Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:09/14
Data do Acordão:06/19/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:LOPES DO REGO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que — independentemente da forma de processo e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado — têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo.
Nº Convencional:JSTA00068798
Nº do Documento:SAC2014061909
Data de Entrada:02/26/2014
Recorrente:A... E B... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 1 JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FARO E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO
Objecto:AC RL ÉVORA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - PRÉ CONFLITO.
Legislação Nacional:CONST76 ART211 N1 ART212 N3.
ETAF02 ART4 N1 D I.
L 67/07 DE 2007/12/31 ART1 N5.
DL 43335 DE 1960/11/19 ART37 ART42.
L 2063 DE 1953/06/03 ART8.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC010/11 DE 2011/10/20.; AC TCF PROC02/11 DE 2011/05/24.; AC TC 965/96.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 9/14-70.
Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1. A………… e B………… intentaram acção de condenação contra EDP Distribuição de Energia, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de €65.000 a título de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, nos termos do art. 37° do DL 43335, de 19/11/60, pela constituição de uma servidão administrativa aérea de passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que são proprietários, acrescida dos juros de mora.
Alegam, para tanto, que a R., no exercício da actividade de operadora da rede nacional de distribuição que explora em regime de concessão de serviço público, procedeu à instalação de uma linha aérea, cujo traçado atravessa o prédio misto de que os AA. são proprietários — afectando-lhe o valor de mercado, que atingia o montante de €80.000, pelo qual o tinham prometido vender antes da instalação da citada linha aérea — reduzindo-se o seu valor actual a €15.000.
A R. impugnou a pretensão deduzida, sendo suscitada, na fase de saneamento, a questão prévia da incompetência dos tribunais judiciais para a dirimição do presente litígio — resolvida no saneador sentença proferido pela procedência da excepção de incompetência material.

Inconformados, apelaram os AA., tendo, porém, a Relação confirmado inteiramente o sentido decisório adoptado na 1ª instância, afirmando:

A questão a decidir resume-se a saber se se verifica a excepção dilatória, de incompetência absoluta do Tribunal Judicial de Faro, em razão da matéria para conhecer dos presentes autos.

Com relevo para a apreciação do objecto do recurso salienta-se que os AA. demandaram uma entidade privada concessionária da distribuição de energia eléctrica nacional (concessão explorada em regime de serviço público), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, expressamente prevista no artigo 37° do DL n.° 43335, de 19 de Novembro de 1960, pela constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que são proprietários.

Compete aos Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas Colectivas de direito público, (art° 4º, nº 1, alíneas d) e i), ETAF aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro). Ou seja, quanto a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados, a jurisdição administrativa só é competente para a apreciar quando a esses sujeitos for aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, actualmente consagrado na Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, que revogou o DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.
Sufragamos a exausta fundamentação da decisão recorrida, designadamente quando se refere que «No que respeita à determinação dos termos e condições da sua aplicabilidade a, designadamente às chamadas entidades Públicas sob formas privadas ou entidades privadas de mão pública (os «falsos privados») e os privados que exerçam poderes públicos, designadamente os concessionários, que, para este efeito, faz sentido equiparar às entidades públicas importar reter o estabelecido no artigo 1°, n° 5 do seu Regime anexo: «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade de pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são
também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Quanto às pessoas colectivas de direito privado, continua a ser relevante, para o efeito de determinar se um litígio é da competência dos Tribunais administrativos ou dos Tribunais comuns, saber se o facto constitutivo da responsabilidade se encontra ou não submetido à aplicação de um regime substantivo específico de direito público.»

Independentemente de se discutir ou não a regularidade ou validade da constituição da aludida servidão administrativa, o que certamente constitui a causa de pedir é, a responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, nos termos do artigo 37º do DL n° 43335, de 19 de Novembro de 1960, diploma que regula a matéria relativa à implantação de instalações eléctricas e à constituição de servidões, prevendo as correspondentes indemnizações o que permite concluir que a alegada actuação da ré «E.D.P. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, S.A.» cabe na previsão, pelo menos, da alíneas i) do n° 1 do artigo 4° do ETAF, conjugado com o disposto no artigo 1°, n° 5 do regime anexo à Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro.

