Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:052/18
Data do Acordão:05/30/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Estando em causa um alegado direito indemnizatório da autora emergente da não regularização por parte Ré, sua ex-entidade empregadora [entidade privada] junto da Segurança Social relativa à cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, são competentes para conhecer do mérito da acção, os Tribunais da Jurisdição Comum.
Nº Convencional:JSTA000P24624
Nº do Documento:SAC20190530052
Data de Entrada:12/10/2018
Recorrente:A………., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA PÓVOA DO VARZIM – JUIZ 5 E O TAF DO PORTO.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO Nº 52/18
Acordam no Tribunal de Conflitos

A A., A…………, desempregada, com o NIF ……… e residente na……………, Senhora da Hora, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, acção administrativa contra o B………., SA., com sede no Lugar …………, em Leça do Bailo, peticionando que a R. seja condenada ao pagamento retroactivo junto da Segurança Social de todas as contribuições até à data em que terá comunicado a cessação da relação laboral que detinha com a A.; Pediu também a condenação da R. no pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais, no valor de 67.096,26€ pela omissão da comunicação à Segurança Social da situação de emprego desta, alegando que, tal facto, a prejudicou patrimonialmente; Por fim, pediu ainda a condenação da R. no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, no valor de 5.000,00€, quantias estas acrescidas de juros moratórios contados desde a condenação efectiva e até integral pagamento.


*

Tendo a Ré excepcionado na sua contestação a incompetência material do Tribunal para conhecer do litígio dos autos, alegando que competente para esta acção são os tribunais tributários, nos termos do artigo 49º, nº 1, al. c) da Lei nº 13/2002 de 19/02, em 20 de Janeiro de 2017 [ETAF] foi proferida decisão mediante a qual se decidiu que a competência para decidir do mérito da presente acção pertencia aos tribunais tributários por força do disposto no artº 49º, nº 1, al. c) da Lei nº 13/2002 de 19.02, tendo-se consignado na parte que importa o seguinte:

«No caso dos autos, a autora funda a presente acção numa alegada actuação ilícita por parte da ré com repercussões directas na esfera patrimonial da autora, centrando a actuação daquela no facto de não ter comunicado à Segurança Social a cessação do contrato de trabalho que tivera com a autora e que cessara já em 17/11/2011, violando assim o disposto nos artigos 32° do Código do Regime Contributivo do Sistema Previdencial de Segurança Social e 8° do Decreto Regulamentar n° 1-A/2011 de 03/01, o que fez a autora perder todas as prestações legais a que teria direito por força da sua situação de desempregada, mormente subsidio de desemprego, pensão, reforma, etc.

O que está em causa nos autos, é assim a existência do alegado direito indemnizatório da autora, emergente da não regularização da ré junto da Segurança Social da cessação do contrato de trabalho, que antes uniu as partes, pelo que, não restam dúvidas de que a relação contributiva em causa, dependente da relação laboral que outrora unira as partes, faz com que os pedidos formulados nos autos, mormente o pedido de condenação da ré no pagamento das contribuições à Segurança Social (a A-] do petitório), não pode ser dirimido neste tribunal.

A jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal dos Conflitos vai no sentido da competência dos tribunais tributários para conhecer de uma acção intentada por um trabalhador- contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos à Segurança Social das diferenças que aquele considera terem existido nas contribuições devidas.

Por maioria de razão, é inquestionável que a presente acção - cujo objecto é também a relação jurídica contributiva, da qual emerge uma obrigação da ré (enquanto sujeita passivo da obrigação) perante a Segurança Social - versa sobre matéria que é da competência dos tribunais fiscais.

Com efeito, o que a autora pretende nesta acção é, entre outros, que a ré seja condenada a proceder ao pagamento das contribuições à Segurança Social devidas, pelo menos nos anos de 2011 (17/11) a 2015, pretendendo assim que a ré cumpra a uma alegada obrigação contributivo.

Tal obrigação contributiva tem natureza “parafiscal”.

Assim sendo, tendo em atenção o supra exposto, dado que o novo ETAF contém uma regra de atribuição de competência aos tribunais tributários para conhecer das “acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal” recaindo na regra geral do seu artigo 4°, n° 1, a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto «a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais», e uma vez que a presente acção - em face da alegação da autora e do modo como fundamenta o primeiro dos pedidos formulados - se destina a obter o reconhecimento de um interesse legalmente protegido em matéria parafiscal, a apreciação do litígio inscreve-se na competência jurisdicional dos tribunais tributários.

