Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:038/18
Data do Acordão:02/28/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:HÉLDER ALMEIDA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24277
Nº do Documento:SAC20190228038
Data de Entrada:07/23/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASCAIS, JUIZ 2 E O TAF DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3.
RECORRENTE: A……………..
RECORRIDO: CM DE CASCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: I - RELATÓRIO

1. A………., irresignado com a decisão da Câmara Municipal de Cascais, emitida a 13.12.2016, mediante a qual foi condenado em coima no montante de € 1.500,00, pela prática de contraordenação p. e p. pelo art. 98.º, n.º 4, do RJUE [aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dez., na redacção conferida pelo DL n.º 26/2010, de 30 de Março], consubstanciada em factos ocorridos a 3.04.2012 -, interpôs o competente recurso de impugnação.
2. O dito arguido levou a efeito essa interposição de recurso a 30.01.2017, junto da Câmara Municipal de Cascais, a qual, por despacho datado de 2.02.2017, o remeteu aos Serviços do Ministério Público do junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
3. Por decisão proferida em 22.02.2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra declarou-se incompetente em razão da matéria e, considerando competente para conhecer do predito recurso os tribunais comuns, em consonância determinou a remessa dos autos, após trânsito da respectiva decisão.
Sustentou o TAF de Sintra este seu negativo veredicto - para tanto louvando-se no voto de vencido exarado pelo Exm.º Conselheiro Leones Dantas, em sede do Processo deste Tribunal dos Conflitos n.º 28/17, no tocante ao Acórdão de 20.12.2017-, atendo-se à data em que os factos integrativos da refutada coima tiveram lugar, e assim defendendo dever ser esta data o elemento de conexão determinante da competência “ratione materiae” para o conhecimento do recurso em questão.
4. Distribuídos os autos ao Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 2, este, por sua vez, mediante despacho prolatado a 14.05.2018 declinou essa competência, apelando para tanto ao disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF] - aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fev., na redacção dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de Out.-, no sentido de que a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública, que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, passou a ser dos tribunais administrativos e fiscais, norma esta que, nos termos do art. 15.º, n.º 5, desse mesmo DL n.º 214-G/2015, entrou em vigor a 1 de Set. de 2016.
De tal sorte, e por isso que a decisão administrativa impugnada data de 13.02.216, tendo a respectiva impugnação ingressado em juízo no dia 30.01.2017, ou seja, em data posterior à entrada em vigor dessa nova redacção do art. 4.º n.º 1, daí esse afastamento de competência por parte do indigitado Juízo Criminal de Cascais.
5. Transitado em julgado este despacho, foi nos termos do art. 109.º e ss., do Cód. Proc. Civil, suscitado o vertente conflito negativo de jurisdição, na sequência do que a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta começou por emitir douto parecer, findo a propugnar a resolução de tal diferendo no sentido da atribuição da competência ao TAF de Sintra.
8. Dispensados que foram os vistos, mercê da simplicidade da questão em apreço- posto que com prévia distribuição do projecto de acórdão-, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A única questão a decidir no âmbito do presente conflito, como era já de perspectivar, face a tudo o que se deixa relatado, consiste, pois, em:
- saber qual a jurisdição materialmente competente para conhecer do recurso de impugnação de decisão por parte da Câmara Municipal de Cascais aplicadora de coima por violação de norma de direito administrativo relativa a matéria de cariz urbanístico.
Pois bem.
2. Sendo os factos a reter os que dimanam do antecedente Relatório, diremos, antes de mais, que essa avançada facilidade da decisão aqui a proferir emerge, não só do substracto fáctico-jurídico a considerar, mas também - e sobressalientemente -, da circunstância de este Tribunal dos Conflitos vir a decidir, “una voce sine discrepante”- excepção feita aos sucessivos doutos pronunciamentos, de adverso pendor, levados a efeito, nos termos acima já mencionados, pelo Exmº Conselheiro Leones Dantas -, no sentido de que é a data em que os autos de recurso de contra-ordenação são apresentados no tribunal pelo M.º P.º, nos termos do art. 62.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações [DL 433/82 de 27 de Out., alterado pelo DL 244/95, de 14 de Set. e pela Lei 109/2001, de 24 de Dez.], que marca o momento em que a competência se fixa.
Pelo que, caso tal apresentação ocorra - como no caso ora em foco - após 01.09.2016 - data esta em que, como retro explicitado sob l.4., entrou em vigor a nova redacção do art. 4º, nº1, alínea I), do ETAF, dada pelo DL n.º 214-G/2015 - -é aos tribunais da jurisdição administrativa que, portanto, cabe a competência material para apreciar o concernente recurso.
3. Nesta linha justamente se determinou, “i.a.”, o Acórdão deste Tribunal de 11.01.2018 Proferido com referência ao Conflito n.º 027/17.
, no qual, começando por se observar - e passamos a citar - que “[…] o legislador do DL nº 214-G/2015 nada disse quanto ao elemento de conexão operatório na fixação da competência material. Esse silêncio propicia um desencontro de opiniões - e os subsequentes conflitos - de modo que não surpreenderá que aquela data de 1/9/2016 surja futuramente reportada às datas de acontecimentos diversos e, «maxime», às seguintes: à da infracção, à do acto sancionatório, à do recurso de impugnação, à da entrada do recurso nos serviços do MºPº (art. 62º do DL n.º 433/82) ou, por último, à da apresentação, pelo MºPº, do processo de contra-ordenação (e do respetivo recurso) no tribunal que o julgará”, mais se aduz:
- “Busquemos, pois, o elemento decisivo para, face à sucessão da competência no tempo, se ativar o art. 4º, n.º 1, al.l), do ETAF.
«Ante omnia», é de assinalar a irrelevância da data da infração. Esta importa quando se visa determinar a competência dos tribunais em matéria penal (art. 32º, n.º 9, da CRP). Mas isso corresponde a uma das «garantias do processo criminal» («vide» a epígrafe desse art. 32º), não se justificando que essa específica cautela se estenda aos processos de contra-ordenação - cujos arguidos recebem, no n.º 10 do mesmo artigo, uma tutela mais ténue. Também não se vê por que motivo a competência material «in judicio» - para julgar os recursos interpostos nos processos de contra-ordenação - haveria de se reportar à data do ato punitivo ou à da interposição do recurso que o atacasse. Com efeito, a emissão da pronúncia sancionatória e o oferecimento do recurso ocorrem no âmbito da Administração; e não existe qualquer norma ou princípio jurídico donde flua uma vinculação da competência do tribunal a esses acontecimentos prévios. […] Em geral o art. 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/8) dispõe que a competência dos tribunais se fixa no momento em que a ação se propõe; e o art. 5º do ETAF diz basicamente o mesmo. Ora, nas causas regidas pejo processo civil (que abrangem as previstas no CPTA), o momento da propositura da causa está bem marcado: é o da entrada da petição na secretaria (art. 259º, n.º 1, do CPC) - facto iniciador da instância e que fixa, quase sempre irreversivelmente, a competência do tribunal. Esta regra - a de que a competência só verdadeiramente se determina, estabelece ou fixa com a entrada do feito em juízo - é corrente entre nós. E corresponde, aliás, à solução tradicional - «ubi acceptum est semel judicium, ibi et finem accipere debet». Na medida em que estabelece uma fixidez irreversível da competência, a regra tem por primordial função tornar irrelevantes, no processo em curso, quaisquer modificações ulteriores da lei nesse campo. Todavia, e embora voltada para a prevenção dessas hipotéticas alterações futuras, não deixa a regra de acessoriamente dizer algo quanto ao momento relevante para se determinar o «terminus a quo» da competência. Se esta se estabelece ou fixa num momento objetivo - o da propositura da causa «in judicio» - devemos logicamente ligar o início dessa competência, tida pela regra como perdurável no tempo, à mesma ocasião; pois dificilmente se compreenderia que a competência de um tribunal antecedesse o evento escolhido pela lei para a sua fixação.””
E assim se conclui: “Portanto, no caso «sub specie» e em todos os similares, o facto jurídico relevante para se aferir se a competência «ratione materiae» incumbe à jurisdição comum ou à administrativa há-de ser a data da entrada do processo impugnatório no tribunal.”
E ainda ponderando: “Mas há que resolver uma derradeira dúvida: se tal entrada é a ocorrida nos serviços do MºPº ou a que o MºPº subsequentemente promova - valendo esse seu acto «como acusação» - para afetar o processo à titularidade de um juiz.”; logo se acrescenta:
- “Ora, esta segunda alternativa é a correta. Só com aquela iniciativa do Mº Pº, que vale como acusação, ocorre algo assimilável à propositura da ação ou da causa - e já sabemos que este acontecimento é encarado pelas leis de organização judiciária como o que decisivamente marca a competência do tribunal. Aliás, só então se iniciará a instância do recurso - conceito que, embora sem consagração legal, é usado por comodidade no foro e normalmente com o sentido de que tal instância só deveras se abre com a chegada dos autos ao tribunal «ad quem».”
4. Aplicando todos estes doutos considerandos ao caso “sub judicio” - e, diga-se, não se nos afiguram quaisquer razões ou fundamentação outra para assim não proceder, tanto que, como aludido e ora se insiste, se perfilam nuclear expressão do entendimento uniformemente consagrado por este Tribunal de Conflitos Cfr., a título meramente exemplificativo, Ac.de 30.03.2017 – Conflito n.º 031/16; Ac. de 15.05.2017- Conflito n.º 028/17; Ac. de 1.06.2017- Conflito n.º 05/17; Ac. de 28.09.2017- Conflito n.º 026/17; Ac. de 9.11.2017- Conflito n.º 012/17; Ac. de 9.11.2017- Conflito n.º 022/17; Ac. de 9.11.2017- Conflito n.º 033/17; Ac. de 27.05.2018- Conflito n.º 022/18; e Ac. de 25.10.2018- Conflito n.º 025/17. - temos pois que, datando a remessa, por parte do M.º P.º, do recurso impugnatório da decisão da C. M. de Cascais, de momento [necessariamente] posterior a 2.02.2017, é o TAF de Sintra o competente em razão da matéria para conhecer de tal recurso.

Tudo visto, quadra-se, pois, rematar com a seguinte

III - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal dos Conflitos em resolver o presente conflito de jurisdição atribuindo a competência, em razão da matéria, para conhecer do recurso Judicial de impugnação da predita coima aplicada pela Câmara Municipal de Cascais ao arguido/recorrente, A………., ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Sem custas.
*

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019. – Hélder Alves de Almeida (relator) – António Bento São Pedro – Maria de Fátima Morais Gomes – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Nuno Manuel Pinto de Almeida – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.