Assim sendo, forçoso é concluir que os Tribunais judiciais são absolutamente incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do objecto dos autos, por o pedido formulado dever ser apreciado no foro administrativo.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.

2. De tal aresto, pretenderam os AA. recorrer para o STJ, determinando-se, porém a convolação da revista em recurso para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto no n°2 do art. 107° do CPC.- e sendo as seguintes as conclusões da alegação dos recorrentes:

1- A determinação do órgão jurisdicional materialmente competente é feita com base na relação jurídica controvertida (“quid disputatum”), nos exactos termos unilateralmente afirmados pelo autor na petição inicial, na sua dupla vertente de causa de pedir e pedido.

2 - O objecto da presente acção, tal como é arquitectado pelos recorrentes na sua petição inicial, tem por base a constituição, por parte da recorrida, no exercício da actividade de operadora de rede de distribuição, de uma servidão administrativa aérea (linha aérea a 60kv, LA-60-172 Estoi) para a passagem de energia eléctrica de alta tensão, que no seu traçado atravessa no prédio misto de que os mesmos são proprietários.

3 - Servidão essa que, no entendimento dos recorrentes, implica uma diminuição significativa do valor de mercado do aludido prédio e, coroláriamente, faz incorrer a recorrida na obrigação de os indemnizar pelos prejuízos daí decorrentes, com fundamento em responsabilidade cível extra - contratual por actos lícitos, como emana do disposto nos termos do artigo 37° do Decreto-Lei n° 43335, de 19 de Novembro de 1960.

4 - Não está em discussão, pois, a legalidade da actuação da recorrida, na exacta medida em que os recorrentes não questionam a regularidade ou validade de todo o procedimento administrativo conducente à constituição da servidão administrativa em apreço,
5 - submetendo exclusivamente à apreciação do Tribunal, a questão da determinação do justo valor indemnizatório que entendem lhes ser devido.

6 - Nesta matéria cumpre recorrer às normas constantes nos artigos 37° e 38° do Decreto-Lei n° 43335, de 19 de Novembro de 1960, ao qual é aplicável o Código das Expropriações, com as necessárias adaptações.
7 - Tratando-se de indemnização pela constituição de uma servidão, o artigo 38°, n° 1 do Código das Expropriações, “ex-vi” artigo 8°, n° 3 do mesmo diploma legal, atribui expressamente aos Tribunais Comuns a competência para conhecer das acções sobre o valor dessa indemnização.

8 - De igual modo, importa ter presente o estatuído no artigo 51° Código das Expropriações, aplicável com as necessárias adaptações, que determina que a entidade expropriante deve remeter o processo ao tribunal da comarca da situação dos bens expropriados, para os efeitos aí determinados.

9 - É pois o Tribunal Judicial de Faro, o competente para apreciar a pretensão indemnizatória dos recorrentes, pelo que o Acórdão recorrido não pode deixar de ser revogado a substituído por outro que determine o Tribunal Judicial de Faro como materialmente competente para a apreciação do pedido indemnizatório deduzido pelos recorrentes, ordenando o prosseguimento dos autos naquela 1ª instância, como se pede e se espera.
Mais ainda que assim não fosse, como é...

10 - O critério para a atribuição da competência material aos Tribunais Administrativos, é o litígio fundar-se numa relação jurídico-administrativa e/ou, na acção, ser parte ente público que actue ou invoque poderes de “jus imperii” que o coloquem numa situação de superioridade.

11 - À semelhança do que acontece com o instituto da expropriação por utilidade pública, a relação jurídica de servidão administrativa comporta 2 fases: a primeira fase, de carácter eminentemente administrativo e como tal, sujeita ao foro dos Tribunais Administrativos abrange a todo o procedimento conducente à atribuição à licença de constituição e estabelecimento da atinente servidão; a segunda fase tem exclusivamente a ver com a fixação do montante concreto da justa indemnização a pagar ao proprietário do prédio onerado, que só surge quando não exista acordo entre as partes, de acordo com normas de direito privado, e em que a entidade beneficiária se coloca numa posição de igualdade ou paridade perante aquele, para o qual são competentes os Tribunais Comuns.