Formulando a autora outros pedidos nesta acção, todos eles em estrita conexão com o primeiro dos formulados, o conhecimento da acção cabe na jurisdição do Tribunal Tributário, que é igualmente competente para conhecer de todos os pedidos formulados pela autora nestes autos.

(…)


*

Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sequência de pedido formulado pela Autora nesse sentido, ao abrigo do disposto no artigo 99º, nº 2 do CPC, foram aqueles distribuídos, por lapso, no Tribunal Administrativo, tendo este remetido os mesmos ao Tribunal Tributário que, por despacho datado de 27 de Março de 2018, decidiu igualmente declarar o TAF incompetente em razão da matéria, por entender que a competência pertencia aos tribunais comuns, tendo-se, para o efeito consignado o seguinte:

«A pretensão da Autora, como resulta expressamente do pedido que formula, reconduz à condenação da Ré no pagamento retroativo, junto da Segurança Social, de todas as contribuições devidas até à data em que terá comunicado a cessação da relação laboral que detinha com a Autora, bem como no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, pela omissão da comunicação à Segurança Social da situação de emprego daquela.

A jurisprudência, designadamente do Tribunal de Conflitos, tem vindo, de facto, a considerar, genericamente, que os tribunais tributários são competentes, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1, c) do ETAF, para conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta, com fundamento em que as questões relacionadas com contribuições devidas aos regimes de segurança social devem ser encaradas como questões respeitantes a matéria tributária ou parafiscal.

Alicerça-se, ainda, tal entendimento jurisprudencial no argumento de que a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico, sendo perante a Segurança Social que aquela deve cumprir a sua obrigação contributiva.

Ora, a competência em razão da matéria fixa-se em função dos termos em que a ação é proposta, atendendo-se ao direito em que o Autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido, sendo, para tal, necessário atender ao pedido e, especialmente, à causa de pedir formulados.

No caso presente, a tutela jurídica que a Autora pretende ver assegurada não se resume à condenação da Ré ao pagamento de contribuições junto da Segurança Social, compreendendo, ainda, uma pretensão indemnizatória, formulada ao abrigo do regime da responsabilidade civil, com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a alegada omissão de comunicação da cessação do contrato à Segurança Social,

Por conseguinte, e como está bom de ver, ainda que se entenda que os tribunais tributários são competentes para conhecer do pedido de condenação à regularização de contribuições junto da Segurança Social, nos termos supra explicitados — o que não deixa de ser discutível - certamente já não o serão quanto ao pedido indemnizatório igualmente formulado pela Autora, tutelado pelo direito civil e para cuja apreciação será competente a jurisdição comum, concretamente o tribunal de trabalho, em virtude de aquele ter subjacente uma relação jurídica do foro laboral — cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2013, proferido no Processo n.°1132/l28TTBRG-A.Pl, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler o seguinte: “Por força do que estatui a alínea b,), do artigo 85. “da LOTJ, o tribunal do trabalho é competente para conhecer do pedido formulado pelo trabalhador de condenação do empregador a pagar-lhe uma indemnização decorrente do prejuízo por ele sofrido por o empregador não ter procedido aos descontos para a segurança social sobre as retribuições (do trabalhador).”

Acresce que, emergindo a pretendida condenação no pagamento de contribuições à Segurança Social do vínculo contratual laboral estabelecido entre a Autora e a Ré, a definição desta relação contratual e das obrigações dela decorrentes se afigura, necessariamente, como uma questão prejudicial em relação àquele pedido condenatório, cuja apreciação está naturalmente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal por ser de cariz privado.

Com efeito, nos termos do disposto no artigo 212º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, que não é manifestamente o caso, na situação sub judice, na qual não é sequer demandada uma entidade pública, in casu, o Instituto da Segurança Social, sobre o qual pudesse recair uma eventual pronúncia condenatória deste Tribunal.

A este respeito, veja-se o voto de vencido de Jorge Artur Madeira dos Santos exarado no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21-01-2015, proferido no Processo nº 019/14, disponível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler o seguinte:

“A acção dos autos, cujo grau de viabilidade é aqui irrelevante, pretende o reconhecimento da responsabilidade extracontratual dos réus, pois culmina no pedido de condenação deles uma entidade privada (a B…) e um ente público o ISS,) — no pagamento de determinada indemnização.

