Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:014/15
Data do Acordão:07/09/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA RAMOS
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA
CONTRATO DE EDIÇÃO.
Sumário:Compete à jurisdição comum conhecer de uma acção relativa ao incumprimento de um contrato de edição celebrado entre uma autarquia e um particular, regulado por normas de direito privado. (*).
Nº Convencional:JSTA00069292
Nº do Documento:SAC20150709014
Data de Entrada:03/19/2015
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE MIRANDA DO DOURO (ACTUALMENTE COMARCA DE BRAGANÇA) E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA
AUTOR: A............
RÉU: JUNTA DE FREGUESIA DA UNIÃO DE FREGUESIAS DE SENDIM E ATENOR
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ MIRANDA DO DOURO - TAF MIRANDELA.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO COMUM
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 E F ART1.
CCP ART16 ART1 ART2.
CDA05 ART83.
CPC13 ART64.
CONST05 ART212 N3.
Jurisprudência Nacional:AC REL LISBOA 2010/09/14.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO PROCESSO CIVIL 2 PAG375.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG815.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 9ED PAG79 PAG103.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI PAG26-27 PAG48-53.
MARGARIDA CORTEZ - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO TRABALHOS PREPARATÓRIOS DA REFORMA PAG258.
CARLOS FERNANDES CADILHA - DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO 2007 PAG117-118.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 14/15

Acordam no Tribunal de Conflitos

A………… intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Miranda do Douro - actualmente comarca de Bragança - acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra:

A Junta de Freguesia da União de Freguesias de Sendim e Atenor com o NIPC 507 718 100, com sede na Avenida do Ciclo Preparatório, Sendim, Miranda do Douro, pedindo o pagamento de € 7.500,00, assim como dos respectivos juros vencidos e vincendos, valor resultante do não pagamento pela ré daquilo a que se comprometeu em contrato celebrado com o autor, como contrapartida da entrega por este de um livro por si escrito que aquela publicaria.

Na oposição que apresentou, a União de Freguesias de Sendim e Atenor defendeu-se, nomeadamente, por excepção, sustentando serem os tribunais da jurisdição comum incompetentes para o conhecimento desta causa, por a Ré ser uma entidade pública.

Notificada para se pronunciar sobre a referida excepção, o Autor contrariou argumentação da Ré, afirmando que, embora esta seja uma entidade pública, o contrato em causa configura um acto de gestão privada, intervindo a autarquia local como um simples particular e com sujeição exclusiva a normas de direito privado.


***

Por despacho de 30.5.2014 – fls. 37 a 39 - foi julgada verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta e, em consequência, foi absolvida da instância a União de Freguesias de Sendim e Atenor.

No essencial considerou-se, que:

“De acordo com o Código dos Contratos Públicos, relativo à contratação pública e ao regime dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, o regime da contratação pública é aplicável à formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes (artigo 1.º, n.º 2), como sucede com as autarquias locais (artigo 2°, n.º 1, alínea b).
Ora, sendo a ré uma autarquia local e, por conseguinte, entidade adjudicante, aplicam-se aos contratos por si celebrados - como é o caso do contrato dos autos - as normas de direito público constantes do Código dos Contratos Públicos, pelo que materialmente competente para a apreciação de litígios atinentes à sua interpretação, validade e execução são os tribunais pertencentes à jurisdição administrativa e fiscal, e não os tribunais pertencentes à jurisdição comum”.

***

Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foi aí proferido o despacho de 7.1.2014 - fls. 64 a 70 - julgando-se o Tribunal materialmente incompetente para a apreciação do ente litígio, determinando-se a absolvição da instância.
***

No Supremo Tribunal Administrativo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu o douto Parecer de fls. 94 a 96, considerando que a competência material radica no Tribunal comum por o contrato invocado como causa de pedir não ser regulado “em qualquer dos seus aspectos, por normas de direito administrativo, estando apenas sujeito às regras de direito civil, designadamente do Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (cfr. art. 83°), nem consta que as partes o tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.

Depois de excluir a aplicação do disposto nas als. e) f) do art. 4º do ETAF, interpretadas divergentemente pelos Tribunais em conflito, considerou que o contrato invocado pelo Autor não estava submetido ao procedimento pré-contratual do Código dos Contratos Públicos, afirmando, pág. 95:

“Na verdade, embora os contratos públicos (todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes, onde se inclui a Ré - cfr. art. 1°/2 do CCP) possam ser submetidos a um dos procedimentos pré-contratuais especificamente referidos no artigo 16º/1 d) e 2 b) e e) do CCP (DL 18/2008, de 29/1), ex vi dos n.°s 1 e 2 do artigo 1°/1 e 2 e 2º c), é necessário para tanto que o seu objecto abranja prestações que estão ou sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência do mercado (cfr. corpo do artigo 16°/1), pois, nos termos do artigo 5°/1, “A parte II do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação.”
“Ora, consistindo a prestação contratual do Autor em facultar à Ré um determinado livro de sua autoria, para que esta o publicasse, não parece poder conceber-se qualquer susceptibilidade de uma tal prestação estar submetida à concorrência de mercado, já que o objecto mediato dessa prestação é um produto único e insusceptível de ser oferecido por outrem que não o Autor” concluiu que, “sendo o contrato regulado exclusivamente pelo direito privado (e não tendo sido submetido expressamente pelas partes a um regime substantivo de direito público), não há qualquer elemento de conexão relevante para conferir a jurisdição à ordem dos TAF”.

Cumpre apreciar e decidir.

Está em causa saber se compete à jurisdição comum ou à jurisdição administrativa sentenciar sobre o alegado incumprimento de um Contrato de Edição - regulado nos artigos 83.° e segs. do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março - celebrado entre o Autor e a Junta de Freguesia, Ré na injunção, cuja causa de pedir é o incumprimento desse contrato, na vertente do não pagamento do preço nos termos convencionados.

A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca – cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.2.1990, in BMJ, 394-453, e de 9.5.95, in CJSTJ, 1995, II, 68, entre vários.

Estabelece o art. 64° do Código de Processo Civil que - “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1° - 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina:

“São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei).
Constam das várias normas que prevêem a tal respeito.
Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes).
A competência do tribunal - ensina Redenti (vol. 1, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

Determinando-se a competência material pelo pedido do Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir), como defende Manuel de Andrade, a questão da competência material, e logo da jurisdição competente, apenas terá que ser analisada à luz da pretensão do Autor, tal como por ele foi configurada.

A causa de pedir, “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar” — Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2°, 375.

Da causa de pedir apresentada na petição inicial resulta, em resumo, o seguinte:

- Foi celebrado, em 10.5.2012. entre as partes um “Contrato de Publicação de livro Sendim, a Terra e o Homem” - documento de fls. 9 a 10;
- Contrato esse mediante o qual o Autor se comprometeu a entregar até ao dia 13.07.2013 o referido livro, com as devidas correcções, ficando a Junta de Freguesia de Sendim obrigada a publicar o mesmo em Cerimónia Pública no mesmo dia nas comemorações do dia da Vila;
- Ficou ainda estipulado entre ambas as partes contratantes, que, no decurso do mês de Dezembro de 2013, o Autor receberia da Ré a quantia de € 1500,00 e que no decurso dos meses de Abril, Julho e Outubro, receberia três prestações iguais e sucessivas de €2000,00;
- O referido livro foi entregue à Ré na data aprazada, que o recebeu;
- O contrato em causa constitui um Contrato de Edição, pelo qual concede a outrem, nas condições nele estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um número determinado de exemplares de uma obra ou conjunto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender;
- A Ré, embora instada por várias vezes e apesar de muitas promessas de pagamento, malgrado sempre reconhecer a dívida, não pagou a quantia de € 7500.00.

Decorre do art. 212°, n° 3, da Constituição da República – “Compete aos Tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais”.

Em comentário a este normativo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira - “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª, edição, pág. 815:

“Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n° 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.

Decorre do preceito constitucional citado, que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual, ou seja, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional - arts. 64° do NCódigo de Processo Civil e 40°, n° 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOSJ), aprovada pela Lei n° 62/2013, de 26.8

No que respeita à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, doravante - ETAF - aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (com as alterações das Leis 4-A/2003, de 19 de Fevereiro; 107-D/2003, de 31 de Dezembro; 1/2008, de 14.01; 2/2008, de 14.01; 26/2008, de 27.06; 52/2008, de 28.08 e 59/2008, de 11.9).

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no art. 1°, n° 1, estatui:

“Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

J. C. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, pág. 79, define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista realização de um interesse público legalmente definido”.

No art. 4° do ETAF, enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido art. 1°, outras em desconformidade com ela.

Aquele normativo define, no âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, além de outras, a competência para apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal, ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I. págs. 26 e 27, observam:

“É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.
E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições”.

O actual ETAF eliminou o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido.

O critério material de distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 9ª edição, 103, e Margarida Cortez, “Responsabilidade Extracontratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma”, 258.

Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, págs. 117/118, sustenta:

“Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.
Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n° 1, Junho 1994, págs. 55 e ss.)”.

O art. 4° do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa.

Ao caso pertine, das várias alíneas do n.º 1, as que respeitam aos contratos, nomeadamente, a alínea e), que estabelece competirem à jurisdição administrativa as “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.”

Referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Ficais e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados”, Vol. I, 2004, em comentário ao aludido art. 4°, n° 1, al. e) do E.T.A.F., págs. 48 a 53):

“A opção tomada nesta alínea e), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente das qualidades das partes nele intervenientes - de intervir aí uma ou duas pessoas colectivas de direito público ou apenas particulares - e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria relação contratual), eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.).
[…] O que é relevante (...) para determinar o âmbito “contratual” da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou que devia ou podia ter antecedido - a sua celebração, e não a própria natureza do contrato.
Se se trata de um procedimento administrativo, a jurisdição competente para conhecer da interpretação, validade de execução (incluindo a modificação, responsabilidade e extinção) do próprio contrato celebrado na sua sequência - independentemente de ele ser um contrato administrativo ou de direito privado - é a jurisdição administrativa.
E independentemente também de se tratar (de actos pré-contratuais ou) de contratos de uma pessoa colectiva de direito público ou de um sujeito privado que esteja submetido, por lei específica, a deveres pré-contratuais de natureza administrativa - como sucede, por exemplo, nomeadamente por força da transposição de normas comunitárias (embora o mesmo possa acontecer em virtude da sua aplicação directa) com: (...) iii) aquelas entidades a que se referem os n°s. 1 e 2 do art. 3° do Decreto-lei n° 197/99 (de 8 de Junho) quanto às aquisições desses mesmos bens e serviços, em geral.
(…)
Os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos da citada alínea e), são quaisquer contratos - administrativos ou não, com excepção dos de natureza laboral, por força da alínea d) do art. 4°/3 — que uma lei específica submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado pelas normas de direito administrativo.
O que significa que para esses litígios contratuais ficarem sujeitos à jurisdição administrativa não é necessário que o respectivo contrato seja celebrado na sequência de uma pré-contratação administrativa, desde que haja uma lei que “admita que (ele lhe) seja submetido”.
A competência “contratual” da jurisdição administrativa vale, portanto, quer no caso de o procedimento prévio do contrato ter assumido a forma (fosse ou não obrigatória) de procedimento administrativo pré-contratual, quer no caso de a entidade administrativa contratante - por não ser tal norma obrigatória (só permitida) - ter optado legalmente por uma forma de pré-contratação de natureza privatista (...)”.

Ora, no caso, tratando-se de um contrato de edição encomendado pela autarquia a um privado, certamente por ser um conhecedor da história local - trata-se como consta dos autos de um Doutorado em História - tal contrato foi celebrado intuitu personae,pelo que não se vislumbra que, antes de ter sido pactuado, fosse razoável submetê-lo a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, prevenindo até que pudesse estar sujeito à concorrência de mercado, previsão de todo desconforme ao contrato em causa dada como dissemos ser infungível a prestação do contraente demandante.

Por isso não estava abrangido pelo Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que entrou em vigor no dia 30 de Julho.

Com efeito, decorre do artigo 5°/1, daquele Código que - “A parte II do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação”.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.9.2010, in www.dgsi.pt:

Os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos do art. 4º, nº 1, al. e) do E.T.A.F., são todos os contratos, administrativos ou não (com excepção dos do natureza laboral referidos na alínea d) do nº 3 desse preceito), que uma lei específica submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado normas de direito administrativo.
Para esses litígios contratuais ficarem sujeitos à jurisdição administrativa não é necessário que o respectivo contrato seja celebrado na sequência de uma pré-contratação administrativa, bastando que haja uma lei que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo”.

A apreciação do litígio que se refere ao alegado incumprimento de um Contrato de Edição não convoca a aplicação de normas de direito público reguladoras de aspectos específicos do respectivo regime substantivo, pelo não é da competência dos tribunais administrativos.

O contrato em causa é regulado pelas normas de direito privado - versa sobre obra intelectual - e, apesar de nele ser parte uma autarquia que encomendou a obra ao Autor - não se vislumbrando que as partes quisessem submeter o contrato ao regime substantivo de direito público, não existe, como se refere no douto Parecer do Ministério Público, “nenhum elemento de conexão relevante para conferir jurisdição à ordem dos TAF”.

Por assim ser a apreciação do feito deve ser cometida ao Tribunal onde a acção foi intentada.

Decisão.

Termos em que se resolve o conflito de jurisdição, considerando competente em razão da matéria, a jurisdição comum para o conhecimento da acção.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Julho de 2015. - António José Pinto da Fonseca Ramos (relator) - Ana Paula Soares Leite Martins Portela- Raul Eduardo do Vale Raposo Borges- Maria do Céu Dias Rosa das Neves- Ernesto António Garcia Calejo - Alberto Augusto Andrade de Oliveira.