Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016/23
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos estes réus, sendo imputados aos primeiros a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, sendo o Fundo de Resolução demandado apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
Nº Convencional:JSTA000P31881
Nº do Documento:SAC20240207016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL CENTRAL CÍVEL DE PENAFIEL E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA UO 1
AUTOR: AA
RÉU: BANCO 1..., S.A., BANCO DE PORTUGAL, BANCO 2... S.A., FUNDO DE RESOLUÇÃO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral:
Conflito nº 16/23

Acordam no Tribunal dos Conflitos

AA, identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga acção administrativa contra Banco 1..., SA, [Banco 1...], Banco 2... SA [Banco 2...], FUNDO de RESOLUÇÃO [FdR] e BANCO de PORTUGAL [BP] pedindo a condenação solidária dos Réus a restituir-lhe “o montante de capital depositado - € 500.000,00 - acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento” e a pagar-lhe “a quantia de € 25.000,00, a título de dano não patrimonial”.
Em sede de contestação, o Réu Banco 2... excepcionou a incompetência material do Tribunal, quanto a si e quanto ao Réu Banco 1.... Por sua vez, o TAF de Braga suscitou oficiosamente a incompetência material do Tribunal quanto ao Réu FdR, fundamentando-se na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos a esse respeito. O Autor pugnou pela competência do Tribunal.
Em 08.03.2023 foi proferido despacho saneador a julgar materialmente incompetente o TAF de Braga – Juízo Administrativo Comum, para conhecer dos pedidos formulados pelo Autor contra os Réus Banco 1..., Banco 2... e FdR, absolvendo-os, em consequência, da instância e prosseguindo a instância entre o Autor e o Réu Banco de Portugal.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, em acórdão proferido em 14.07.2023, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
Na sequência desta decisão, o Autor interpôs recurso para este Tribunal dos Conflitos e alegou, formulando as seguintes conclusões:
a) Vem a presente recurso interposta do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte que confirmou o despacho saneador de proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou materialmente incompetente o Tribunal Administrativo – Juízo Administrativo Comum, para conhecer dos pedidos formulados pelo Autor contra os RR. Banco 1...), Banco 2... e o Fundo de Resolução, e, em consequência, absolveu-os da instância. Mais se declarando competente para conhecer dos pedidos contra o R. Banco de Portugal, ordenando o prosseguimento da instância, somente, entre o Autor e o réu Banco de Portugal.
b) Ambas aquelas decisões são erradas, padecendo de um manifesto de erro de direito.
c) Como resulta da decisão, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (no que é acompanhado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte), julgou-se materialmente incompetente, em razão da natureza ou qualidade das partes demandadas, tendo para o efeito referido que, “no que respeita ao Banco 1..., e como decorre da relação material controvertida, este atuou perante o Autor enquanto sociedade comercial, do setor bancário; não é pessoa coletiva de direito público, nem se encontrava a atuar ao abrigo de qualquer espécie de prerrogativa de poder público, sendo a relação estabelecida entre o Autor e o Banco 1..., do puro foro privado, assente no incumprimento de deveres de informação pré-contratual. Quanto ao réu Banco 2... considera que é demandado na qualidade de entidade que sucedeu nas obrigações do Banco 1...; trata-se, igualmente, de uma entidade privada, sem qualquer poder público. E quanto ao Fundo de Resolução, o que liga tal entidade a tudo isto é a alegação de que foi responsável único pela realização do capital do Banco 2... nenhum ato em concreto lhe sendo imputado a não ser aquela realização do capital.”
d) No caso dos autos, a natureza das relações estabelecidas e a matéria em causa determina a intervenção do tribunal administrativo. Aliás, contrariamente ao defendido no douto despacho saneador, sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Banco 2... uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.
e) Ademais, a competência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução estende-se aos demais Réus, Banco 1... e Banco 2... por aplicação da norma do art. 4º, nº 2 do ETAF, pois que o recorrente formulou na respectiva petição inicial um pedido de condenação solidária de todos os Réus e, nos termos da referida norma, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa.
f) Ou seja, de acordo com as regras do ETAF, compete à jurisdição administrativa o julgamento das causas em que o Estado seja parte, independentemente de a relação jurídica em litígio ser regulada pelo direito privado ou pelo direito administrativo.
g) Aliás, a consideração da competência, em razão da matéria, devendo aferir-se face à relação jurídica que se discute na acção, tal como desenhada pelo autor, atento o disposto no art. 4.º n.º 1, aI. g) do ETAF, determina competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar mesmo, a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer, consequentemente, por actos de gestão pública, quer por actos de gestão privada praticados no exercício da função pública, aliás como se expressa no Ac. STJ, de 25.6.2009, Proc. 1186/07.9TBVNO.C1.S1. dgsi.Net, a cuja fundamentação se adere integralmente.
h) De acordo com tais pressupostos, revela-se de perfeita adequação, perante o configurado nos autos, não estamos perante um caso de natureza meramente civilista, antes perante relações jurídicas complexas que envolvem entidades públicas e normas de direito administrativo.