Sendo assim, e ao menos relativamente à B…, parece-me claro que o conhecimento do pleito cabe à jurisdição comum, já que nenhuma norma do ETAF prevê que uma causa assim configurada seja conhecida na jurisdição administrativa fiscal.

É certo que o pedido indemnizatório dirigido ao ISS não é cognoscível pelos tribunais comuns. Mas isso somente implica a absolvição da instância desse réu, por incompetência «ratione materiae» nessa parte — como é de regra nos casos de cumulação de pedidos e de coligação de réus (cfr. os arts. 470º nº 1, e 31º nº 1, do anterior CPC). De modo que o processo sempre prosseguiria na jurisdição comum contra a I para conhecimento do pedido formulado contra ela - se nenhuma outra questão formal a isso obstasse.

A posição vencedora argumenta que a relação jurídica contributiva, entre uma empresa e o ISS, tem natureza parafiscal e é cognoscível nos tribunais tributários - o que considero exacto. Mas, como se deduz do que acima disse, as relações jurídicas de que emerge o pedido formulado na acção são bem diversas; pois trata-se de relações jurídicas alegadamente fundadas em, responsabilidade civil e em que intervêm o autor, por um lado, e os réus, por outro. Daí que perca sentido remeter para os tribunais tributários um pleito onde, desde logo, se discute o direito do autor a receber uma indemnização da sua antiga entidade patronal, ademais de direito privado.

Pelo exposto, resolveria o conflito atribuindo a competência em razão da matéria à jurisdição comum.”

Face ao vindo de expor, é forçoso concluir quê a competência para dirimir o presente litígio não pertence a este tribunal, atentos os pedidos formulados e a causa de pedir que lhes subjaz.

(…)»


*

A autora, A………., notificada da sentença proferida nos autos, e não se conformando com a mesma, veio interpor recurso para o TRIBUNAL DE CONFLITOS, alegando e formulando as seguintes conclusões:

«a. A Secção Cível da Póvoa de Varzim, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, declarou-se materialmente incompetente, através de sentença datada de 20.01.2017 (cf. doc. 1 anexo), e absolveu a R. da instância, considerando os Tribunais Tributários os competentes, perante a Acção Declarativa de Condenação, ali apresentada pela A.;

b. Seguidamente, os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, face a requerimento da A., os quais foram distribuídos, por lapso da secretaria deste Tribunal, ao Tribunal Administrativo — o qual veio a declarar-se incompetente em razão da matéria, através de sentença de 20.042017 (vide doc. 2), e

c. Depois, foram os autos remetidos ao Tribunal Tributário, também requerido pela A. e ora Recorrente - Tribunal este, o qual veio, agora e também, a declarar-se incompetente através de sentença de 27.032018 (cf. doc. 3 anexo), considerando que é a jurisdição comum a competente, para o conhecimento do mérito da causa, e assim absolvendo, consequentemente a R. da instância.

Ora, os diferentes Tribunais consideram-se incompetentes materialmente, quando,

d. Nestes autos a A. demanda responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais à R, B………….., SA, através de Acção Declarativa de Condenação, com vista a que a R. seja condenada ao pagamento retroactivo, junto da Segurança Social, de todas as contribuições devidas até à data em que a R. comunicou, extemporânea e tardiamente a cessação da relação laboral que detinha com a A., bem como o pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados à A. por tal omissão imputável à R, como melhor resulta da análise atenta da P1.

Pelo que,

e. Urge dirimir tal conflito negativo de jurisdição - matéria, cuja competência cabe ao Tribunal dos Conflitos — permitindo assim à A. o acesso ao Direito e à realização de Justiça, sob pena de violação das mais elementares normas legais substantivas e adjectivas e a consagração do princípio inconstitucional da indefesa (art° 20º CRP), definindo e determinando este Tribunal de Conflitos, qual o Tribunal competente para conhecer do mérito da causa subjacente aos presentes autos».


*

O Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:

«A Autora A………… veio requerer a resolução de pretenso conflito negativo de jurisdição entre os tribunais atrás mencionados.

(…)

Antes de mais, diga-se que o grau de viabilidade da presente ação é, de todo, irrelevante para efeito de apreciação da questão da competência material do Tribunal.

A competência material do Tribunal afere-se em função do modo como o autor configura a acção, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.

