Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:01878/18.7BEPRT.S1
Data do Acordão:10/13/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Cabe aos Tribunais Judiciais a competência para conhecer de uma acção na qual o autor pretende exercer o direito de preferência que, segundo alega, a lei civil lhe confere, na venda, em execução fiscal, de um quinhão hereditário.
Nº Convencional:JSTA000P28426
Nº do Documento:SAC2021101301878
Recorrente:A....
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO–JUÍZO LOCAL CÍVEL DE GONDOMAR-JUIZ 3
TAF – TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
B.....
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Tribunal dos Conflitos

Acordam, no Tribunal dos Conflitos:


1. Em 12 de Julho de 2018, AA instaurou contra a Administração Tributária e BB, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma “ação administrativa comum de reconhecimento e exercício do seu direito de preferência, de acordo com o previsto no artigo 145.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT”, pedindo:
- o reconhecimento do “seu direito de preferência sobre o quinhão hereditário, substituindo-se o adquirente pelo preferente na titularidade do direito que o mesmo adquiriu sobre a coisa objeto mediato do registo”;
- a condenação do 2.º réu a entregar-lhe “as partes dos prédios pertencentes ao quinhão hereditário livres e desocupados”;
- “o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 2.º réu (adquirente) haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido quinhão hereditário e, bem assim, outras que este venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem”.
Para o efeito, e em síntese, alegou que, no âmbito de um processo de execução fiscal movido contra o seu irmão CC, foi penhorado e vendido o respectivo quinhão hereditário na herança aberta por óbito da mãe de ambos, composto por imóveis, sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de exercer o seu direito de preferência após a licitação em leilão.
Concluiu ter sido violado o direito de preferência de que é titular na referida venda do quinhão hereditário.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou. Por entre o mais, sustentou a inadequação do meio processual escolhido pelo autor, que veio responder.
O Autor e os Réus apresentaram alegações escritas.
Por despacho de 6 de Outubro de 2020, consignando que está em causa uma acção de preferência para o exercício do direito previsto no artigo 2130.º do Código Civil, foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a excepção de incompetência material do tribunal.
A Autoridade Tributária, reiterando os termos da contestação, sustentou que a autor não seguiu a via adequada que, no caso, seria a acção de preferência, a intentar nos tribunais comuns.
O autor defendeu que, à data da propositura da acção, era entendimento geral da doutrina e da jurisprudência que o tribunal tributário era o tribunal materialmente competente para conhecer de acção instaurada com vista ao reconhecimento de um direito de preferência invocado por quem o pretendesse exercer em venda realizada em execução fiscal; e concretizou que o meio processual adequado era a acção para o reconhecimento de um direito prevista no artigo 145.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT, que intentou.
Mais alegou ainda que viola o princípio da confiança e da segurança jurídica vir atribuir a competência material a jurisdição diversa dois anos depois da instauração da acção, com base num acórdão do Tribunal dos Conflitos posterior (de 27 de Setembro de 2018, processo n.º 019/18),
Por sentença de 17 de Novembro de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto absolveu a Fazenda Pública da instância, por incompetência absoluta do tribunal. Invocando os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 23 de Outubro de 2014 (processo n.º 033/14) e de 27 de Setembro de 2018 (processo n.º 019/18), o tribunal concluiu que, estando os pedidos formulados conexionados com o direito e acção de preferência previstos no Código Civil, a competência para conhecer do presente litígio cabe aos tribunais comuns.
Notificado do teor da sentença, o autor requereu a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Gondomar.
O Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 3, todavia, absolveu da instância ambos os réus, por incompetência absoluta. Em síntese, entendeu que, diversamente do que sucedera nas situações em causa nos acórdãos citados na sentença proferida pelo TAF, a acção que o autor propôs foi a acção especial prevista no artigo 145.º do CPPT – acção para reconhecimento de um direito, concretamente do direito de preferência –, e não a acção de preferência prevista no artigo 2130.º do CC.
Assim, tratando-se de uma “ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, é competente para dela conhecer a jurisdição administrativa e fiscal.
Na sequência do requerimento de resolução do conflito formulado pelo autor, os autos foram remetidos ao Tribunal dos Conflitos.

