Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:010/15
Data do Acordão:03/10/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:JOÃO BERNARDO
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
Sumário:O Tribunal de Trabalho é o competente para conhecer de uma acção declarativa de condenação interposta contra um Instituto Público por vários autores que celebraram com o mesmo contrato individual de trabalho, sujeito ao direito laboral.(*)
Nº Convencional:JSTA00069610
Nº do Documento:SAC20160310010
Data de Entrada:10/21/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:INST DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TT T COMUM
Decisão:DECL COMPETENTE TT
Área Temática 1:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional:CONST76 ART211 N1 ART212 N3.
ETAF02 ART1 ART4.
L 3/99 DE 01/13.
DL 223/2007 DE 30/05 ART10.
L 59/2008 DE 09/11 ART14.
Jurisprudência Nacional:AC TCF CF8/14 DE 2015/10/01.; AC TCF CF14/10 DE 2005/03/09.; AC TCF CF25/10 DE 2011/03/29.
Referência a Doutrina:JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA VOLIII PÁG148.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA - 2009 PÁG79.
FREITAS DO AMARAL - DIREITO ADMINISTRATIVO - VOLIII PÁG439.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 10/15
Processo n.° 2266/10.9TTLSB.L1

Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1. A………… e mais 150 autores intentaram no, então, denominado Tribunal do Trabalho de Lisboa, esta ação declarativa de condenação, em processo comum, contra:

O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. (IHRU).

Alegaram, em síntese, que:

Não obstante ser o R. um instituto público, celebraram com o mesmo contratos individuais de trabalho, sujeitos ao direito laboral, pelo que é o Tribunal do Trabalho o competente para a apreciação da ação.

Sendo a Ordem de Serviço n.º 020/92, de 29/10/1992, que instituiu o Seguro de Complemento de Reforma, um instrumento do poder regulamentar da entidade empregadora, à qual a totalidade dos trabalhadores aderiu tacitamente e visto que, no prazo de 30 dias a contar da respectiva publicação, não se pronunciaram contra ela, a mesma é unilateralmente irrevogável e a deliberação do réu que a revogou viola a proibição de diminuição da retribuição.

Pediram, em conformidade, que:

Seja o réu condenado a respeitar o direito ao Seguro Complemento de Reforma deles e demais beneficiários, como um direito incorporado no seu contrato individual de trabalho, unilateralmente irrevogável por aquele;

Seja a deliberação do réu de determinar “que cesse de imediato o benefício relativo ao Seguro Complemento de Reforma” declarada nula, por contrária à lei;

Seja o réu condenado a reconstituir integralmente a situação que existia na data da deliberação da cessação do benefício em causa, procedendo ao pagamento das contribuições relativas às anualidades em falta, respeitantes aos anos de 2008 e 2009 e às que entretanto vierem a faltar, por forma a garantir aos trabalhadores o valor da pensão de reforma correspondente a 15% do último salário ilíquido pensionável à data da reforma, atentos os critérios regulamentarmente definidos para determinação do salário ilíquido pensionável;

Mais seja o réu condenado a pagar uma indemnização a eles, autores, e demais beneficiários, nas situações de privação ilegítima do gozo do direito ao “benefício relativo ao Seguro Complemento de Reforma” que vierem a ocorrer, no montante correspondente a 15% do último salário ilíquido pensionável à data da reforma, atentos os critérios regulamentarmente definidos para determinação do salário ilíquido pensionável, para compensação do prejuízo causado, acrescido do montante de 100,00 €/mês ou fração, a título de compensação dos benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão sofrida.

2. O réu contestou tendo, além do mais, excecionado a incompetência do tribunal do trabalho, sustentando que os litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas, como é o caso dos autos, pertencem à jurisdição administrativa, atento o disposto no art. 4º, n.º 3, al. d) do ETAF.

3. Foi proferido despacho saneador no qual se julgou procedente esta exceção.

4. Apelaram os autores, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação confirmou a decisão.

5. Ainda inconformados, interpuseram recurso para este Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto nos artigos 101.º, n.º 2 e 111.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Que não foi recebido pela Senhora Relatora.

6. Reclamaram para este Tribunal.

Aqui o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência da reclamação.

