Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:033/16
Data do Acordão:05/24/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Sumário:Compete aos tribunais judiciais conhecer de ação declarativa em que se questiona a responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo que colidiu com o corpo do autor, assumida pela ré seguradora.(*)
Nº Convencional:JSTA00070196
Nº do Documento:SAC20170524033
Data de Entrada:10/21/2016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CASTELO BRANCO E A COMARCA DE CASTELO BRANCO,SERTÃ, INSTÂNCIA LOCAL,SECÇÃO COMPETÊNCIA GENÉRICA J-1.
AUTOR: A....... E OUTRA.
RÉUS: B......... - SUCURSAL EM PORTUGAL E OUTRA.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:TRIBUNAL JUDICIAL COMARCA LISBOA - INSTÂNCIA LOCAL CIVEL
TAF CASTELO BRANCO
Decisão:ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA JURISDIÇÃO COMUM
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:CRP ART211 ART212
LOSJ ART40
CPC13 ART64
ETAF ART17
Jurisprudência Nacional:AC TCONF PROC012/08 DE 2008/10/02; AC TCONF PROC007/12 DE 2012/09/20; AC TCONF PROC037/14 DE 2014/10/30
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 33/16.

I. Relatório

A…….. e C……….., S.A. intentaram acção decIarativa de condenação, na Instância Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, contra B…………….. e a Caixa Geral de Aposentações, IP, para reparação dos danos que alegaram resultar do atropelamento do 1° A por um veículo segurado pela R B……….., quando o mesmo se encontrava numa estrada nacional a efectuar a sua prestação laboral por conta da 2ª A.

Para o efeito, pediram a condenação: de ambas as RR, solidária ou individualmente, a pagarem, ao 1° A, as quantias de 770 e 10.000 euros, referentes, respectivamente, a danos patrimoniais e não patrimoniais (pedidos 1 e 2) e, à 2ª A, a quantia de 4.242,84 euros, respeitantes a remunerações e a prestações pagas à CGA e à ADSE (pedido 3); a R CGA, ou, se assim não se entender, a R B…………, a proceder a junta médica para exame ao 1º A e a pagar a este a indemnização referente à incapacidade, calculada nos termos do art. 34º e seguintes do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço no Âmbito da Administração Pública (pedidos 4 e 5)

Após diversos prolegómenos, aquela Instância Local remeteu os autos para a Instância Local de Competência Genérica da Sertã, que, por decisão de 4/04/2016, declarou tal Tribunal materialmente incompetente e competentes os tribunais Administrativos para conhecer de todos os pedidos formulados.

Recebida a acção no Tribunal de Castelo Branco, este, por decisão de 27/06/2016,declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos aludidos pedidos 1 a 3 e materialmente competente para conhecer dos demais (4 e 5), sobre cujo mérito se pronunciou.

As referidas decisões da Instância Local da Sertã e do Tribunal Administrativo

de Castelo Branco transitaram em julgado.

O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal dos Conflitos emitiu douto parecer no sentido de se atribuir a competência para o conhecimento do processo aos tribunais judiciais.

II. Apreciação

Conforme se retira do antecedentemente relatado, o conflito de jurisdição confina-se aos pedidos formulados pelos AA sob os n°s 1 a 3, uma vez que, quanto ao mais, o Tribunal Administrativo de Castelo Branco conheceu do seu mérito.

Como é consensualmente aceite, a competência do tribunal afere-se pela pretensão do autor, compreendidos os respectivos fundamentos: a determinação da competência do tribunal para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor afere pelo quid disputatum, i. é, pelo modo como esta pretensão se apresenta estruturada, tanto quanto ao pedido em si mesmo, como aos respectivos fundamentos, sendo irrelevante, para esse efeito, o eventual juízo de prognose sobre a viabilidade ou o mérito da mesma. Logo, no caso, a determinação do tribunal competente para conhecer da acção deve ponderar se nesta o pedido e respectivo causa de pedir, tal como estruturados pelo autor, configuram uma relação litigiosa de natureza pública ou privada.

«Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, por força do disposto no art. 211º n° 1 da CRP E, com idêntico alcance, os arts 40° n° 1 do da LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26/8) e 64º do NCPC., e compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, como preceitua o art. 212º n° 3 da CRP e reafirma o art. 1º n° 1 do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2).

Por conseguinte, a atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público - da administração, actuando no exercício de um poder público, com vista à realização de interesse público legalmente definido «A Função administrativa compreende o conjunto de actos destinados à produção de bens e à prestação de serviços tendo em vista a satisfação das necessidades colectivas, função que é desempenhada essencialmente por pessoas colectivas públicas e, marginalmente, por pessoas colectivas privadas integradas na Administração Pública» (Ac. do T. de Conflitos de 2/10/2008, p. 12/08 – Relator Costa Reis)

- regulado por normas de direito administrativo. Por isso, cabe aos tribunais administrativos a competência material para conhecer, nomeadamente, de pedidos indemnizatórios formulados pelo autor, com vista ao ressarcimento de danos que alegue ter sofrido em resultado de conduta ilícita de uma pessoa colectiva de direito público, assumida no âmbito de tal relação e, portanto, actuando no exercício de autoridade. «À míngua de definição do conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração. Uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, a todos ou a alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada» (Ac. do T. de Conflitos de 20/09/2012, p.7/12 – Relator Pires Esteves)

Da análise dos pedidos formulados na acção, acima expostos, e das respectivas causas de pedir resulta que os AA accionam a responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo que colidiu com o corpo do A A…….., assumida pela R B…….. mediante contrato de seguro que celebrara com o proprietário desse veículo. Donde, na tese dos AA claramente, não se suscita a responsabilidade civil extracontratual de qualquer pessoa colectiva de direito público, não radicando os danos que, alegadamente, sofreram e que fundam os direitos que pretendem exercer, consistentes no ressarcimento de tais danos, em actos cometidos no exercício de funções públicas ou na prossecução de um interesse público. No mesmo sentido, numa acção com um enquadramento semelhante, o Ac. do T. de Conflitos de 30-10-2014 (p. 37/14 – Relator Madeira dos Santos): «Compete aos tribunais comuns o conhecimento da acção de indeminização dirigida contra uma seguradora pelos danos sofridos pelo autor num acidente de viação imputável ao condutor do veículo abrangido pelo contrato de seguro»

Portanto, no caso em concreto, a configuração da acção feita pelos AA mostra que não está em apreço uma questão emergente de uma relação jurídica administrativa, regulada por normas de direito administrativo, que atribuam prerrogativas de autoridade, mas, essencialmente, e apenas, uma questão de direito privado, em que se funda a obrigação de indemnizar solicitada.

III. Decisão

Nestes termos, decidimos o presente conflito negativo de jurisdição, atribuindo a competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto da acção, atinente aos pedidos formulados sob os n°s 1 a 3, aos tribunais judiciais, no caso, a Instância Local de Competência Genérica da Sertã.

Sem custas

Lisboa, 24 de Maio de 2017. - António Alexandre dos Reis (relator) - José Augusto Araújo Veloso - António Pedro de Lima Gonçalves - José Francisco Fonseca da Paz - Olindo dos Santos Geraldes - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.