2. Por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi determinado que se seguissem os termos previstos na Lei n.º 91/2009, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos).
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atribuída ao Juízo Local Cível Gondomar - J3 a competência, em razão da matéria, para conhecer da presente acção.
Cumpre, assim, definir se a competência cabe aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

3. Os factos relevantes para a decisão do conflito constam do relatório.
Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar o pedido do autor, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Como este Tribunal tem repetidamente recordado, esta forma de delimitação obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), sendo certo que, segundo a al. b) do nº 1 deste artigo 4º, cabe “aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal” julgar os litígios relativos aos actos da Administração Pública praticados “ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal”; dentro destes, o artigo 49º define a competência dos tribunais tributários.
Os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foram alterados pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, que entrou em vigor em 11 de Novembro e não regula a sua aplicação no tempo.
Tratando-se de uma alteração respeitante à competência material da jurisdição administrativa e fiscal, não atinge as acções pendentes, de acordo com o disposto no artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O mesmo princípio consta, aliás, do n.º 2 do artigo 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, preceito incluído no Título V, relativo aos Tribunais Judiciais. Em ambos os casos se prevêem duas excepções, nas quais a lei nova é de aplicação às acções pendentes: a extinção do tribunal onde a acção foi proposta e a atribuição de competência a tribunal incompetente.
À data da propositura da acção, a redacção vigente daquele artigo 1.º, n.º 1, resultante do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, era a seguinte: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
Note-se, no entanto, que apesar de o artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão vigente à data da propositura da acção, não conter a menção aos “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (como sucede actualmente), certo é que a al. o) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma, para o qual remetia aquele artigo 1.º, contemplava expressamente as relações jurídicas administrativas e fiscais.
Sobre a noção de “relação jurídica administrativa”, escreveu José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, 18.ª Ed., Coimbra, 2020.pág. 53:
(…) na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)
A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.
Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

