Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:04/22
Data do Acordão:06/01/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
CONTRA-ORDENAÇÃO
ARMAZENAMENTO DE PRODUTOS DE PETRÓLEO
Sumário:Cabe à jurisdição comum a apreciação de contra-ordenação que não se integra no conceito respeitante a urbanismo, mas sim, na regulação das instalações e armazenamento de produtos petrolíferos e de postos de abastecimento, sendo que, neste caso, não existe expressa disposição em contrário, pelo que a impugnação deste ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF.
Nº Convencional:JSTA000P29496
Nº do Documento:SAC2022060104
Data de Entrada:02/09/2022
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO ESTE, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE BAIÃO E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL UO1
AUTOR: A…………
RÉU: MUNICÍPIO DE BAIÃO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 4/22

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A…………, identificado nos autos, é arguido em processo de contra-ordenação, tendo sido punido com uma coima de €500,00, acrescida da quantia de €25,50, a título de custas, pela violação do art. 5º, nº 1, alínea a) e nº 2 do DL nº 267/2002, de 26/11 (com a alteração introduzida pelo DL nº 389/2007, de 30/11, ilícito previsto e punido pelo art. 26º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal.
A referida coima foi aplicada por decisão do Vereador do Pelouro do Ambiente e Urbanismo da Câmara Municipal de Baião (por delegação de competências do Presidente da Câmara de 26.10.2017), no âmbito do processo de contra-ordenação nº 27/2018 (cfr. fls. 15 a 18)
Notificado da decisão final emitida no referido processo o arguido interpôs a respectiva impugnação judicial, tendo alegado a prescrição da coima (cfr. fls. 7).
Remetidos os autos ao Ministério Público da Comarca de Porto Este, Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de Baião este fez os autos presentes a esse Tribunal, nos termos do art. 62º, nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10 (cfr. fls. 2 a 4).

Por decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Baião - do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, em 17.09.2021, foi declarada a incompetência desse Tribunal, em razão da matéria, para apreciação dos recursos interpostos pelas arguidas, em síntese, face ao disposto no art. 4º, nº 1, al. l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), considerando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (cfr. fls. 36 e 37).
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Penafiel.

Por decisão de 02.11.2021, o TAF de Penafiel julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional,
Referindo, nomeadamente o seguinte: “Para fundamentar a decisão de aplicação da coima a Câmara Municipal de Baião refere que no dia 21/02/2018, a fiscalização municipal em deslocação à Rua ………, nº ………, Baião, verificou que o impugnante possuía no seu estabelecimento seis expositores de garrafas de gás, sendo dois de marca Galp, dois de marca Rubis e dois de marca Cepsa e que no local existiam trinta e cinco garrafas de gás, sem possuir licença para o efeito.
Isto posto, está em causa a impugnação jurisdicional de uma decisão sancionatória da Câmara Municipal de Baião.
Dispõe o artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF o seguinte:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(…)
i) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias.” (sublinhado nosso).
Ora, a posse de seis expositores de garrafas de gás no estabelecimento comercial do impugnante sem a respetiva licença municipal, constitutiva de contraordenação por violação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26/11, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 389/2007, de 30/11, conjugado com as disposições do RJUE, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação das instalações e armazenamento de produtos petrolíferos e de postos de abastecimento.
E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos.

Transitada esta decisão, a Sra. Juíza do TAF de Penafiel suscitou o conflito negativo de jurisdição entre aquele Tribunal e o Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo de Competência Genérica de Baião, ordenando que os autos fossem remetidos à Exma. Senhora Presidente do Tribunal dos Conflitos - despacho de 16.01.2022.
Remetido o processo a este Tribunal dos Conflitos foi dado cumprimento ao disposto no art. 11º, nº 3 da Lei nº 91/2019.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer em 06.04.2022, no sentido de que a competência para julgar a impugnação judicial da decisão punitiva em causa deverá ser atribuída aos Tribunais Comuns, conforme o entendimento expresso na decisão do TAF de Penafiel.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo de Competência Genérica de Baião e o TAF de Penafiel.
A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pelo arguido, na Câmara Municipal de Baião em 20.10.2020 e remetida pelo Ministério Público ao Tribunal em 22.06.2021, respeitante à aplicação de uma coima por violação do disposto no art. 5º, nº 1, alínea e) e nº 2 do DL nº 267/2002, de 26/11, alterado e republicado pelo DL 389/2007, de 30/11, constituindo uma contra-ordenação prevista no art. 26º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal.
Entendeu o Juízo de Competência Genérica de Baião que, face ao disposto no art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF, compete à jurisdição administrativa e fiscal conhecer da impugnação judicial em matéria de contra-ordenação por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Remetido o processo ao TAF de Penafiel este, por sua vez, considerou-se incompetente em razão da matéria, por entender que “a posse de seis expositores de garrafas de gás no estabelecimento comercial do impugnante sem a respetiva licença municipal, constitutiva de contraordenação por violação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26/11, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 389/2007, de 30/11, conjugado com as disposições do RJUE, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação das instalações e armazenamento de produtos petrolíferos e de postos de abastecimento.
E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos.
Seguiu, para tanto, o entendimento do Acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. nº 023/18 (disponível em www.dgsi.pt).

Vejamos.
Dispõe o art. 4º, nº 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL nº 114 /2019, de 12/09, que:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(…)
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (…);
Nos termos deste normativo o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Como se expendeu no Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18 (indicado na decisão do TAF), no qual estava em causa um concurso de infracções relativo à violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, quanto à opção legislativa relativa àquela alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»
Por sua vez, no Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 03.11.2020, Proc. nº 047/19 (no qual estava em causa uma contra-ordenação ambiental), expendeu-se o seguinte: “(…) o legislador previa, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, como aliás é timbre da jurisprudência do Tribunal dos Conflitos”. Ou seja, tratando-se, no caso concreto, de norma constitutiva da contra-ordenação que não se integra no conceito de matéria urbanística, antes constituindo uma contra-ordenação ambiental, cuja impugnação foi apresentada no Tribunal Judicial, está excluída do âmbito da citada alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF.
Com efeito, o direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos públicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (cfr. neste sentido o Ac. deste Tribunal de 21.03.2019, Proc. nº 037/18).
Ora, a mesma ordem de razões se verifica no caso presente, no qual está em causa uma contra-ordenação que consiste na posse de seis expositores de garrafas de gás no estabelecimento comercial do impugnante sem a respectiva licença municipal, prevista no DL nº 389/2007 – art. 5º, nº 1, al. a) e nº 2 e 26º, nº 1, de 30/11 -, que estabelece os procedimentos e as competências para efeitos de licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento de produtos de petróleo e de postos de abastecimento, conjugado com as disposições do RJUE.
O que significa que esta contra-ordenação não se integra no conceito respeitante a urbanismo, mas sim, na regulação das instalações e armazenamento de produtos petrolíferos e de postos de abastecimento, sendo que, neste caso, não existe expressa disposição em contrário, pelo que a impugnação deste ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF, cabendo, portanto, a sua apreciação à jurisdição comum (cfr., o Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 19.06.2019, Proc. 010/19).

Pelo exposto, acordam em julgar que a competência para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este - Juízo de Competência Genérica de Baião.
Sem custas.

Lisboa, 1 de Junho de 2022. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.