i) O Fundo de Resolução é aqui demandado, não enquanto accionista, sendo certo que gozando o “Banco 2... S.A.” de personalidade jurídica mal se compreenderia que se demandasse o respectivo accionista, atento o disposto nos artigos 5.º e 271.º do Código das Sociedades Comerciais, mas justamente enquanto entidade, com autonomia financeira, receitas e património próprio para prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução.
j) Assim, ao ser demandado em regime de solidariedade com os demais Réus, terá necessariamente de ser apreciada a sua responsabilidade civil, sendo a exposta causa de pedir complexa, porquanto dirigida à celebração de contratos de natureza privada e à violação de normas jurídicas civis e administrativas, sendo o pedido indemnizatório fundado também quer em responsabilidade contratual quer extracontratual.
k) Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, a sua responsabilidade quedar-se-á pelo domínio extracontratual, visto que nenhum contrato celebrou com o Autor e sempre por violação de normas de direito administrativo.
l) Ora, sendo o Réu Fundo de Resolução uma pessoa de direito público, são os tribunais administrativos e fiscais os competentes para aferir de tal eventual responsabilidade [art.º 4.º, n.º 1, alínea g), do E.T.A.F.].
m) E sendo pedida indemnização a suportar solidariamente por todos os Réus, não existe forma de conhecer da responsabilidade dos demais. E mesmo que houvesse, ainda assim a causa de pedir estaria irremediavelmente ligada à interpretação e validade de normas de direito público para as quais não têm os tribunais comuns competência, contrariamente aos tribunais administrativos e fiscais [a coberto do art.º 4.º, n.º 2 do E.T.A.F.].
n) De todo o modo, e independente da qualificação que se desse à responsabilidade a imputar ao Fundo de Resolução, a sua suposta qualidade de “accionista único” do Banco 2... é uma qualidade que sempre lhe assistiria enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial.
o) Aliás, essa qualidade resulta do art. 145º-G/4 do RGICSF e do art. 4º do Anexo 1 da Medida de Resolução do Banco 1..., de 3 de Agosto de 2014, adoptada por acto administrativo da autoria do Banco de Portugal, sendo certo que a dotação de capital dos bancos de transição, como o Banco 2... pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização que lhe impõem normas de direito administrativo (o referido art. 145º-G/4 do RGICSF).
p) Não deriva essa capitalização do Banco 2... de qualquer acto voluntário de accionista praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do Código das Sociedades Comerciais.
q) Por esse motivo, o Fundo de Resolução não é, portanto, para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491º e 501º do CSC às sociedades com domínio total, accionista único do Banco 2... mas mero detentor do seu capital social.
r) Estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco de Portugal, através da realização do capital dos bancos de transição.
s) Aliás, toda a sua actividade e responsabilidades se encontram extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF, no referido art. 145º-G e nos subsequentes arts. 153º-B a 153º-U, bem como, ainda, na alínea c) do nº 1 e no nº 3 do art. 145º-B. Sendo todas estas normas, em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, bem como à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Resolução, manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disciplina de relações jurídico-administrativas em que simples particulares não podem estar constituídos, isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco de Portugal) e os bancos de transição.
t) Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do alegado direito de crédito do Autor, enquanto detentor do capital social do Banco 2... nas alíneas a) e f) do art. 4º, nº 1 do ETAF e, em todo o caso, sempre na respectiva alínea o) [também, na alínea f) do art. 2º, nº 2 do CPTA]».
u) Com efeito, da factualidade alegada pelo Autor na presente acção, para alicerçar o respectivo pedido, vemos, desde logo, que na mesma são demandados, em solidariedade todos os Réus - Banco 1..., Banco 2... o Fundo de Resolução e Banco de Portugal. Sendo que no caso do Fundo de Resolução, é pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que funciona junto do Banco de Portugal (art.º 153.º-B do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – R.G.I.C.S.F.). Regendo-se por normas de direito administrativo, foi criado para possibilitar ao Governo Português aplicar medidas de resolução em instituições sujeitas ao Banco de Portugal, nomeadamente de transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (art.º 145.º-E, n.º 1 do R.G.I.C.S.F.) e “tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas” (art.º 153.º-C do R.G.I.C.S.F.).
v) Tais medidas visam assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados (art.º 145.º-C, n.º 1 do R.G.I.C.S.F.).
w) Foi para zelar pelos sobreditos interesses públicos que o Banco de Portugal deliberou, em 13 de Agosto de 2014, aplicar a medida de resolução do “Banco 1..., S.A.” e a criação do “Banco 2... S.A.”.
x) Ainda que na petição inicial se alegue a demanda do Fundo de Resolução na qualidade de accionista único do “Banco 2... S.A.”, percebe-se que efectivamente, da causa de pedir ali exposta que os danos por si sofridos e peticionados advieram ou têm como causa directa a imposição determinada pelas ditas resoluções do Banco de Portugal de criação do Banco 2... e da não transferência dos passivos ou responsabilidades para este último.
y) Fazendo-se notar, igualmente, com adequação, perante o configurado nos autos, que de tudo resulta dispor o Tribunal “a quo” de competência em razão da matéria para apreciar o presente processo, circunstância que a pluralidade de Réus não impede, visto ser único o pedido formulado.