4. Como uniformemente se tem observado, nomeadamente no Tribunal de Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção.
Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se observou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.
A mesma orientação se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, ww.dgsi.pt, processo n.º 1998/12.1TBMGR.C1.S1: “Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes, quer do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes”.
5. Na Petição inicial, o autor formulou os seguintes pedidos:
– o reconhecimento do seu direito de preferência sobre o quinhão hereditário vendido na execução fiscal, substituindo-se o adquirente pelo preferente na titularidade do direito alienado;
– a condenação do 2.º réu a entregar-lhe as partes dos prédios pertencentes ao quinhão hereditário, livres e desocupadas;
– o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 2.º réu (adquirente) houvesse feito a seu favor em consequência da compra do supra referido quinhão hereditário e, bem assim, de outras que venha a fazer.
O pedido principal formulado foi, portanto, o reconhecimento do direito de preferência na venda do quinhão hereditário, efectuada em execução fiscal.
Nos termos do artigo 145.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário,
1 - As acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.
2 - O prazo da instauração da acção é de 4 anos após a constituição do direito ou o conhecimento da lesão do interessado.
3 - As acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.
4 - As acções seguem os termos do processo de impugnação, considerando-se na posição de entidade que praticou o acto a que tiver competência para decidir o pedido.”
Segundo o disposto no artigo 2130.º, n.º 1, do Código Civil, “Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.
Decidiu-se no Acórdão do STA de 16 de Dezembro de 2015, processo n.º 01704/13, disponível em www.dgsi.pt:
I - A salvaguarda dos direitos e legítimos interesses do titular do direito legal de preferência sobre o bem vendido em processo de execução fiscal, no caso de não ter sido notificado para exercer o seu direito no acto da venda, não passa pela anulação da venda ou reclamação de actos (omissivos ou comissivos) praticados pelo órgão da execução, mas, antes, pelo recurso à acção de preferência prevista no art. 1410º do C.Civil, a qual pressupõe, naturalmente, a manutenção da venda, já que exercício do direito de preferência na compra do bem penhorado depende da realização e manutenção dessa venda.
II - O tribunal tributário é materialmente competente para o processo judicial instaurado com vista ao reconhecimento do direito de preferência invocado por quem pretenda exercer esse direito na venda realizada em execução fiscal.
III - O meio processual que o titular de direito de preferência deve utilizar para exercer esse direito junto do tribunal tributário é a acção para o reconhecimento de um direito prevista no artigo 145º nºs 1 e 3 do CPPT.”
Sobre esta questão, porém, e também em momento anterior ao da propositura da presente acção, já havia decidido o Tribunal de Conflitos, em acórdão de 23/10/2014 (processo n.º 033/14, www.dgsi.pt ):
Cumpre referir que a titularidade do direito de preferência de que se arrogam os autores é uma titularidade de direito civil – art. 1380.º do CC. E os autores serão titulares do direito de preferência – direito real de aquisição – se preencherem os pressupostos e os requisitos definidos na lei civil.
Nenhuma legislação de direito público lhes confere essa qualidade de preferentes, nem essa qualidade deriva de qualquer acto de império de qualquer autoridade administrativa do Estado.
Assim, toda e qualquer necessidade de prévia notificação dos titulares do direito de preferência tem a ver com a necessidade de respeito das disposições de direito civil, e não de direito público – neste sentido ver Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 09-12-2010, processo 22/10.
Essa evidência retira-se, aliás, da forma como é formulado o pedido pelos autores: – ser reconhecido aos autores o direito de preferência; – ser declarada a ineficácia da alienação do imóvel.
À excepção da circunstância de a venda se ter efectuado no âmbito de uma execução fiscal, nada, nem nenhum elemento nos presentes autos, permite integrar a presente acção na jurisdição administrativa e fiscal.
Uma acção de preferência como a presente, prevista no art. 1380.º do CC, é manifestamente o exercício de um direito real de aquisição, visando dar completude ao direito de propriedade do proprietário confinante.
E tem como objectivo primeiro a declaração da existência desse direito de preferência e como escopo ulterior a materialização e efectivação desse direito de preferência.
Aos autores, nesta acção, compete, provar que são proprietários de um prédio, que o mesmo confina com o prédio objecto da venda executiva, que o seu prédio tem uma área inferior à unidade de cultura. Comprovados estes factos só a qualidade igualmente de preferente do adquirente ou outros factos modificativos, impeditivos ou extintivos poderão obstaculizar a procedência da acção. Assim, as questões decidendas não emergem de qualquer relação jurídica administrativa, sendo que a circunstância de o prédio sobre o qual incide a suposta preferência ter sido vendido numa execução fiscal não confere qualquer autonomia dogmática susceptível de converter um pedido privatístico numa pretensão de carácter publicista.