7. A qual foi efetivamente julgada procedente por despacho do ora relator.

8. Entretanto, a folhas 59, o réu apresentou a “Nota Discriminativa das Custas de Parte” que os autores não aceitaram, pedindo a condenação do apresentante em multa e indemnização a eles mesmos por litigância de má fé.

…………………..

9. Na peça processual referida em 6, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se também sobre o mérito da exceção que está em causa.

Entendeu, em síntese, que:

A questão da competência do tribunal “deve ser aferida em função dos concretos termos em que a ação foi proposta”;

Relevando, nesta conformidade, a alegação de que cada um dos autores está ligado à ré através do regime do contrato individual de trabalho e de que este é um contrato de direito privado.

Cabendo aqui o regime derivado da alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ (n.º 3/99, de 13.1), na redação vigente à data da propositura da ação e, bem assim, da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF.

Por isso, pronunciou-se pelo provimento do recurso, devendo atribuir-se a competência ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

10. Os recorrentes concluem as alegações do seguinte modo:

1- O pedido de condenação do R. a cumprir com o direito dos AA. ao seguro de complemento de reforma nos termos instituídos emerge do direito privado laboral, e não do direito público, pelo que o tribunal competente para dirimir o conflito é o do trabalho, e não o administrativo (cfr. arte 85º-b) da Lei 3/99, de 13/01, na redacção dada pela Lei 105/2003, de 10/02, então vigente);

2- No sentido referido na conclusão antecedente tem decidido, reiteradamente, o Tribunal de Conflitos (cfr. acórdãos de 29/03/2011-Proc. 025/10; de 05/05/2011-Proc. 029/10; de 22/09/2011-Proc. 030/10; e de 27/02/2014-Proc. 035/13, todos disponíveis no portal do MJ - www.dgsi.pt);

3- No mesmo sentido decidiu já o próprio Tribunal da Relação de Lisboa em caso similar, concluindo então que “É pelos termos da acção delineados pelo A. na petição que se afere a verificação dos pressupostos processuais, máxime a competência do tribunal (cfr. título I do sumário do acórdão do TRL, de 09/05/2012-Proc. 2159/10.0TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt);

4- De acordo com a melhor jurisprudência, tem sido entendido que “Na verdade, o n° 3 do art. 88° da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 (diploma que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), ao dispor que “os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei”, está a referir-se aos trabalhadores contratados ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho da Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22.06 (“Revogado a partir de 1.1.2009 pela Lei 59/2008, com excepção dos seus artigos 16°, 17.° e 18°”), e portanto aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado de acordo com as regras aí estabelecidas, nomeadamente as respeitantes à forma do contrato, constantes do seu art. 8°, de acordo com as quais os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita, dele devendo constar, entre outras indicações, as relativas ao tipo de contrato e respectivo prazo, quando aplicável, e à actividade contratada e retribuição do trabalhador, sob pena de nulidade do contrato (cfr. citado art. 8º, n.ºs 1 e 2, al. b) e c) e n.º 3)” (cfr. acórdão do Tribunal de Conflitos, de 05/05/2011- Proc. 029/10, disponível no portal do MJ - www.dgsi.pt);

5- No âmbito dos presentes autos as relações jurídicas actualmente existentes entre AA. e R. deverão qualificar-se de acordo com o regime jurídico do direito privado laboral e civil, e não de acordo com o regime jurídico da administração pública;

6- Os contratos de trabalho celebrados pelos AA. ao abrigo do direito privado laboral (Doc. 5, junto com a p.i.), nunca foram formalizados nos termos previstos na Lei 23/2004, de 22/06;

7- Na situação em apreço não se verificou a conversão dos contratos de trabalho celebrados ao abrigo do direito laboral privado que vinculavam cada um dos AA. ao R. desde 1 de Janeiro de 2009, em contratos de trabalho em funções públicas, por falta de pressupostos legais;

