Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:034/14
Data do Acordão:10/21/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SOUSA LEITE
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Sumário:- A acção de responsabilidade civil extracontratual instaurada contra o Estado Português na decorrência de erro judiciário praticado no âmbito da jurisdição penal, tem o seu campo específico de tramitação na jurisdição comum.
Nº Convencional:JSTA00068954
Nº do Documento:SAC20141021034
Data de Entrada:06/09/2014
Recorrente:O MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA VIÇOSA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BEJA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO JURISDIÇÃO
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ VILA VIÇOSA - TAF BEJA.
Decisão:DECL COMPETENTE TJ VILA VIÇOSA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO.
Área Temática 2:LOFTJ99 ART22 ART18 N1.
ETAF02 ART5 ART4 N1 G N3 A ART1.
CONST76 ART202 N1 ART212 N3.
CPP87 ART225.
Jurisprudência Nacional:AC TCF DE 2011/09/22.; AC TCF DE 2012/09/25.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES PÁG89.
REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 2003 PÁG13.
MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS ANOTADO PÁG59-60 PÁG67-68.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

I – O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto do STA, louvando-se, para tal, no estatuído nos arts. 109º, 110º e 111º do NCPC, veio requerer a resolução por este Tribunal dos Conflitos, do conflito de jurisdição existente entre o Tribunal Judicial de Vila Viçosa e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, uma vez que, tendo A…………, que, em virtude do seu decesso, se encontra actualmente representado pelos respectivos herdeiros, para tal devidamente habilitados, instaurado contra o Estado Português uma acção de indemnização em que peticionou a condenação deste no pagamento da quantia de € 200.000,00, a titulo de ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em resultado da ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que conduziram à injustificada prisão preventiva que lhe foi aplicada, ambos os magistrados judiciais a quem tal processo foi distribuído naqueles tribunais se atribuíram, todavia, e reciprocamente, competência para a referida acção, denegando a própria – art. 109º, n.º 1 do NCPC.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

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II – Como vem sendo pacificamente considerado na doutrina e na jurisprudência, para a determinação da competência jurisdicional em razão da matéria, deve atender-se aos fundamentos invocados pelo respectivo autor para a acção (causa de pedir), bem como à pretensão, que, pelo mesmo, é formulada em juízo (pedido) – Noções do Prof. Manuel de Andrade, pág. 89 e Acórdãos do STJ de 12/02/2002, de 15/01/2004, de 27/01/2004, de 18/03/2004, de 13/05/2004, de 13/03/2008 e de 10/04/2008, entre outros.
Por seu turno, quer no domínio da jurisdição comum, quer no domínio da jurisdição administrativa, a competência material do tribunal fixa-se no momento da propositura da acção – arts. 22º da LOFTJ e 5º do ETAF.
Ora, atenta a data da propositura da acção aqui em causa – Novembro de 2004 –, para a determinação da competência material para a sua tramitação ter-se-á de procurar resposta no âmbito da conjugação do preceituado nos arts. 66º do CPC e 4º do ETAF, na redacção que a este foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003, de 31/12, atento o disposto no art. 4º deste último diploma no que respeita à data do início da sua vigência.
Assim, na parte daquele indicado art. 4º do ETAF que para aqui e ora releva, dispõe-se que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional – n.º 1, al. g) –, ficando, porém, excluídas do âmbito da referida jurisdição a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição” – n.º 3, al. a).
Da análise de tal conteúdo normativo extrai-se que a competência do foro administrativo abrange as acções respeitantes à responsabilidade civil fundada na prática de quaisquer actos ou omissões no exercício da função jurisdicional, a qual reveste natureza administrativa – arts. 202º, n.º 1 e 212º, n.º 3 da CRP e art. 1º do ETAF –, acções essas nas quais se englobam as resultantes da deficiente administração da justiça, tais como as fundadas na infracção das regras processuais ou na demora nas decisões judiciais, sem prejuízo, porém, e de acordo com a interpretação, a contrario, daquele último normativo transcrito, da exclusão de tal competência relativamente às acções fundadas em erro judiciário que haja sido cometido por tribunais não integrados na jurisdição administrativa - vide Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, 2003, pág. 13 e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotado, dos Drs. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, págs. 59/60 e 67/68.
Temos, portanto, e conforme se referiu no item antecedente, que a acção relativamente a cuja determinação da respectiva competência material se reporta o presente conflito negativo de jurisdição, teve por fundamento o erro praticado pelas autoridades judiciárias na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação ao autor, em anterior acção penal contra si instaurada, da medida de coacção de prisão preventiva.
Assim, configurando a causa de pedir da acção instaurada, legalmente fundada no art. 225° do CPP, um erro judiciário praticado por um órgão jurisdicional estranho ao foro administrativo, de acordo com a competência residual atribuída pelos arts. 66º do CPC e 18º, n.º 1 da LOFTJ aos tribunais comuns, a competência material aqui e ora em causa radica-se no Tribunal Judicial da comarca de Vila Viçosa, onde correu termos a acção penal em que foi praticado o erro judiciário invocado, como aliás em igual sentido foi já anteriormente decidido nos Acórdãos de 22/09/2011 e de 25/09/2012 deste Tribunal dos Conflitos.
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III – Perante o que vem de expor-se, acorda-se, no presente conflito negativo de jurisdição, em considerar competente a jurisdição comum, e, no âmbito desta, o Tribunal Judicial da comarca de Vila Viçosa, para a acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual resultante de erro judiciário, instaurada por A………… contra o Estado Português.
Sem custas.
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SUMÁRIO

- A acção de responsabilidade civil extracontratual instaurada contra o Estado Português na decorrência de erro judiciário praticado no âmbito da jurisdição penal, tem o seu campo específico de tramitação na jurisdição comum.

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Lisboa, 21 de Outubro de 2014. - José Joaquim de Sousa Leite (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Adriano Machado Souto de Moura – José Francisco Fonseca da Paz – Raul Eduardo do Vale Raposo Borges – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.