Como se escreveu num Acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 27-01-2011, proc. 014/09, em que se colocava uma questão idêntica – relacionada com o direito de preferência do arrendatário, preterido num ajuste directo que procedeu à adjudicação de fracções do Estado (e que por sua vez citava um outro acórdão deste mesmo tribunal - processo 22/10 ( http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bda8798d7c944bf9802578000053fb3e –), «a titularidade do direito de preferência de que se arrogam os autores é uma titularidade de direito civil, a sua condição de arrendatários conforme o direito civil. E os autores serão titulares do direito de preferência se preencherem os pressupostos, os requisitos definidos na lei civil.
Não é nenhuma lei de direito público que lhes confere essa qualidade, nem essa qualidade deriva de qualquer acto de império de qualquer autoridade administrativa do Estado, nomeadamente não resulta de qualquer acto da entidade que procedeu à venda em nome do Estado.
Assim, a prévia notificação dos titulares do direito de preferência tem a ver com a necessidade de respeito das disposições de direito civil, não de direito público.
(...).
(...) E afinal nos autos, os autores não pretendem questionar mais nada que não seja o não terem podido exercer o seu direito de preferência, por isso que pedem que lhes seja reconhecida a qualidade de preferentes para os devidos efeitos. (...)».
Ante os pedidos formulados, conexionados com o direito e acção de preferência, previsto no art. 1380.º do CC, é de concluir pela competência material dos tribunais comuns. Caso houvesse necessidade de discutir, no âmbito dos presentes autos, qualquer vicissitude do processo de execução fiscal, a mesma sempre constituiria uma mera questão prejudicial a atender nos termos do art. 92.º, n.º 1, do CPC. O litígio em debate é, por conseguinte, subsumível à competência subsidiária dos tribunais comuns, deferindo-se a competência material ao 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Beja. Em conclusão: Cabe aos tribunais comuns a competência material para conhecer de acção de preferência subsequente à venda judicial de imóvel no âmbito de processo de execução fiscal.”
Por seu turno, consignando que “o que resulta dos termos da alegação é que o pedido principal é o reconhecimento do direito de preferência nas vendas efetuadas em execução fiscal”, e aderindo ao decidido nos Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 23/10/2014 (processo 033/14) e de 27/01/2011 (processo n.º 14/09), decidiu-se também no Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 27/09/2018, processo n.º 019/18 (www.dgsi.pt ),:
Por aderência ao supra exposto e apesar da existência de um contrato de arrendamento ser um pressuposto do alegado direito de preferência, não há dúvida que o pedido principal é o reconhecimento de um direito de preferência sendo a existência de um arrendamento o pressuposto da existência desse direito.
Cabe, pois aos tribunais comuns a competência material para conhecer de ação de preferência subsequente à venda judicial de imóvel no âmbito de processo de execução fiscal”.
Ora, no caso dos autos, ainda que o autor tenha identificado a ação como uma acção “administrativa comum para exercício e reconhecimento do seu direito de preferência, de acordo com o previsto no artigo 145°, n°s 1 e 3, do CPPT”, a verdade é que a titularidade do direito de preferência que invoca é conferida pelo direito civil – artigo 2130.º do Código Civil –, estando os respetivos pressupostos e requisitos igualmente definidos na lei civil (cfr. artigos 7.º, 28.º, 29.º, 40.º, 43.º, 44.º, 53.º, 55.º e 57.º da Petição Inicial).
O autor não pretende discutir a validade ou qualquer irregularidade da venda em execução fiscal mas, apenas, exercer o direito de preferência que, segundo alega, a lei civil lhe confere. Não está em causa o reconhecimento de nenhum direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária.
Como se escreveu no parecer do Ministério Público, “O que resulta dos termos da ação objeto deste parecer é que o pedido formulado pelo A. é o do reconhecimento do direito de preferência na venda judicial efetuada no âmbito de uma execução fiscal, face à existência de uma comunhão hereditária dos bens integrantes do quinhão que foi objeto da alienação.
Toda e qualquer necessidade da prévia notificação dos titulares do direito de preferência na alienação do referido quinhão tem a ver com a necessidade de respeito das disposições do direito civil e não do direito público.


6. Assim, e reiterando o entendimento perfilhado nos acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 23 de Outubro de 2014 (processo n.º 033/14) e de 27 de Setembro de 2018 (processo n.º 019/18), decide-se que cabe à jurisdição comum a competência para conhecer da presente acção.
É portanto competente o Juízo Local Cível de Gondomar (n.º 1 do artigo 70.º do Código de Processo Civil).

Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).

Lisboa, 13 de Outubro de 2021. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) - Teresa de Sousa – Henrique Araújo.