Nos termos do disposto no artigo 212°/3 da CRP e 144°/l da LOSJ compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

Por sua vez, os tribunais judiciais, que são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercem a jurisdição em todas áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais (artigo 211.°/1 da CRP e artigo 40.°/1.° da LOSJ Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

Para determinação da competência dos tribunais administrativos e fiscais valem as regras dos artigos 1.°/l e 4.° do ETAF.

Como resulta da PI, a autora pede:

A. A condenação da ré no pagamento retroativo junto da Segurança Social de todas as contribuições até à data em que terá comunicado a cessação da relação laboral que manteve com a A;

B. A condenação da ré no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais, no valor de 67.096,26€ pela omissão de comunicação à SS da situação de desemprego desta.

C. A condenação da ré a pagar uma indemnização a título de danos não patrimoniais, no valor de 5.000,00€;

D.A condenação da ré no pagamento de juros contados desde a data da condenação até efetivo pagamento.

A autora fundamenta a sua pretensão numa pretensa atuação ilícita por banda da ré com repercussões na sua esfera patrimonial, pois que aquela não comunicou à SS a cessação do contrato de trabalho que existia entre ambas e que cessou em 17/11/2011, em violação do estatuído nos artigos 32º do Código do Regime Contributivo do Sistema de Segurança Previdencial de Segurança Social e 8º do DR nº 1-A/2011, de 30/01, o que teria determinado que a autora tivesse perdido todas as prestações legais a que teria direito por força da sua situação de desempregada, nomeadamente, subsídio de desemprego, RSI, isenção de taxas moderadoras, pensão e reforma antecipada pensão e reforma, antecipada

A questão que está em discussão nos autos é, assim, a existência do direito indemnizatório da A. com fundamento na não regularização por parte da ré junto da SS da cessão do contrato de trabalho que vigorou entre as partes até 17/11/2011.

Quanto ao pedido de pagamento de contribuições para a segurança social parece certo que a jurisdição comum não é competente para conhecer do mesmo, mas sim a jurisdição administrativa e fiscal.

Na verdade, a apreciação da regularização da relação tributária que existe entre as entidades empregadoras e a Segurança Social, atenta a natureza parafiscal das contribuições, cabe aos tribunais tributários, nos termos do artigo 49.°/1/ c) do ETAF (Lei 13/2002, de 19/02), conforme jurisprudência reiterada do Tribunal de Conflitos (Entre outros, acórdãos de 04/10/2007-P. 014/07 e de 17/01/2008-P. 016/07, disponíveis em www.dgsi.pt).

Na verdade, embora a prestação contributiva pressuponha a existência de um contrato de trabalho, a obrigação respetiva só se concretiza mediante uma relação jurídica entre a entidade que procede aos descontos e o Estado (ISS).

Mas, tal facto não implica, a nosso ver, que a competência para conhecer da pretensão da A. caiba à jurisprudência administrativa e fiscal, se a jurisdição comum for a competente para conhecer dos restantes pedidos, como se nos afigura ser o caso.

De facto, a incompetência da jurisdição comum para conhecer do pedido formulado pela autora na PI, sob a letra A., implica, somente, a absolvição da instância da ré quanto a esse pedido, como é de regra nos caso de cumulação de pedidos e de coligação de réus (artigos 555.° e 37.°/1 do atual CPC) e foi, aliás, expressamente, requerido pela ré na sua contestação.

Quanto aos restantes pedidos, a nosso ver, a competência para a sua apreciação pertence à jurisdição comum, ou seja, aos tribunais judiciais.

Com efeito, a autora pretende ser indemnizada por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de alegada conduta ilícita da ré, traduzida na não comunicação à SS da cessão do contrato que vigorara entre ambos e que cessou em 17/11/2011, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil.

A ação não foi intentada contra qualquer sujeito público, nem contra qualquer pessoa privada investida de poderes públicos.

O litígio não emerge, pois, de qualquer relação jurídica administrativa ou fiscal, mas antes de uma relação jurídico-privada, alegadamente fundada em responsabilidade civil,

(…)

Devem os tribunais judiciais ser julgados competentes para dirimir o presente litígio, nos termos enunciados.»


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O DIREITO

Face ao supra exposto, verifica-se que estamos perante um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição comum e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal [tributária], decisões que, mutuamente declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.

O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Estabelecendo o artº 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (também o artº 64º do CPC).

Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Também o artº 1º, nº 1 do ETAF, na redacção aplicável, estatui que, os tribunais administrativos e fiscais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4º deste Estatuto.

A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.