z) Assim, decidiram mal as instâncias ao entender que a incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução, Banco 1... e Banco 2... nos termos e com os fundamentos antes explicitados, pois por aplicação da norma do art. 4.º, nº 2 do ETAF, a situação processual a atender relativamente às entidades públicas demandadas estende-se às entidades privadas também demandadas, pois não se pode olvidar que o recorrente formulou na respectiva petição inicial um pedido de condenação solidária de todos os Réus e, nos termos da referida norma, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto. Ademais, o art. 4º, nº 2 do ETAF é claro: a competência, nesse caso, dos tribunais administrativos estende-se a todos os pedidos.
aa) Pelo que, a conclusão que as instâncias extraíram e na qual, outrossim, fundamentaram o seu juízo para determinar a incompetência material do Tribunal, por referência quer à causa de pedir quer ao pedido, é claramente violadora do princípio do dispositivo, enquanto princípio basilar relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento.
bb) E de acordo com disposto no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF, pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos, o que transporta obrigatoriamente para o âmbito da competência exclusiva destes tribunais o conhecimento do mérito da causa.
cc) Acresce ainda que, a acção destinada a efetivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo" (art. 1º, nº 2). E sempre que essas pessoas devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada uma vez que o artº 4º nº 1 f) do ETAF é de natureza imperativa.
dd) Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do alegado direito de crédito do Autor, enquanto detentor do capital social do Banco 2... nas alíneas a) e f) do art. 4º, nº 1 do ETAF e, sempre, na respectiva alínea o) como, também, na alínea f) do art. 2º, nº 2 do CPTA.
ee) Sem prescindir, resulta da decisão, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (no que é acompanhado pela decisão recorrida) se declarou materialmente incompetente para conhecer da matéria quanto aos RR. Banco 1..., Banco 2... e Fundo de Resolução, mas competente para conhecer da matéria quanto ao Banco de Portugal. Ora, esta dicotomia é inaceitável e carece de fundamento, pois não se compreende que o Tribunal se declare materialmente incompetente quanto a uns RR. e competente quanto a outro, devendo no caso concreto, a competência material do Tribunal ser aferida em razão da matéria em discussão e da unicidade do pedido de condenação solidária formulado quanto a todos, que implica e determina o conhecimento em conjunto de tudo quanto a todos e não afastar o conhecimento da matéria em face da qualidade dos intervenientes, viabilizando e concretizando uma separação do processo, quando a autonomia das partes quanto ao pedido não resulta dos autos. Aliás, a situação ou decisão resultante do despacho, levaria a uma situação processual pouco ou nada sensata, podendo ocorrer a existência de processos pendentes em diversos tribunais sobre a mesma matéria e cuja intervenção de todas aquelas partes é essencial, atenta a relação estabelecida entre todos e que constitui a causa da sua demanda.
ff) Assim, a jurisdição administrativa deve ser considerada materialmente competente para julgar a presente ação quanto a todos os Réus.
gg) O Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto no artº 4, nº 1, alíneas a) e f) e nº 2 do ETAF e nos artº 2º, nº 2, alíneas f) e o), do CPTA.

Recebidos os autos neste Tribunal dos Conflitos, a Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da atribuição da competência material à jurisdição comum.

Cumpre decidir.
A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se apenas a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 07.06.2018, Conflito nº 061/17, de 23.05.2019, Conflito n° 039/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 031/18 e 046/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito nº 059/19, de 02.03.2021, Conflito nº 060/19, de 08.07.2021, Conflito nº 057/19, de 19.01.2022, Conflitos nºs 026/21 e 030/21, de 08.11.2022, Conflito nº 017/22 e de 05.07.2023, Conflito nº 05/23].
Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remeteremos para o que se escreveu no Conflito nº 046/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (Banco 2... SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (Banco 1... SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1º dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
Ora, relativamente às entidades públicas BdP e CMVM, dada a configuração da acção feita pelo autor, suscita-se, claramente, a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, radicando os danos que, alegadamente, o mesmo sofreu, e que fundam os direitos que pretende exercer - consistentes no ressarcimento de tais danos – em actos cometidos no exercício de funções públicas ou na prossecução de um interesse público, uma vez que, sem a invocação de qualquer relação contratual com eles estabelecida se fundamentam na falta de cumprimento dos deveres - essencialmente de supervisão - que sobre eles impendiam tendo em conta as funções determinadas pela lei.
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «Banco 2...» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao Banco 1... no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do Banco 2... - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4º do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
Resulta do que vem de se expor que, no presente conflito, deverá ser mantido o decidido pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte já que, sendo da competência material da jurisdição administrativa o conhecimento da acção relativamente ao Réu BdP, que não vem questionada e contra o qual a acção prosseguiu, não o é no que diz respeito aos demais réus – Banco 1..., Banco 2... e FdR -, por estar em causa relação jurídica de direito privado.
Pelo exposto, acordam em negar provimento recurso, confirmando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e, consequentemente, em atribuir a competência material aos tribunais judiciais para conhecer do objecto da acção proposta contra os Réus Banco 1..., Banco 2... e FdR.
Sem custas.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves.