Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:CONFLITO NEGATIVO.
CONTRA-ORDENAÇÃO URBANÍSTICA.
Sumário:Antes da entrada em vigor do DL nº 214-G/2015, de 02.10, cabia aos tribunais da jurisdição comum a competência para o conhecimento de impugnação judicial relativa à aplicação de contra-ordenação urbanística nas situações em que o processo entrou em juízo em data anterior a 1 de Setembro de 2016.(*)
Nº Convencional:JSTA000P23147
Nº do Documento:SAC2018041206
Data de Entrada:01/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE SINTRA, JUIZ 2 E O TAF DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3.
RECORRENTE: CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA..............., AGUALVA
RECORRIDA: CM DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:

I. RELATÓRIO

O Condomínio do Prédio sito na Rua………………, em Agualva, veio, nos termos do art.º 59.° do Regime Geral das Contra Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10, em recurso dirigido ao Tribunal de Comarca de Lisboa Noroeste, impugnar a decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, de 1/02/2016, que o condenou pela «violação do Artigo 89° n° 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9/09, ilícito previsto e punido pelo Artigo 98.° n.º 1 al. s) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9/09, ao pagamento de uma coima no montante de 1.550,00 € (mil quinhentos e cinquenta euros)».
Enviados os autos à Magistrada do M. P. junto do Tribunal de Lisboa Oeste - ali recebidos em 22/03/2016 - esta ordenou a sua distribuição à Instância Criminal Local dando por «integralmente reproduzida a decisão administrativa constante dos autos, a qual vale como acusação». Distribuição que ocorreu em 31/03/2018.

Todavia, o mencionado Tribunal declarou-se incompetente, em razão da matéria, para julgar a referida impugnação e ordenou a remessa dos autos ao TAF de Sintra por o considerar competente. Para tanto ponderou:
“Dispõe o artigo 4.°, n.º 1, alínea l), do E.T.A.F., na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, que compete aos Tribunais de Jurisdição Administrativa e Fiscal a apreciação de Iitígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da administração pública, que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas de direito administrativo, em matéria de urbanismo.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 32.°, n.º 1, e 33.° do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 41.°, do DL n.º 433/82, de 27/10, declaro este Juízo incompetente para apreciação dos presentes autos.”
Remetidos os autos ao TAF este também se declarou materialmente incompetente pela seguinte ordem de razões:
A alínea l) do n.º 1 do artigo 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, norma que entrou em vigor em 1/09/2016 (n.º 5 do art.º 15.° do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10), estabelece que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Nestes termos, a partir de 1 de setembro de 2016, são os tribunais administrativos os competentes para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
No caso em apreço, a questão que se coloca é a de saber de que modo esta alteração dos tribunais competentes para a apreciação destes litígios afeta os processos pendentes em 1 de setembro de 2016, ou seja, saber se a alteração legal do tribunal competente é de aplicação imediata a processos já instaurados, tendo em conta que o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, não estabeleceu um regime transitório quanto a estes processos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
De modo semelhante, estabelece o artigo 38.° da Lei da Organização do Sistema judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, que a competência fixa-se no momento em que ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, sendo, igualmente, em regra, irrelevantes as modificações de direito.
….
Verifica-se, no entanto, que, no caso em apreço, … este tribunal será sempre materialmente incompetente para conhecer o recurso da impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, uma vez que o arguido apresentou o recurso de impugnação judicial da decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, que lhe aplicou um coima no montante de € 1.550,00, em 7/03/2016, e que os autos foram remetidos pela Magistrada do Ministério Público ao Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste Sintra - Inst. Local - Secção Criminal, em 30/03/2016 e distribuídos nesse tribunal no dia seguinte, datas em que ainda não se encontrava em vigor a norma que confere competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.”

Transitadas em julgado ambas as decisões, o Sr. Juiz do TAF de Sintra remeteu os autos a este Tribunal para que resolvesse o conflito assim gerado.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo emitiu Parecer no sentido de ser atribuída aos Tribunais da jurisdição comum a competência para julgar a mencionada impugnação pela seguinte ordem de razões:
“Como se vê das datas supra apuradas mostra-se seguro que o requerimento do MP, com valor de acusação, e o respectivo processo deram entrada e foram registados e autuados, no Juízo local Secção Criminal de Sintra, antes da entrada em vigor - 1/9/2016 - do supra referido DL n° 241-G/2015, de 2/10 e, por conseguinte, em data em que os Tribunais Administrativos e Fiscais ainda não detinham competência material para apreciar e decidir a matéria aqui em causa.
O mesmo é dizer que o processo de Contra Ordenação correu termos - e bem - no Juízo Local Criminal de Sintra desde 31/3/16 (5 meses antes da atribuição da competência material à jurisdição administrativa) e aí foi tramitado até ao despacho de 19/7/2017 do Juiz dessa Secção criminal.
No caso concreto estamos perante um quadro diverso daquele que tem sido o padrão dos conflitos negativos de jurisdição desta natureza e em que o tribunal de Conflitos, ao que podemos verificar, tem decidido consolidadamente, no sentido de que, a partir de 01.09.2016, nos termos dos arts. 4°, n° 1, al. l), do ETAF, e 15°, n° 5, do DL 214-G/2015, de 02.10, compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de actos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo; o “elemento de conexão” relevante para se determinar, no tempo, essa competência em razão da matéria, consiste na data da apresentação em juízo, pelo Ministério Público, dos autos de contra-ordenação e do respectivo recurso - cfr. os Acórdãos de 28.09.2017, proferidos nos Processos nºs 24/17 e 26/17 e de 09.11.2017, proferidos nos Processos nºs 12/17, 22/17, 33/17, 34/17, 35/17, 37/17, 39/17 e 42/17.).
Na verdade, no caso sub judice, a divergência decisiva situa-se no facto de a “acusação” e respectivo processo ter sido registada e autuada em juízo (jurisdição comum) antes da entrada em vigor do DL n°214-G/2015, que introduz nova redacção no art.° 4°/1/l) do ETAF.
Ora, a competência material é atribuída e definida no momento da propositura da acção, no caso, na data em que a respectiva “acusação” entra em juízo.”