12 - No caso vertente, a pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelos recorrentes nada tem a ver com a regularidade ou validade da constituição da aludida servidão administrativa, mas antes com a determinação do montante concreto da justa indemnização que entendem lhes ser devido, de acordo com critérios privatisticos e civilísticos, em que à recorrida não é atribuída qualquer prorrogativa de autoridade, nem aos recorrentes importa qualquer sujeição ou limitação especial por razões de interesse público.

13 - Consequentemente, são os tribunais comuns, mais concretamente, o Tribunal Judicial de Faro, o competente para conhecer do mérito da pretensão indemnizatória deduzida pelos recorrentes.
Mas ainda que tudo o que vem de ser dito tivesse de ser ter por inexacto, como por deveres de patrocínio, e nunca por conceder, se concebe...
***

14 - Por estarmos perante um caso de fronteira, é admissível fazer apelo ao argumento de eficácia, celeridade e boa decisão da causa, sendo razoável supor que, atento à tramitação processual já observada, que o Tribunal “a quo” é o que se encontra em melhores condições para mais depressa e bem julgar.

Uma vez que a decisão recorrida não tomou nada disso em consideração, violou o disposto nos artigos 213º, nº 1 e 214°, nº 3 da Constituição da República, artigo 66° do Código de Processo Civil, artigo 1º, nº 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 18°, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, artigos 8°, n° 3, 38º, n° 1 e 51º do Código das Expropriações.
Daí que não possa deixar de ser substituída por outra que julgue o Tribunal Judicial de Faro como materialmente competente para a apreciação do pedido indemnizatório deduzido pelos recorrentes, ordenando o prosseguimento dos autos naquela 1ª instância, com as devidas e legais consequências.

3. Distribuídos os autos, foi pelo Exmo Magistrado do M°P° exarado o seguinte parecer:

Sustentam os Recorrentes que, ao contrário do decidido, a jurisdição comum é competente, em razão da matéria, para conhecer da ação de responsabilidade civil por ato lícito, em que pedem a condenação da EDP Distribuição - Energia, S.A., no pagamento de indemnização, nos termos do artigo 37° do DL 43335, de 19-11-1960.

É constante a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, bem como do STA e do STJ, no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos” - cfr., por todos, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20-09-2012, proc. 02/12.
Residualmente, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas que não sejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (n° 1 do art° 211° da Constituição (CRP) e artigos 64° do CPC (artigo 66° do CPC de 1961) e 18°/1 da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro).

Importa, assim, verificar se o caso cabe no âmbito da competência dos tribunais administrativos, de acordo com o critério substancial das "relações jurídicas administrativas e fiscais” adotado no n° 3 do artigo 212° da CRP, reproduzido no ETAF, ampliado e restringido em algumas situações previstas no artigo 4º do ETAF - cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I, págs. 26 e 27; e Vieira de Andrade, A justiça Administrativa (Lições), 9ª ed, págs. 53 e ss.

Para esse efeito, é entendimento jurisprudencial e doutrinário constante no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos” - cfr., por todos, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20-09-2012, proc. 02/12.