8- A mais ponderada jurisprudência sobre a matéria em apreciação considera que “Também o art. 17º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, quando refere que a transição para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades (sem prejuízo do disposto no art. 109º da Lei n.º 12-A/2008 - lista nominativa das transições e manutenções), está a reportar-se à transição dos trabalhadores que, nos termos da citada Lei n.º 12-A/2008, de 27.02. se deva operar designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, ou seja, no que se refere aos trabalhadores com contrato individual de trabalho, trata-se, como se referiu, de contrato celebrado ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho da Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22.06, e daí que se considere para dispensar quaisquer formalidades nessa transição “que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato”. «Ora, o contrato em causa nos autos não foi celebrado ao abrigo da Lei n.º 23/2004, de 22.06, nem nunca foi formalizado nos termos prescritos na mesma Lei (ou por qualquer outra forma - cfr. art. 17º da p.i.), pelo que não se pode considerar convertido em contrato de trabalho em funções públicas nos termos dos citados arts. 88°, n.º 3 da Lei n.º 12-A/2008 e 17º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, sob pena de se estar a admitir que o legislador pretendeu convalidar contratos nulos, o que é indefensável, pois se assim fosse o legislador teria que o dizer expressamente, o que manifestamente não fez” (cfr. acórdão do Tribunal de Conflitos, de 05/05/2011-Proc. 029/10, disponível no portal do MJ www.dgsi.pt);

9- É convicção dos AA. que a sua pretensão se fundamenta na existência de uma relação jurídica privada, e não noutra, a qual não se converteu em relação jurídica pública a partir de 01 de Janeiro de 2009, sendo o bastante para determinar que a causa incumbe ao Tribunal do Trabalho, atento o disposto no art° 85°-b) da então vigente LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13/01, na redacção dada pela Lei 105/2003, de 10/12 (norma ora prevista no artigo 126°/1-b) da Lei 62/2013, de 26/08), e no art° 4°/3-do ETAF;

10- A assim não se entender, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, deverão os autos ser remetidos ao tribunal julgado competente, atendendo-se ao seu carácter urgente (cfr. artigo 111°/2 e 3 do CPC).

Termos em que se requer a V. Ex.cias:

- Seja o presente recurso julgado procedente, por provado, e em consequência:

- Com o Douto suprimento do Venerando Tribunal, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - 1.ª Secção do Trabalho, competente em razão da matéria em apreciação, prosseguindo os autos a sua normal tramitação...

A assim não se entender,

- deverão os autos ser remetidos ao tribunal julgado competente, atendendo-se ao seu carácter urgente (cfr. artigo 111º/2 e 3 do CPC).

Contra-alegou a ré, rebatendo, ponto por ponto, a alegação da contraparte.

Sustentou a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais e que, caso assim se decida, não tem apoio legal a pretensão de remessa do processo ao Tribunal competente, de entre estes.

11. A questão a decidir cifra-se em saber se a presente causa deve ser apreciada pelos Tribunais Judiciais - em concreto pelo então Tribunal do Trabalho de Lisboa - ou pelos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Para a hipótese de se entender que a apreciação cabe a estes, há ainda que apreciar a pretensão dos recorrentes no sentido da remessa do processo ao Tribunal competente.

12. Para o conhecimento do mérito do presente recurso, interessa o seguinte, retirado da tramitação processual:

Na petição inicial da ação, instaurada em Junho de 2010, consta o seguinte:

“ I - Questões Prévias

a)- Da natureza privada da relação jurídica laboral

1- O requerido IHRU é oriundo do seu antecessor Instituto Nacional de Habitação (INH), criado pelo DL 177/84, de 25/05 (Doc.11, com a natureza de instituto público e com personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (cfr. art° 1º/2). Mais tarde,

2- Através do DL 202-B/86, de 22/07, foi publicada a Lei Orgânica do INH (Doc. 2), mantendo o Instituto a mesma natureza de instituto público com personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (cfr. Art° 1°), que atribuiu competência ao Conselho Directivo para “elaborar os regulamentos internos necessários ao bom funcionamento dos serviços e deliberar sobre todas as situações relativas ao pessoal” (cfr. Art° 9º 11-j)). De acordo com o teor da citada Lei Orgânica,

3- O estatuto do pessoal “rege-se, na generalidade, pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho e, na especialidade, pelo disposto no regulamento interno” (Ibidem-art° 22° 11). Acresce que,

