Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:031/21
Data do Acordão:03/23/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29170
Nº do Documento:SAC20220323031
Data de Entrada:11/09/2021
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE - JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASCAIS – JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA
REQUERENTE: ADC – ÁGUAS DE CASCAIS, SA
REQUERIDO: CONDOMÍNIO DO PRÉDIO …, EDIFÍCIO ……………
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 31/21

Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório
AdC – Águas de Cascais, SA apresentou em 21.01.2020 um requerimento de injunção contra Condomínio do Prédio … Edifício ……………, pedindo o pagamento da quantia de 439,49 € referente a dívida, juros e taxas de justiça de factura não paga respeitante ao fornecimento de água e drenagem de águas residuais, segundo contrato celebrado.
Enviado o processo para distribuição no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Cascais, por se ter frustrado a notificação do requerido, foi aí proferida decisão em 27.04.2021 julgando “verificada a excepção dilatória da incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, para preparar e proferir decisão nos presentes autos e, consequentemente, absolvo o R. da instância” por “Tal contador não tem como função medir o consumo de água (e não o mede), medindo apenas a quantidade global de água que entra no prédio, sendo a cobrança de água, nestas circunstâncias, imposta pela fornecedora de água ao consumidor final, sendo que os conflitos a dirimir resultantes da instalação de um contador destas características devem ser dirimidos pela jurisdição especializada dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do disposto no art° 4° n°1 do ETAF, nas suas diversas alíneas, mas em especial na sua alínea e), quer na versão em vigor à data da celebração do contrato dos autos, quer na redação da Lei 118/2019”.
Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), a pedido da Autora, também este Tribunal, em decisão proferida em 14.06.2021, se considerou incompetente em razão da matéria por entender que “(…) no dia 21-01-2020, a Autora apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, requerimento a solicitar a notificação da Entidade Demandada (…) Àquela data, já estava em vigor a alínea e) do n.º 4 do art.º 4.º do ETAF, com a redação dada pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro (…) Sendo esse o momento relevante para efeitos de aferição da competência, em razão da matéria, deste Tribunal, conclui-se que este Tribunal é materialmente incompetente para conhecer da presente acção”.
Por despacho de 18.10.2021 o TAF de Sintra suscitou oficiosamente a resolução do conflito, tendo sido remetido o processo ao Tribunal dos Conflitos.
Neste Tribunal dos Conflitos as partes, notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, nada disseram.
A Exma. Magistrada do MP emitiu parecer no sentido de dever ser atribuída a competência material à jurisdição comum, no caso ao Juiz 2 do Juízo Local Cível de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

Apreciação da questão
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211.º, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» [artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, n.º 1, do ETAF].
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro) com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4). Deste preceito importa reter o disposto na alínea e) do n.º 4 que excluí do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os litígios «emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva» (redacção introduzida pela Lei n. º 114/2019, de 12 de Setembro).
Na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei nº 167/XIII, que deu origem à referida Lei nº 114/2019, consta o seguinte:
«A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.» (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43155
A Autora AdC – Aguas de Cascais, SA é uma sociedade comercial concessionária da exploração e gestão do Sistema de Abastecimento de Água (Captação, Tratamento, Elevação, Armazenamento e Distribuição) e do Sistema de Drenagem e Tratamento das Águas Residuais Urbanas do Concelho de Cascais.
A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. De acordo com o artigo 1.º, n.º 2, alínea a) da referida Lei, de entre os serviços públicos abrangidos encontra-se o serviço de fornecimento de água.
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário pacífico, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a mesma é proposta. No presente caso a Autora reclama o pagamento de uma factura respeitante ao fornecimento de água e drenagem de águas residuais ao Condomínio Réu, conforme contrato celebrado. Deparamo-nos, portanto, com um litígio de consumo relativo à prestação de um serviço público essencial.
No dia em que a Autora apresentou o requerimento de injunção – 21.01.2020 – já se encontrava em vigor a mais recente versão do artigo 4.º do ETAF (introduzida pela Lei n.º 114/2019) com o expresso afastamento, na al. e) do seu n.º 4, da competência dos tribunais administrativos e fiscais para apreciar “litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”.
Pelo exposto, e atento o disposto no artigo 4.º, n.º 4, al. e), do ETAF, na redacção da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, acordam em julgar competentes para apreciar a presente acção os Tribunais Judiciais [Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 2].
Sem custas.

Lisboa, 23 de março de 2022. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.