Sendo a Ré pessoa jurídica de direito privado, importa considerar a norma do artigo 4°/1/i) do ETAF, segundo a qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.
Este regime específico, aprovado pela Lei 67/2007 de 31/12, dispõe no seu artigo 1°/5:
“as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Esta solução é ainda tributária do critério geral substancial da relação jurídica administrativa, porquanto a competência dos tribunais administrativos para conhecer dos litígios que tenham por objeto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados depende de lhes ser aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, o que só ocorre “por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Em anotação à referida norma da Lei 67/2007, Carlos Alberto Cadilha escreve:
“…tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime da responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas privadas" (“Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, pág. 49).
Ora, a atividade de “gestão pública” pode ser empreendida por entidades privadas, desde que sujeitas ao direito administrativo e, por essa via, tenham de organizar o serviço público em que colaborem ou operar o seu funcionamento em conformidade com regras e princípios daquela natureza. Tal acontece com as empresas concessionárias que, sendo privadas, exercem atividades materialmente administrativas. Exercendo atividades de gestão pública, não há razões para que, se delas emergirem danos na esfera jurídica de terceiros, estes não possam ser ressarcidos de acordo com as regras que regulam as demais atividades de gestão pública do Estado e demais entes públicos.
Como discorre M. Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 1999, pág. 148:
Essa função [a função administrativa] é desempenhada essencialmente por pessoas coletivas públicas, entre os quais o Estado - Administração, e, marginalmente, por pessoas coletivas privadas integradas na Administração Pública. As primeiras formam o cerne da Administração Pública e exercem a função administrativa do Estado - coletividade de forma imediata, necessária e por direito próprio, em obediência a opções prévias, que se traduziram no exercício da função legislativa daquele Estado, função principal ou primária. As segundas assumem uma posição secundária dentro da Administração Pública, exercendo a função administrativa por delegação daquelas. Desta forma as pessoas coletivas privadas que se encontram nesta posição exercem a função administrativa do Estado por efeito de decisão prévia de uma pessoa coletiva pública, decisão essa que se insere no exercício da função administrativa por parte da pessoa delegante.
E, como adverte Freitas do Amaral, também há relações jurídico-administrativas “(...) tão-só entre particulares, desde que no exercício de direitos ou deveres públicos” - Curso de Direito Administrativo, II, 2ª ed. Almedina. pág. 167.
Ora, os atos imputados à Ré, em que os AA fundam o pedido indemnizatório, são regulados por disposições de direito administrativo - cfr. artigos 12°/1 do DL 29/2006, de 15/2, e 51° do DL 43335, mantido em vigor pelo artigo 75° do DL 172/2006, de 23/8. Assim sendo, a jurisdição administrativa seria a competente, de acordo com os referidos critérios.

Sucede, porém, que para casos como o presente há legislação especial não derrogada expressamente pelas referidas normas gerais do ETAF, e que confere aos tribunais judiciais a competência material para deles conhecer. É o que decorre do regime de determinação do valor das indemnizações e sua impugnação estabelecido nos artigos 38° e ss. do DL 43335, em especial o artigo 42°, e artigo 38°/1 do CE, aprovado pela Lei 168/99, de 18/9. Com efeito, se é competente a jurisdição comum para conhecer do recurso da decisão arbitral sobre o valor da indemnização, não faria sentido atribuir a jurisdição aos tribunais administrativos quando, em vez de ser requerida a arbitragem, seja proposta ação judicial diretamente, com o mesmo objeto, como é o caso e o § 2° do artigo 38° do DL 43335 permite.
Assim sendo, em matéria de expropriações e de constituição de servidões administrativas, a competência jurisdicional é atribuída aos tribunais judiciais para decidir sobre o valor das indemnizações devidas, mesmo quando o expropriante seja o Estado ou outra entidade pública, não se aplicando nessa matéria as normas do artigo 4°/1/g) e i) do ETAF. Aliás, a salvaguarda dos regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa é estabelecida pelo artigo 2°/1 da Lei 67/2007, bem como pelo artigo 1°/1 do regime da responsabilidade por ela aprovado, pelo que a conjugação do artigo 4°/1/i) do EFAF com o artigo 1°/5 deste regime não derroga as regras de competência que decorrem do DL 43335 e do CE.

Em face do exposto, parece-nos que o presente recurso merece provimento, devendo revogar-se o acórdão recorrido para que a ação prossiga os seus termos no TJ de Faro, onde foi proposta.
4. É ponto incontroverso que a competência (ou jurisdição) de um tribunal se determina pela forma como o autor configura a acção, definida pelo respectivo objecto, tal como se mostra delimitado pelo pedido formulado (pelo efeito jurídico pretendido) e pela respectiva causa de pedir (pelos factos essenciais, constitutivos de tal efeito jurídico).

Perante o disposto no n.° 1 do art. 211° da CRP, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, sendo que, nos termos do art. 212°, n.° 3, “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”.
O conceito de relação jurídica administrativa é, assim, erigido, tanto pela Constituição como pela lei ordinária, em elemento nuclear da repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais.
O âmbito da jurisdição administrativa encontra-se definido no art. 4° do ETAF onde se estatui que compete aos tribunais administrativos “a apreciação de litígios que tenham por objecto” as situações ali tipificadas, sendo que a decisão em causa nos presentes autos identificou as alíneas d) e i) - cometendo aos Tribunais Administrativos a apreciação dos litígios que tenham, nomeadamente, por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos, bem como a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.

Importa, assim, interpretar e caracterizar adequadamente a acção proposta, definindo e delimitando, desde logo, o respectivo objecto, de modo a determinar se estamos perante acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, imputada a entidades públicas ou a sujeitos privados — nomeadamente concessionários de serviço público - que hajam cometido o facto lesivo no exercício de poderes administrativos — cujo regime seja moldado em função do regime específico da responsabilidade civil do Estado e dos demais entes públicos — e, portanto, face a um litígio enquadrável nas referidas alíneas d) e i) do art. 4°, n°1, do ETAF.
A acção proposta é tipicamente uma acção destinada a efectivar, em exclusivo, a obrigação de indemnizar da entidade demandada, resultante de um acto que o próprio A. configura como lícito - envolvendo a constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica em alta tensão, enquadrável no disposto no art. 37° do DL 43335, a qual teria causado danos, consistentes na desvalorização do prédio afectado.
Saliente-se que, no caso dos autos, o objecto da acção reporta-se exclusivamente à efectivação de pretensão indemnizatória fundada na obrigação de indemnização de danos causados por facto lícito, distinguindo-se claramente, quer dos litígios em que se peticiona à cabeça o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel afectado pela actividade da entidade demandada, quer daqueles em que o demandante — qualificando como ilegal e atentatória da sua propriedade a actuação da entidade demandada - pede que a mesma seja condenada a remover os equipamentos, objectos ou instalações que ilicitamente teria instalado no prédio pertencente ao A., abstendo-se do cometimento no futuro de outros actos lesivos de tal direito (cfr. a situação objecto do litígio subjacente ao Ac. de 10-07-2012, proferido no conflito 03/12);

Por outro lado, importa realçar que a R. é demandada na qualidade de concessionária do serviço público de distribuição de energia eléctrica, integrando as estruturas implantadas - que originaram a constituição da servidão administrativa em causa e geraram os danos a ressarcir - a rede nacional de distribuição, explorada pela referida entidade como concessionária.
Estamos, deste modo, confrontados com as consequências lesivas de um acto praticado por uma entidade concessionária, no exercício dos poderes administrativos que lhe são conferidos no âmbito da relevante função de interesse público que lhe está cometida em sede de implantação da rede eléctrica nacional, aplicando-se a tal obrigação de indemnizar o regime específico da responsabilidade do Estado, nos termos do art. 1º, nº 5, da Lei 67/07.
5. Esta caracterização do objecto e fundamento da acção — que levou as instâncias a incluírem a presente acção no domínio da jurisdição administrativa — poderia efectivamente, numa análise liminar, levar a supor que ela se situava na competência dos Tribunais administrativos e fiscais, por se reportar à apreciação jurisdicional de uma relação jurídica administrativa, traduzida numa pretensão indemnizatória formulada contra entidade concessionária, por actuação situada no âmbito dos respectivos poderes administrativos, regida por normas de Direito Administrativo.

Porém, a resolução cabal da questão de competência suscitada nos presentes autos exige ainda que se proceda a uma segunda ordem de ponderações, destinadas a apurar se o critério que rege a determinação da competência material não estará abrangido por regime especial, não derrogado pelas normas gerais, atrás referenciadas, e que a situe antes no domínio das competências materiais dos tribunais judiciais — nomeadamente por assimilação ao regime que tem vigorado em sede de processo de expropriação por utilidade pública, no que respeita especificamente à determinação da justa indemnização devida pela ablação da propriedade — matéria que tradicionalmente tem estado entre nós, e até agora, cometida aos tribunais judiciais, sem que hajam procedido as dúvidas que, em sede constitucional, se suscitaram quanto a esta questão.