4- Mais recentemente, através do DL 207/2006, de 27/10 (Doc. 3), foi determinada a reestruturação do INH, “que passa a designar-se Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP.” - IHRU - (Ibidem-art° 29°/3-c)). De seguida,

5- Foi publicada nova Lei Orgânica através do DL 223/2007, de 30/05 (Doc. 4), determinando igualmente que nas relações de trabalho com o pessoal “é aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho” (Ibidem-art° 10°). E assim,

6- Todos os autores - bem como todos os interessados beneficiários do direito em causa nos presentes autos, referidos no título IV desta p.i, celebraram com o R. os respectivos contratos individuais de trabalho, como se demonstra através da junção de diversos exemplares (Doc. 5). Diga-se ainda que,

7- Nos termos do articulado da nova Lei Orgânica (Doc. 4), “o IHRU, IP., sucede em todos os direitos e obrigações do INH... inerentes ou de correntes do exercício das atribuições que lhe estão cometidas, (abrangendo) a posição contratual do INH ... em todos os contratos e acordos já celebrados à data da entrada em vigor do presente diploma (que ocorreu em 01/06/2007-cfr. art° 26T - (cfr. art° 21º/2 e 3, do DL 223/2007, de 30/05).

b)- Do tribunal competente

8- Pese embora o facto de estarmos em presença de um instituto público, por se tratar de questão emergente de contrato individual de trabalho, como supra se demonstrou, o tribunal competente é o Tribunal do Trabalho (cfr. Art° 85°- b) da Lei 3/99, de 13/01, na redacção dada pela Lei 105/2003, de 10/12), e não o tribunal administrativo (cfr. Art° 4° 1 3-d) do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19/02).

Sendo os pedidos deduzidos do seguinte modo:

“Termos em que se requer a V. Ex.cia, seja a presente acção julgada procedente, por provada, e em consequência:

a)- Seja admitido o litisconsórcio;

b)- Sejam os interessados e beneficiários do direito em causa, constantes do art° 540 supra, representados pelo MP (cfr, art° ao do CPT);

c)- Seja o R. condenado a respeitar o direito ao Seguro Complemento de Reforma dos AA e demais beneficiários, como um direito incorporado no seu contrato individual de trabalho, unilateralmente irrevogável por aquele. Consequentemente,

d)- Seja a deliberação do R. de determinar “que cesse de imediato o benefício relativo ao Seguro Complemento de Reforma” (Doc. 12- penúltimo parágrafo), declarada nula, por contrária à lei (cfr. Art° 280.° II do Código Civil);

e)- Seja o R. condenado a reconstituir integralmente a situação que existia na data da deliberação da cessação do benefício em causa, procedendo ao pagamento das contribuições relativas às anualidades em falta respeitantes aos anos de 2008 e 2009, e às que entretanto vierem a faltar (cfr. n° 1 do Regulamento, anexado à Ordem de Serviço n° 56/98, de 22/05/1998 (Doc. 10), por forma a garantir aos trabalhadores o valor da pensão de reforma correspondente a 15% do último salário ilíquido pensionável à data da reforma, atentos os critérios regulamentarmente definidos para determinação do salário ilíquido pensionável (cfr. N° 3, e n° 3.1, ambos do Regulamento, anexado à Ordem de Serviço n° 56/98, de 22/05/1998 (Doc. 10);

f)- Seja o R. condenado a pagar uma indemnização aos AA e demais beneficiários, nas situações de privação ilegítima do gozo do direito ao “benefício relativo ao Seguro Complemento de Reforma” que vierem a ocorrer (cfr. Doc. 12-penúltimo parágrafo; e art° 564012 do Código Civil, no montante correspondente a 15% do último salário ilíquido pensionável à data da reforma, atentos os critérios regulamentarmente definidos para determinação do salário ilíquido pensionável, para compensação do prejuízo causado (cfr. N° 3, e n° 3.1, ambos do Regulamento, anexado à Ordem de Serviço n° 56/98, de 22/05/1998 -Doc. 10; e art° 564° da parte, do Código Civil), acrescido do montante de 100,00 €/mês ou fracção, a título de compensação dos benefícios que os AA e demais beneficiários deixaram de obter em consequência da lesão sofrida (cfr. Art° 564011 t 2a parte, do Código Civil);

g)- Seja o R. condenado no pagamento das custas de parte e procuradoria, nos termos legais.

