Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:05/23
Data do Acordão:07/05/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS
TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos estes réus, sendo imputados aos primeiros a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, sendo o Fundo de Resolução e o Fundo de Garantia de Depósitos demandados aquele apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição e este a título meramente subsidiário.
Nº Convencional:JSTA000P31171
Nº do Documento:SAC2023070505
Data de Entrada:03/14/2023
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE SINTRA — JUIZ 5 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA UO3
AUTOR: AA
RÉU: BANCO 1... S.A. - EM LIQUIDAÇÃO E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 5/23

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
AA, identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Instância Central – Secção Cível – J1, acção declarativa com processo comum contra Banco 1..., SA (doravante Banco 1...), Banco 2..., SA (doravante Banco 2...), Fundo de Resolução e Fundo de Garantia de Depósitos, pedindo a título principal:
a) a condenação do Banco 1...; do Banco 2... e do Fundo de Resolução, que deste é o único acionista, a pagar-lhe o montante de 100.000,00€, com juros à taxa legal desde a data do depósito que se calculam em 5.873,00€ e se agravam à razão de 10,95890411€ por dia. Mais, devem os mesmos ser condenados a pagar uma indemnização do valor de 100.000,00€, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da citação, para ressarcimento dos danos morais a que dão causa diariamente;
b) Se assim não se entender e se considerar que o único negócio eficaz, celebrado pelo Banco 1... com o A. foi o contrato de depósito, deve ser condenado o Fundo de Garantia de Depósitos a pagar-lhe o montante depositado, condenando-se os referidos bancos e o Fundo de Resolução a pagar-lhe igualmente uma indemnização correspondente à soma de 100.000,00€ e dos juros;
c) Se se entender que, apesar de não ter sido ordenada pelo A., é válida a operação financeira de aquisição de papel da A..., deve ser o Banco 2... condenado a devolver-lhe o montante de 100.000,00€, acrescido de juros, condenando-se, de qualquer modo ambos os Bancos e o Fundo de Garantia de Depósitos no pagamento de indemnização do valor de 105.873,001592 agravada à razão de 10,95890411€.
Alega, em síntese, ser titular da conta de depósitos à ordem que identifica, aberta na agência do Banco 1... S.A. das ... no dia 21 de Novembro de 2013, com um depósito no valor de €100.000,00.
Por força de uma medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco 1..., aquela agência bancária deixou de funcionar sob a denominação inicial para passar a funcionar sob a designação de “Banco 2..., SA”, de que o único acionista é o Fundo de Resolução.
Desde o primeiro momento que lhe foi garantido que nenhum risco corria o seu depósito no Banco 1..., porque o mesmo passava para o Banco 2..., sendo-lhe igualmente garantido pelos mesmos funcionários que o Banco 2... era a mesma coisa que o Banco 1... mas mais forte, pelo que estava garantido o crédito emergente do depósito que fez neste último, no que acreditou. Só muito mais tarde, em 21.11.2014, quando se deslocou à agência bancária para receber os juros que julgava tinha para receber é que soube que afinal não era o mesmo banco, como afirmava a publicidade, tendo também tomado conhecimento de que não era possível proceder ao recebimento dos juros nem ao levantamento dos fundos depositados.

Em sede de contestação, além do mais, os RR. deduziram excepção de incompetência, territorial e/ou em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer da acção.
A referida Instância Central – Secção Cível, da Comarca de Castelo Branco decidiu, em 27.11.2015, declarar a incompetência territorial do Tribunal, e, territorialmente competente para a acção o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
No Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 5, do referido Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por sentença de 06.10.2017, foi julgada procedente, nos termos do disposto nos artigos 4º, nº 1, alíneas a) e f) do ETAF e 64º, 96º, al. a), 91º, nº 1, 98º e 99º, todos do CPC, a excepção de incompetência material daquele Tribunal e julgado que a competência para conhecer da acção cabia à jurisdição administrativa, dado que o Fundo de Resolução é uma pessoa colectiva de direito público.
No seguimento dessa decisão, o A. requereu a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Lisboa, tendo, após várias vicissitudes, o TRL, em recurso, decidido que os autos deviam ser remetidos ao TAF de Sintra.
O TAF de Sintra por decisão de 10.01.2023, decidiu, fundamentando-se em diversos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos, que os Tribunais Administrativos e Fiscais não possuem competência material para o conhecimento do litígio, declarando a respectiva incompetência material.

Suscitada oficiosamente a resolução do conflito no TAF de Sintra, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos, por despacho de 06.03.2023.

Neste Tribunal dos Conflitos, as partes, notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 11º da Lei nº 91/2019, nada disseram.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer do pedido deduzido pelo A. contra todos os demandados deverá ser atribuída aos tribunais judiciais, conforme é jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos nos arestos que refere.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão do presente conflito são os constantes do Relatório.

3. O Direito
A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se apenas a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 07.06.2018, Conflito nº 061/17, de 23.05.2019, Conflito n° 039/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 031/18 e 046/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito nº 060/19, de 02.03.2021, Conflito nº 057/19, de 08.07.2021, Conflito nº 057/19, de 19.01.2022, Conflitos nºs 026/21 e 030/21 e de 08.11.2022, Conflito nº 017/22]. Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remetemos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (Banco 2... SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (Banco 1... SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
(…)
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «Banco 2...» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao Banco 1... no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do Banco 2... - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
No presente conflito estamos perante a particularidade de na acção intentada também ser demandado o Fundo de Garantia de Depósitos, que tem a natureza de pessoa colectiva de direito público, circunstância inédita em relação aos diversos acórdãos acima indicados.
No entanto, o que resulta da petição inicial, é que a responsabilidade que a este Fundo é imputada não decorre de uma relação jurídica administrativa e nem ao mesmo vem imputada uma responsabilidade civil extracontratual enquanto pessoa colectiva de direito público (tal como igualmente sucede em relação ao Fundo de Resolução), nem esta natureza pública determina só por si a sujeição do pedido contra o mesmo formulado, solidariamente com os bancos e a título meramente subsidiário, em relação ao fundamento principal da acção – a questão relacionada com a subscrição do papel comercial -, pelo que, também quanto a este co-réu, como quanto aos demais, cabe à jurisdição comum a competência material para conhecer da respectiva responsabilidade, face ao disposto no art. 64º do CPC.

Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais judiciais - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 5, para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o Banco 1..., SA, o Banco 2..., SA, o Fundo de Resolução e o Fundo de Garantia de Depósitos.
Sem custas.

Lisboa, 5 de Julho de 2023. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.