Como se considerou, por exemplo, no Ac. do TC n° 965/96:

O regime da exposição de bens imóveis dos cidadãos por motivos de utilidade pública, com a supressão pura e simples do direito de propriedade dos particulares (se não for possível a aquisição amigável desses bens), consagrado no Código das Expropriações, prevê uma primeira fase puramente administrativa, regulada no Título II do referido Código. Tal fase compreende a declaração de utilidade pública, prevista no artigo 11º, que implica um processo, regulado nos artigos 12º, 13º (no caso de urgência na expropriação) e 14º, e culminou com a posse administrativa, consagrada nos artigos 17º a 21º.
Nesta fase processual pode, na verdade, falar-se em relação jurídico-administrativa, por intervir o Estado Administração, numa típica acção de lesão da esfera jurídica dos particulares, com vista à prossecução de um interesse público.

Porém, quando esta fase termina e, esgotada a possibilidade de acordo com o expropriado, se dá início à fase da expropriação litigiosa, parte da doutrina entende haver uma alteração do enquadramento jurídico da situação.

Na verdade, a fase de expropriação litigiosa compreende, como momento fundamental, a arbitragem (artigos 37º e 42º e ss. do Código das Expropriações). Finda a arbitragem, o processo é remetido ao tribunal competente, para ser adjudicada ao expropriante a propriedade e a posse e, simultaneamente, ordenada a notificação da decisão arbitral, quer ao expropriante, quer aos diversos interessados (nº 4 do artigo 50º do citado Código). Dessa arbitragem cabe recurso, previsto e regulado nos artigos 51º e 56º e ss. do mesmo diploma, para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua extensão.

Segundo parte da doutrina, estar-se-á, então, na presença de uma relação jurídica suscitada por um conflito entre os interesses dos sujeitos envolvidos na fixação do valor global da indemnização. A composição desse conflito (entendido como um verdadeiro conflito de interesses) deverá ser, nessa perspectiva, da competência dos tribunais judiciais, na medida em que estará em causa a determinação do montante da “justa indemnização” pelo sacrifício do direito de propriedade do particular e é vedada à jurisdição administrativa a competência para dirimir litígios relativos a direitos reais de natureza privada [artigo 4º, nº1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº129/84, de 27 de Abril].

Para quem assim pense, já não estará em causa, neste momento, em primeira linha, o interesse colectivo prosseguido pelo Estado com a expropriação. O Estado não surgirá, na determinação do montante indemnizatório, munido de poderes de autoridade. Tratar-se-á agora da conversão do direito de propriedade, extinto em consequência da expropriação, num valor pecuniário, que conferirá ao litígio emergente um cariz eminentemente privado (cf. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, pp.154/155).

Mesmo que assim se não entenda, segundo uma outra linha argumentativa sempre se admitirá a competência dos tribunais comuns por ter sido esta a nossa tradição jurídica, desde a entrada em vigor da primeira lei sobre o processo expropriativo (a Lei de 23 de Julho de 1850), intervindo sempre o juiz comum para decidir a matéria da indemnização (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 746/96, de 29 de Maio de 1996, inédito, e na doutrina, Alves Correia, ob.cit., passim, a propósito dos aspectos históricos do conceito de expropriação; e António Pais de Sousa e Manuel Fernandes da Silva, Da Justa Indemnização nas Expropriações de Utilidade Pública, 1980, dando noticia, a p. 27 e ss., da legislação portuguesa e das características da sua evolução, e considerando aquela lei de 1850” … a trave-mestra e ponto obrigatório de referência de todo o direito legislado posteriormente sobre expropriação”).

Em suma: a consideração de que a relação jurídica em análise não possuirá natureza administrativa permitiria concluir, desde logo, que as normas em crise não violariam o disposto no artigo 214º, nº 3, da Constituição.

Mas, também, se se perfilhar um outro entendimento, a inserção, na 2ª Revisão Constitucional, da actual redacção do nº 3 do artigo 214º não excluí, em absoluto, a possibilidade de manter nos tribunais judiciais a competência para julgar questões de direito administrativo.

Uma parte da doutrina sustenta mesmo que o nº 3 do artigo 214º da Constituição apenas visou a criação “tribunais comuns” em matéria administrativa e não a criação de uma reserva material absoluta dos tribunais administrativos.

Assim, segundo Vieira de Andrade, da “definição do âmbito-regra (que corresponde à justiça administrativa em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições – por exemplo, seria inconstitucional a opção do legislador ordinário pelo sistema italiano, remetendo para os tribunais judiciais o julgamento de todas as questões relativas a direitos subjectivos dos particulares”. Porém, acrescenta o autor, “não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas, sendo certo que essas “remissões” orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo por isso, incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo”. (cf. Direito Administrativo e Fiscal, 1995, p.11).

Por fim, mesmo que não se rejeite que o artigo 214º, nº 3, da Constituição atribui aos tribunais administrativos uma reserva material absoluta de jurisdição, ainda se terá de admitir que, em casos excepcionais, ditados por razões constitucionalmente relevantes, é possível atribuir aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões de direito administrativo (cf., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs, 607/95, D.R., II Série, de 15 de Março de 1996, e 746/96, citado). Assim, da alegada natureza administrativa do presente litígio, não resultaria, necessariamente, a inconstitucionalidade das normas em crise.

6. Note-se que a constituição da presente servidão administrativa nada tem a ver com a anterior pendência de procedimento expropriativo: ou seja, não se trata manifestamente de servidão administrativa cuja constituição se enquadre ou seja ainda decorrência de uma expropriação, nos termos previstos no art. 8° do Código das Expropriações, mas de servidão constituída sem precedência de qualquer acto expropriativo (estabelecendo o n°3 daquele preceito legal que à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial)..

No caso ora em apreciação, os AA. trataram de efectivar o seu direito à indemnização pelos danos resultantes da constituição da servidão administrativa através da imediata propositura de uma acção condenatória, na forma ordinária, sem que lançassem mão da arbitragem prevista no art. 37º do DL 43335 — norma reguladora da fixação da contrapartida indemnizatória atinente à constituição de uma servidão no quadro da concessão respeitante à Rede Eléctrica Nacional, nos termos da qual os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.
O valor destas indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados” (corpo do artigo 38°).
E, relativamente à matéria dos recursos respeitantes à fase de arbitragem, dispõe o art. 42° desse diploma legal que das decisões proferidas pelos árbitros haverá sempre recurso, nos termos do artigo 8° da Lei nº 2063, de 3 de Junho de 1953, esclarecendo o § único que o prazo para o recurso é de oito dias, a contar da notificação da decisão arbitral feita pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos.

Ou seja: não estamos aqui confrontados com um recurso jurisdicional de decisão arbitral - caso em que a competência dos tribunais judiciais se poderia fundar, sem esforço, numa qualificação como dinâmica (para o actual Código das Expropriações) da remissão que o citado art. 42° historicamente fazia para a Lei 2063, reguladora, em 1953, dos recursos em matéria de expropriações por utilidade pública (veja-se o Ac. de 5/6/07, proferido pela Relação de Coimbra no P. 269/06.7TBALB-A.C1) — mas perante uma acção autónoma, em que se visa, nos termos do processo comum, efectivar a obrigação de indemnizar do concessionário por danos (desvalorização do imóvel afectado) decorrentes da constituição de servidão administrativa, cuja legalidade se não controverte.
Na verdade, no caso dos autos, embora a constituição da servidão administrativa em causa nada tenha a ver com a anterior pendência de um processo de expropriação - não tendo a servidão de passagem aérea sido imposta como decorrência de um precedente acto expropriativo - nem tendo os AA lançado mão do procedimento arbitral previsto no art. 37° do DL 43335 — de configuração essencialmente equiparável ao processo expropriativo, nomeadamente na fase de recurso da decisão arbitral (art. 42° desse diploma legal) optando antes pela propositura de uma acção de condenação, na forma de processo comum, — o que é facto é que o objecto desta acção visa, em termos substanciais, o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário do prédio serviente pela oneração imposta ao seu direito de propriedade, implicando substancial degradação do valor venal do imóvel: tal como ocorre na fase do processo expropriativo tradicionalmente atribuída aos tribunais judiciais, o objecto da presente acção visa apurar e efectivar a obrigação de indemnização de uma entidade que exerce funções administrativas por acto lícito, que determinou a ablação ou oneração da propriedade em nome da realização de um interesse público, gerando uma desvalorização do bem - que carece de ser ressarcida, de modo a assegurar-se a tutela efectiva do direito de propriedade.

Ora, deverá considerar-se que a competência atribuída aos tribunais judiciais em sede de arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário lesado com actos de prossecução lícita do interesse público é uma competência determinada em razão da forma de processo, só abrangendo as pretensões que devam ser apreciadas no âmbito da especial tramitação que caracteriza o processo expropriativo, apenas competindo aos tribunais comuns a apreciação dos recursos interpostos de decisões arbitrais (art.38°, n°1, do C. Expropriações)?

Ou pelo contrário, numa perspectiva mais abrangente e substancialista, deverá antes entender-se que compete também aos tribunais judiciais a apreciação e julgamento dos litígios que incidam sobre o arbitramento da justa indemnização ao proprietário dos bens afectados pela lícita ablação ou oneração da propriedade, em nome da realização do interesse público — cabendo-lhes a respectiva preparação e julgamento independentemente da forma do processo desencadeado pelo lesado: ou seja, mesmo que — como sucedeu no caso dos autos - ele tenha optado pela propositura de uma acção de condenação, tramitada na forma comum, em vez de ter desencadeado o procedimento de arbitragem (previsto nos arts. 37° e 42° do citado DL 43335) equiparável à peculiar tramitação do processo de expropriação, obtendo primeiramente uma decisão arbitral — e só desta recorrendo para o tribunal judicial?

Considera-se que é esta segunda a solução abrangente que deve ser adoptada, por se afigurar que a competência tradicionalmente atribuída aos tribunais judiciais em sede de arbitramento da justa indemnização ao proprietário, perspectivada como meio de tutela efectiva desse direito fundamental, não deve permanecer circunscrita e delimitada em função do tipo ou da tramitação do processo, abrangendo também os casos em que o lesado optou pela propositura de acção comum (e não apenas aqueles em que a causa comportou a prolação inicial de um juízo arbitral, do qual se pode recorrer para o tribunal comum competente.

É este entendimento amplo que, aliás, tem encontrado apoio na jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal de Conflitos: veja-se a situação dirimida no Ac. de 20-10-2011, proferido no conflito 010/11, em que se considerou competente a ordem dos tribunais judiciais para apreciar a questão do pagamento de uma indemnização pela constituição de uma servidão non aedificandi por virtude da expropriação, apesar de esta pretensão se mostrar efectivada em processo comum.

Em idêntico sentido, pode citar-se o Ac. de 24-05-2011, proferido no conflito 02/11, em que se considerou pertencer à jurisdição dos tribunais judiciais a fixação da justa indemnização devida ao expropriado, num caso em que havia sido proposta acção condenatória em que se não questionava a legalidade do acto ablativo da propriedade, apenas se pretendendo a determinação do montante concreto da justa indemnização a atribuir ao particular, fixada segundo critérios que se prendem essencialmente com o valor real dos bens ou do direito pertencente ao interessados.

Saliente-se ainda que em acções, perfeitamente análogas à dos presentes autos, em que se peticiona em processo comum, tramitado desde o seu início perante os tribunais judiciais, o arbitramento da justa indemnização devida pelos danos decorrentes da constituição lícita de servidões administrativas, vem sendo apreciado o respectivo mérito, inclusivamente pelo STJ, que (ao menos de modo implícito) admite a competência material da ordem dos tribunais judiciais para o respectivo julgamento (cfr. por ex., o ac. de 4/10/11, proferido no P. 3409.05.0TbPRD.P1.S1, in CJ n°235, pag. 59; e o ac. de 10/11/11, proferido no P. 1168/06.8TBMCN.P1.S1).

Situam-se, pois, no âmbito da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que — independentemente da forma de processo escolhida pelo autor e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado — têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo.

7. Termos em que, pelos fundamentos apontados, se concede provimento ao recurso, considerando competente, em razão da matéria, a jurisdição comum para o conhecimento da acção proposta pelos recorrentes, determinando-se a remessa dos autos ao 1º Juízo cível do Tribunal Judicial de Faro para aí prosseguir os seus termos.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Junho de 2014. – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (relator) – António Bento São PedroJorge Artur Madeira dos SantosAntónio Políbio Ferreira HenriquesIsabel Celeste Alves Pais MartinsManuel Joaquim Braz.