Para tanto, requer-se a V. Ex.cia ordene a citação do R. e a notificação dos AA, bem como do MP em representação dos interessados e beneficiários do direito em causa que não podem por si intervir em juízo, para a Audiência de Partes, seguindo-se os ulteriores termos até final, com o mais da lei.”

13. A estatuição sobre a competência dos tribunais, em razão da matéria, consta, em primeira linha, da Constituição da República Portuguesa.

No artigo 211.º, n.º 1 atribui-se, além do mais, competência residual aos tribunais judiciais.

No artigo 212.°, n.º 3 dispõe-se que:

Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Perante o texto constitucional e sempre na parte que agora interessa, levanta-se a questão de saber o que deve entender-se por “relações jurídicas administrativas”.

Para Jorge Miranda e Rui Medeiros, as relações jurídicas administrativas são as que “se regem por normas de Direito Administrativo” (Constituição Portuguesa Anotada, III, 148).

Para Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições de 2000, 79) a relação jurídica administrativa é “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.”

Por sua vez, Freitas do Amaral (Direito Administrativo, III, 439) define-a como “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração.”

No seguimento destas normas constitucionais temos o artigo 1.º do ETAF com o seguinte teor:

“Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

Dispondo o seu artigo 4.º, na parte que agora importa, que não é da competência destes Tribunais:

b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.

Estatuição que está em sintonia com o que determina a alínea b) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13.1, ainda aplicável à presente ação (sendo, porém, certo que as leis que lhe sucederam vão no mesmo sentido).

Estas estatuições não colidem com o disposto constitucionalmente e, por isso, devem ser objecto de especial atenção, já que encerram uma previsão específica para casos como o nosso.

14. Quer a competência, quer a jurisdição têm como ponto de referência o modo como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir.

Tem sido particularmente reiterada esta posição por parte deste Tribunal, podendo ver-se, muito exemplificativamente, em www.dgsi.pt (sítio onde se pode ver o texto também dos demais arestos que se vão referir), o ainda recente Acórdão de 17.11.2015, Conflito n.º 23/15.

15. Como emerge, com clareza, do que se transcreveu em 12, os autores configuram a causa de pedir e o pedido, de modo expresso e especificamente fundamentado, como reportadas a relações de trabalho privadas, ainda que prestadas a um instituto público.

Não será curial, a nosso ver, indagar se a natureza que eles conferem a tais relações está conforme às alterações legislativas que se foram sucedendo.

Isso seria entrar no mérito da causa.

Se acaso se decidisse serem competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais e ali se entendesse que as relações são de natureza privada, levantar-se-ia uma delicada questão em torno do caso julgado formal emergente da decisão dum tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito.

Ou, então, ficariam a subsistir duas decisões antagónicas: uma para efeitos de competência, entendendo que a relação laboral não era privada e outra para efeitos de conhecimento do mérito entendendo que o era.

Nesta questão, parece-nos oportuno trazer para aqui as palavras do Acórdão deste Tribunal de 1.10.2015, Conflito n.º 8/14:

“É certo que o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. Para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do Autor de que está ligado à Ré através do regime contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime do contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o Autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à Ré.”

Já afirmando, aliás, Manuel de Andrade (NEPC, 91):

“A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deveriam ser as partes e os termos dessa pretensão.”

16. À margem de toda esta construção caminha necessariamente uma ponderação sobre a natureza do direito processual e, dentro deste, sobre o desvalor dos conflitos de competência ou de jurisdição.

Não constitui aquele um valor em si, antes devendo ser encarado como instrumento, que é, de resolução das questões substantivas que trazem os autores a tribunal.

As figuras da cooperação e de adequação processual são exemplo de que o próprio legislador encara este ramo do direito no seu papel e não mais do que isso.

Tudo é exposto em Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 38. Chegando este Ilustre Autor mesmo a afirmar que “as regras processuais podem ser afastadas ou adaptadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio.”

