Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:032/19
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
REVERSÃO DE PRÉDIO EXPROPRIADO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:I - A substituição da expropriação amigável pela compra e venda dos bens expropriados não transmuta a relação jurídico-administrativa decorrente da expropriação numa relação jurídico-privada.
II - O contrato de compra e venda apenas serve como meio mais expedito para concluir rapidamente o procedimento de expropriação, pelo que, mantendo-se a natureza expropriativa do contrato, o pedido de resolução do mesmo contrato por pretenso incumprimento do fim expropriador move-se no âmbito da relação jurídico-administrativa de expropriação, transportando a resolução dos litígios dela emergentes para a jurisdição administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P25474
Nº do Documento:SAC20200123032
Data de Entrada:06/14/2019
Recorrente:A………… E OUTRO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DO PORTO – JUIZ 1 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 32/19

Acordam no Tribunal de Conflitos:

I. Relatório

1. O presente conflito de competências tem na sua origem uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, intentada no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto por A………… e B………… contra o Município do Porto (MPorto) e o MADI-Movimento de Apoio ao Diminuído Intelectual (MADI).

De forma sintética, os AA. peticionaram a resolução do contrato de compra e venda que transferiu para o MPorto o direito de propriedade que detinham sobre o prédio misto situado no Porto, no lugar da ………, da freguesia de ……….

Dito contrato de compra e venda ocorreu após a declaração de utilidade pública da dita parcela de terreno, na sequência da indisponibilidade manifestada pelos AA. para alienar a parcela de terreno em questão ao MPorto. Haja em vista que, segundo alegam, nunca o dito terreno foi utilizado para o fim que lhe tinha destinado o MPorto – a construção do Centro de Educação Profissional Integrado Destinado a Jovens Deficientes Mentais Não Escolarizados –, pretendem agora os AA. que seja “Declarado resolvido o contrato titulado pela escritura pública acima identificada entregando os Autores o capital que receberam e recebendo a propriedade livre de pessoas”. “Subsidiariamente deverá ser declarado que os Autores não teriam celebrado o contrato se soubessem que o comportamento do Município seria este e consequentemente condenado este a reequilibrar o negócio pagando-lhes a diferença entre o valor do solo à data da decisão final, deduzido do valor que por ele recebeu atualizado desde o momento do recebimento até à data da decisão final” (cfr. fls. 15 e 15v.).

Na contestação apresentada, o R. MPorto defendeu-se por excepção e por impugnação, tendo, no que respeita à primeira, suscitado a incompetência ratione materiae do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto. Este último conheceu da excepção deduzida pelo R. MPorto no despacho saneador de 02.11.18, julgando a mesma procedente e, consequentemente, absolveu os R.R. da instância.

Desta decisão recorreram os AA. para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 26.03.19, igualmente se considerou incompetente em razão da matéria e, nesse sentido, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão apelada. Na sequência desta decisão, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal de Conflitos ao abrigo do artigo 101.º, n.º 2, do CPC, recurso que viria a ser admitido por aquele tribunal.

2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de o presente conflito ser resolvido a favor dos tribunais administrativos por, em seu entender, serem aplicáveis ao caso as als. e) e o) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF (cfr. parecer de fls. 210 a 213).

II. Enquadramento e apreciação do conflito

3. A única questão a decidir no âmbito do presente conflito é a de saber qual a jurisdição materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados pelos AA., pedidos motivados pela verificação, in casu, de uma causa de reversão da expropriação. Os factos a considerar são, para o que agora interessa, os mencionados no relatório.

Vejamos.

4. Sendo certo que foi celebrado um contrato de compra e venda entre os AA. e o R. MPorto, a verdade é que ele funcionou como sucedâneo da expropriação amigável, impossibilitada a mesma, como acima se disse, pela indisponibilidade manifestada pelos AA. em vender a sua parcela de terreno. Antes da celebração do contrato em questão, o MPorto conseguiu que a parcela de terreno dos AA. fosse declarada como de interesse público para efeitos de expropriação.

Com a declaração de utilidade pública, o direito de propriedade dos interessados é sacrificado e os bens por ela atingidos ficam de imediato adstritos ao fim específico da expropriação.

A substituição da expropriação amigável pela compra e venda dos bens expropriados, in casu, da parcela de terreno dos AA., não transmuta a relação jurídico-administrativa decorrente da expropriação numa relação jurídico-privada.

O contrato de compra e venda apenas serve como meio mais expedito para concluir rapidamente o procedimento de expropriação, pelo que, mantendo-se a natureza expropriativa do contrato, o pedido de resolução do mesmo contrato por pretenso incumprimento do fim expropriador move-se no âmbito da relação jurídico-administrativa de expropriação, transportando a resolução dos litígios dela emergentes para a jurisdição administrativa. Efectivamente, cumpre sublinhar que o pedido de resolução do contrato de compra e venda visa a reversão da parcela expropriada (artigo 5º do CE). A reversão traduz-se no direito conferido ao expropriado de recuperar os bens expropriados quando os mesmos se mostrarem desnecessários para a realização do interesse público que justificou a expropriação. E esse fenómeno da reversão baseia-se em fundamentos de direito público e a sua competência é deferida à entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação ou que haja sucedido na respetiva competência (artigo 74º/1 do CE).

5. Termos em que se decide resolver o presente conflito de jurisdição atribuindo a competência para conhecer do presente processo aos tribunais administrativos.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2020. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Maria Olinda da Silva Nunes Garcia – José Augusto Araújo Veloso – Maria da Assunção Pinhal Raimundo - José Francisco Fonseca da Paz – António Manuel Clemente Lima.