II FUNDAMENTAÇÃO
Como se acaba de ver o que ora está em causa é o conflito entre dois Tribunais integrados em diferentes jurisdições acerca da questão de saber a quem cabe julgar a impugnação judicial relativa à aplicação de uma contra ordenação em matéria urbanística, remetida a Tribunal e aí distribuída anteriormente à entrada em vigor das alterações introduzidas no CPTA pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10.
O problema foi já enfrentado neste Tribunal pelo menos por duas vezes, com solução constante, numa das quais o ora Relator interveio como Adjunto. – vd. Acórdãos de 30/03/17 (rec. 31/16) e de 1/06/17 (rec. 5/17).
Deste modo, e concordando-se com a solução a que chegaram aqueles Arestos remete-se, por economia, para a fundamentação neles acolhida destacando-se, por suficiente, os seguintes trechos do acórdão de 30/03/17:
“2. Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, a competência afere-se em função dos termos da acção, ou configuração da relação material controvertida, tal como definidos pelo autor ... .
3. Proclama o artigo 202.º, n.º 1, da Constituição da República que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, sendo que cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conforme disposto no artigo 211.º, n.º 1, da Lei Fundamental e no artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Aos tribunais administrativos e fiscais pertence o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações administrativas e fiscais (artigos 212.º, n.os 1 e 3 da Constituição).

4. …..

5. … No caso presente, o Autor pretende impugnar judicialmente a decisão proferida pela autoridade administrativa competente que lhe aplicou uma coima no âmbito e termo de um processo de contra-ordenação instaurado. Estamos, assim, sem dúvida, perante o recurso de impugnação previsto no artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
A competência para conhecer do recurso pertence ao tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção, conforme artigo 61.º, n.º 1, daquele diploma.

6. Perante a concreta configuração do conflito aqui presente, cumpre apurar se a competência para o conhecimento da acção proposta pertence à jurisdição administrativa.
O artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) estabelece no n.º 1, alínea l), a competência dos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo».
Esta disposição que foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, teve por objectivo, como se assinala no respectivo preâmbulo, «fazer corresponder o âmbito da jurisdição administrativa aos litígios de natureza administrativa». Neste sentido, ainda segundo o mesmo preâmbulo, «estende-se o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às acções (...) de impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo».
Decorre do exposto que, actualmente, após as alterações introduzidas ao ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, a jurisdição administrativa é a competente para conhecer da impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Ou seja, a competência dos tribunais administrativos e fiscais no âmbito que se vem de referir restringe-se, limita-se, aos ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Relativamente à impugnação de decisões das autoridades administrativas que apliquem coimas por contra-ordenações decorrentes da violação de ilícitos que se prendem com outras matérias, que não o urbanismo, a competência material para o seu conhecimento não pertence à jurisdição administrativa mas, nos termos do regime geral, à jurisdição comum.

7. No caso concreto, pode concluir-se, sem grande dificuldade, que a infracção que determinou a decisão de aplicação da coima cuja impugnação se insere no amplo âmbito do direito do urbanismo.
Nesta perspectiva, por força do citado artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF, na sua redacção actual, a competência material para conhecer da dita impugnação pertenceria à jurisdição administrativa.
No entanto, há que considerar que a alteração introduzida à alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF pelo citado Decreto-Lei n.º 214-G/2015, somente entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2016, conforme se estabelece no artigo 15.º, n.º 5, do mesmo diploma.
Ora a impugnação judicial foi apresentada em 3 de Fevereiro de 2016.
Nesse momento, os tribunais administrativos e fiscais não detinham competência material para o conhecimento das impugnações de decisões proferidas pela Administração de aplicação de coimas por ilícitos de mera ordenação social, fosse em matéria de urbanismo ou de qualquer outra matéria.
Tal competência pertencia, como já se disse, à jurisdição comum.

8. Em suma, inserindo-se ou não o ilícito de mera ordenação social que determinou a aplicação da coima ao impugnante pela autoridade administrativa no âmbito do urbanismo, certo é que na data em que a impugnação foi deduzida a competência para dela conhecer pertencia à jurisdição comum, devendo aí ser decidida.”

Nesta conformidade, pelas razões constantes do Acórdão acabado de transcrever, as quais têm aqui plena aplicação, é de concluir que a competência para o julgamento da impugnação em causa cabe aos Tribunais da jurisdição comum.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal decidem declarar competentes, em razão da matéria, os tribunais da jurisdição comum para conhecer e decidir a presente impugnação.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Abril de 2018. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – João Manuel Cabral Tavares – Jorge Artur Madeira dos Santos – Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Joaquim António Chambel Mourisco.