Dentro da realidade processual os conflitos de competência ou de jurisdição, por situarem o esforço judicial totalmente fora da composição do litígio, determinam necessariamente uma intensa ponderação sobre se, em casos de fronteira, não será de ter particularmente presentes as necessidades de eficiência em ordem a conseguir-se a célere decisão de mérito, cumprindo-se, afinal, o que impõem os artigos 20.º, n.º 5 da CRP, 6.º da CEDH e 7.º, n.º 1 do CPC.

Até porque as partes e o cidadão comum compreendem muito mal toda uma tramitação destinada apenas a saber qual o tribunal competente. E talvez se justifique que sejamos nós a compreender que eles compreendam mal.

No presente caso, a ação foi instaurada em Junho de 2010 e até agora o sistema judicial nada “disse” sobre o mérito ou demérito das pretensões dos autores.

Toda esta ponderação pode-nos levar a, nos casos de fronteira, pender para a solução que de modo mais célere conduza ao conhecimento desse mérito. A qual não passa pelo possível desaproveitamento de toda a tramitação levada a cabo no Tribunal do Trabalho.

17. O sentido decisório que vimos assumindo continua o que vem sendo reiterado deste Tribunal.

Para além do dito Acórdão de 1.10.2015, temos, sem preocupação de exaustão:

O Acórdão deste Tribunal de 9.3.2005, Conflito n.º 14/10 em que se escreveu:

“(...) Se a Autora alega ter ajustado um contrato com o Arsenal do Alfeite para prestação de trabalho como médica e invoca também ter sido acordado que seriam aplicáveis na sua relação laboral as regras do contrato individual de trabalho, é o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar se há fundamento legal para o seu despedimento e, em caso afirmativo, para decidir se há lugar à pretendida reintegração e ao pagamento de diversas quantias a que o Autor se julga com direito (...)”.

O de 29.3.2011, Conflito n.º 25/10 donde consta:

“(...) Se o Autor alega ter ajustado um contrato individual de trabalho com o Estado para prestação de trabalho como auxiliar de limpeza, se os termos em que caracteriza o acordo não são incompatíveis com um contrato desse tipo e se, com fundamento naquele contrato pretende ver reconhecidos direitos que a lei geral reguladora do contrato individual de trabalho estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo é o Tribunal de Trabalho o competente para apreciar se há fundamento legal para a satisfação destas pretensões (...)”.

Sendo certo que este aresto contém citação muito abundante de jurisprudência no mesmo sentido e, quer este, quer o anteriormente referido, são citados, para fundamentar decisão também no mesmo sentido, no Acórdão, sempre deste Tribunal, de 27.2.2014, processo n.º 055/13.

18. De qualquer modo, não temos elementos nesta fase processual, para considerar que as relações laborais tinham, à data da instauração da ação, natureza não privada.

A Lei Orgânica do réu foi publicada através do Decreto-lei n.º 223/2007, de 30/05, dispondo, no artigo 10.º, que, nas relações de trabalho com o pessoal “é aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho”.

É certo que, antes da instauração da ação, veio a lume a Lei n.º 59/2008, de 11.9 que no artigo 14.º dispôs:

“Contratos a termo resolutivo certo em execução

1 - Aos contratos a termo certo em execução à data da entrada em vigor da presente lei cujo prazo inicial seja superior a dois anos ou que, tendo sido objecto de renovação, tenham uma duração superior a dois anos aplica-se o regime constante dos números seguintes.”

Mas não se pode inferir da petição inicial que seja aplicável tal regime aos contratos invocados, não se aludindo ali, sequer, ao prazo relativo ao contrato inicial.

Cremos, pois, que a construção que vimos fazendo não colide com a adotada no Acórdão deste Tribunal de 16.1.2014, conflito n.º 056/13, em que o acórdão recorrido fundamentalmente se apoiou.

19. Face a todo o exposto, em provimento do recurso:

Revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a exceção de incompetência do Tribunal do Trabalho.

Considera-se prejudicado o conhecimento da pretensão aludida na segunda parte do n.º 11.

Custas pelo recorrido.

Na 1.ª instância será tomada posição sobre o referido em 8.

Lisboa, 10 de Março de 2016. - João Luís Marques Bernardo (relator) - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - João Moreira Camilo - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Alberto Augusto Andrade de Oliveira.