A determinação do tribunal competente em razão de matéria, é aferida em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os respectivos fundamentos; ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial – artº 5º, nº 1 do ETAF - atendendo-se ainda à identidade das partes, pretensão formulada e respectivos fundamentos, sendo, no entanto, nesta fase, indiferente o juízo de prognose acerca da viabilidade ou não da acção, face à sua configuração - cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28-09-2010, processo nº 2/10 de 29-03-2011, processo nº 2510, de 02-03-2011, processo 9/10 e de 09-09-2010, proc. 011/10.

Regressando à presente acção, e como vem sendo referido, resulta da petição inicial apresentada, que a autora pretende ver assegurada não só a condenação da Ré ao pagamento de contribuições junto da Segurança Social, que eram devidas e não foram atempadamente pagas, como ainda a condenação no pagamento de uma indemnização fundada na responsabilidade civil extra contratual, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido face à alegada omissão de comunicação da cessação do contrato de trabalho à Segurança Social, que cessou em 17.11.2011 [violação do disposto no artº 32º do Código do Regime Contributivo do Sistema de Segurança Previdencial de Segurança Social e artº 8º do DR nº 1-A/2001 de 30.01], o que alegadamente determinou que a autora tivesse perdido todas as prestações legais a que teria direito por força da sua situação de desempregada, nomeadamente, subsídio de desemprego, RSI, isenção de taxas moderadoras, pensão e reforma antecipada.

Ou seja, no essencial está a causa a existência do direito indemnizatório da autora com fundamento na não regularização por parte da sua ex-entidade empregadora, junto da SS da cessão do contrato de trabalho que vigorou entre as partes até 17.11.2011.

Estamos também perante pedidos cumulativos, sendo que tal facto, só por si, não assume consequências na competência em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados, com excepção do primeiro dos pedidos, que tudo indicia pertencer à jurisdição administrativa e fiscal.

Com efeito, a apreciação da regularização da relação tributária que se firma entre as entidades empregadoras e a Segurança Social, face à natureza parafiscal das contribuições, pertence aos tribunais tributários nos termos do disposto no artº 49º, nº 1, al. c) do ETAF/versão de 2105, pois embora a prestação contributiva pressuponha a existência de um contrato de trabalho, a obrigação só se concretiza através de uma relação jurídica entre a entidade que procede aos descontos e o Estado (ISS) – cfr. neste sentido, jurisprudência proferida por este Tribunal de Conflitos, entre eles a título de exemplo, os proferidos em 04.10.2007, proc. nº 014/07 e em 17.01.2008, in proc. nº 016/07.

Mesmo assim, ou seja, ainda que se entenda que os tribunais tributários são os competentes para conhecer do primeiro pedido formulado pela autora – pedido de condenação da Ré à regularização de contribuições junto da Segurança Social – já não o serão para conhecer dos demais pedidos formulados na acção, que assumem natureza estritamente cível/laboral.

Na verdade, a incompetência da jurisdição comum para conhecer do pedido formulado em primeiro lugar pela autora, apenas assume como consequência a absolvição da instância da Ré quanto a esse pedido, como sucede nos casos de cumulação e pedidos e de coligação de réus – cfr. artº 555º e 37º, nº 1 do CPC e voto de vencido proferido no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 21.01.2015, in proc. nº 019/14.

Já quanto aos demais pedidos formulados pela autora, na petição inicial apresentada, é a jurisdição comum que assuma a competência em razão da matéria, para deles tomar conhecimento, uma vez que, o que está em causa, consiste unicamente em indemnizações por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de alegada conduta ilícita por parte da Ré, que como supra se referiu se traduziu na não comunicação à Segurança Social da cessão do contrato de trabalho que vigorava entre as partes, tudo ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extra contratual, não havendo por parte dos sujeitos activo e passivo, qualquer entidade pública, ou mesmo qualquer sujeito privado investido de poderes públicos.

Podemos, pois, concluir que o litígio em causa não emerge de qualquer relação jurídica administrativa ou fiscal, antes se assume como uma relação jurídico-privada, fundada em responsabilidade civil extra contratual, pelo que são competentes em razão da matéria, para conhecer dos demais pedidos formulados pela autora, os Tribunais Comuns, atribuindo-se a estes a respectiva competência, o que se decide.

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos Tribunais da Jurisdição Comum.

Sem custas

Lisboa, 30 de Maio de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Catarina Isabel da Silva Santos Serra – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Olindo dos Santos Geraldes – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António Pedro de Lima Gonçalves.