. 0656180, o Ac. da Relação de Coimbra de 21-10-2008, Proc. 163/05.9TBFCR.C1, o Ac. do Tribunal dos Conflitos 09/10, de 02-03-2011, o Ac. da Relação de Coimbra de 17-05-2011, Proc. 69/09.2TBOLR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Por conseguinte, se a autora pretende ser ressarcida da quantia de € 12 600, acrescida de IVA, para a reconstrução do muro ou, em alternativa, que a ré seja condenada a proceder à reconstrução do muro derrubado, em efetivação de responsabilidade civil extracontratual, forçoso é concluir que serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa (art. 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF 2002).
Conclui-se, assim, que o litígio em debate é subsumível ao art.º 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF 2002, incumbindo ao foro administrativo a resolução da contenda, deferindo-se a competência material aos tribunais administrativos.
Concluindo:
- Compete aos tribunais administrativos o julgamento de ação para efetivação de responsabilidade civil extracontratual da REFER, E.P.E., pessoa coletiva de direito público, por efeito de aplicação do art. 4.º, n.º 1, al. g), do ETAF, na redação de 2002, que se deve entender como lei geral revogatória da norma especial do art. 32.º dos respetivos Estatutos, constantes do anexo I ao DL n.º 104/97, de 29-04, alterado pelo DL n.º 141/2008, de 22-07." [negritos nossos]

Aqui chegados, considera-se que esta orientação - pela qual se entende que a norma especial sobre a competência material, contida nos Estatutos da REFER, foi tacitamente revogada pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro - é válida para a situação sub judice. E, assim, considera-se que a norma do art. 62° da Lei Orgânica do Banco de Portugal (atribuindo aos tribunais judiciais a competência para julgar todos os litígios em que aquele seja parte, incluindo as acções de responsabilidade civil) foi tacitamente revogada pelo ETAF, pelo qual foi atribuída à jurisdição administrativa e fiscal competência para conhecer das acções de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (nos termos do art. 4°, n° 1, alínea g), correspondente ao actual art. 4°, n° 1, alínea f), após alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015).
Conclui-se que, nesta parte, é de manter a decisão do acórdão recorrido.

7. Também os pedidos indemnizatórios dirigidos pelo A. contra a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários se fundaram em responsabilidade extracontratual. Para apreciar a questão da competência material para conhecer dos pedidos contra a CMVM, importa ter presente que, nos termos do n° 1, do art. 3° da Lei-Quadro das Entidades Administrativas Independentes com funções de regulação da actividade económica dos sectores privado, público e cooperativo (Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto), a CMVM, enquanto entidade reguladora, é uma pessoa colectiva de direito público.
Assim, de acordo com o previsto no art. 4°, nº 1, alínea f), do ETAF, a competência numa acção de responsabilidade civil extracontratual em que a CMVM é demandada cabe à jurisdição administrativa e fiscal.
Conclui-se que, também nesta parte, é de manter a decisão do acórdão recorrido.

Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente:
a) Revogando-se a decisão do acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância o Fundo de Resolução, declarando-se competente a jurisdição comum para conhecer dos pedidos contra este R. deduzidos e devendo o processo prosseguir para esse efeito;
b) Mantendo a decisão do acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância os RR. Banco de Portugal e Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários;
c) Declarando ser competente a jurisdição administrativa e fiscal para conhecer dos pedidos deduzidos contra os RR. Banco de Portugal e Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.

Sem custas.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019. - Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão (relatora) - José Francisco Fonseca da Paz - José Inácio Manso Rainho - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Manuel Pereira Augusto de Matos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.