Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:052/19
Data do Acordão:06/25/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26103
Nº do Documento:SAC20200625052
Data de Entrada:11/05/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DO PORTO ESTE - PENAFIEL - INST. CENTRAL - SECÇÃO DO TRABALHO - J3 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL
AUTOR: A…….
RÉU: B……., S.A. E OUTROS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 52/19


Acordam no Tribunal dos Conflitos:

I. Relatório
1. Nos autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada A…….. e entidades participadas a Câmara Municipal de Penafiel e C………, S.A., o Ministério Público suscitou a exceção da incompetência em razão da matéria da Instância Central, Secção do Trabalho, da Comarca do Porto Este, requerendo que se absolva as entidades participadas da instância, alegando que a relação contratual entre a sinistrada, por um lado, e a Câmara Municipal de Penafiel e o IEFP, por outro, não é um contrato de trabalho e que, por isso, o acidente que vitimou a sinistrada não pode ser qualificado como acidente de trabalho.
2. A Instância Central - Secção do Trabalho - Penafiel - da Comarca do Porto Este, considerando que:
Tinha sido celebrado “um contrato do IEFP, de Emprego – Inserção… intitulado de Contrato Emprego – Inserção + Celebrado no âmbito da Medida Contrato Emprego – Inserção + Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção”;
Contrato de emprego - inserção celebrado entre o Município de Penafiel e a referida A……….., contrato que é regulado pela Portaria n.° 128/2003, de 30/01, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 164/2011, de 18/04;
O contrato de emprego-inserção não se confunde com a noção de contrato de trabalho, por lhe faltar os elementos caracterizadores deste tipo contratual, sequer pode ser havido como contrato equiparado ao contrato de trabalho.

Conclui que se verificava a exceção da incompetência, em razão da matéria, da Instância Central, Secção do Trabalho, da Comarca do Porto Este, “para conhecer do acidente participado...” e absolveu “as entidades participadas da presente instância, determinando, após trânsito, o arquivamento dos presentes autos”.
3. A………. intentou ação administrativa contra C…….., S.A., Câmara Municipal de Penafiel, Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P., alegando que:
Celebrou com a Ré “Câmara Municipal de Penafiel” um contrato denominado “Emprego-Inserção+, no âmbito das medidas Contrato – Emprego-Inserção+ para desempregados beneficiários do Rendimento Social de Inserção;
Enquanto trabalhava ao abrigo do citado contrato, a Autora sofreu um acidente que lhe causou prejuízos, cujo pagamento agora reclama.
4. O Tribunal Administrativo de Círculo de Penafiel julgou “verificada a excepção dilatória de incompetência, absoluta, em razão da matéria do Tribunal...., absolvendo-se os Réus da instância.”
Tendo proferido, de seguida, o seguinte despacho:
Estando-se em presença de um conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este - Penafiel - Inst. Central - secção do trabalho - J3 e o Tribunal Administrativo de Círculo de Penafiel, por ambos os tribunais denegarem a competência e atribuírem reciprocamente competência para o julgamento da presente acção e, ainda, atento o disposto no art.109° n° 2 e 111º n°1 e 3 do CPC, suscita-se o conflito de jurisdição ao Tribunal de Conflitos cujo processo de resolução de conflitos deverá correr nos próprios autos por ser negativo, com tramitação urgente.
Nesta conformidade, remetam-se os presentes autos ao Tribunal de Conflitos”.
5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal dos Conflitos emitiu parecer no sentido de o conflito negativo de jurisdição dever ser dirimido com a atribuição da competência aos tribunais judiciais.
6. Cumpre apreciar e decidir.
II. Delimitação do objeto
A questão a decidir consiste em saber a que jurisdição deve ser deferida a competência para apreciar e julgar o litígio dos autos, se à jurisdição comum ou se à jurisdição administrativa.


III. Fundamentação
1. Factualismo processual relevante
1.1. O Município de Penafiel e A………… celebraram o acordo constante de fls.12/16 destes autos, que denominaram “Contrato Emprego-Inserção+, celebrado no âmbito da Medida Contrato Emprego - inserção+, Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção”, “reguladas pela Portaria n.° 128/2009, de 30 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.° 164/2011, de 18 de Abril”.
1.2. Em 9/04/2015, enquanto exercia funções nas áreas de limpeza e conservação de espaços públicos da execução do projeto de trabalho socialmente necessário para a Câmara Municipal de Penafiel, no âmbito do acordo referido em 1.1., A…….. sofreu um acidente.
2. Apreciação
Prescreve o artigo 209.° da Constituição da República Portuguesa: «1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas.»
Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada ou de competência genérica, enquanto os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 208).
Quer isto significar que todas as ações, que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais (hoc sensu), cabem na esfera (geral) da competência indiscriminada dos tribunais judiciais (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, loc. cit., pág. 209).
É o que resulta, justamente, do disposto no artigo 211.º, n.° 1, da CRP, que prevê: «1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. 2. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.» e, na lei ordinária, no disposto nos artigos 64.° do Código de Processo Civil e 40°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.° 62/2013, de 13 de janeiro, e alterada pela Lei n° 40-A/2016, de 22 de dezembro.
Dentro da vasta categoria dos tribunais judiciais ou juízos dos tribunais de comarca (cfr. artigo 40°, n° 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, na redação dada pela Lei n°40-A/2016, de 22 de dezembro), a lei distingue entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada ou juízos de competência especializada (artigo 80°, n°2, da LOSJ), e, nestes, os juízos (central e local) cíveis e criminais, Instrução Criminal, Família e Menores e Trabalho (artigo 81º, n° 3, da LOSJ)
A par da ordem dos tribunais judiciais, conta-se com a ordem dos tribunais administrativos e fiscais.
Por efeito de aplicação do apontado critério de atribuição de competência residual ou negativa, apenas e só no caso de a competência para apreciar e julgar a presente ação não se encontrar especificamente atribuída à jurisdição administrativa, será a jurisdição comum a competente para tanto.
A circunscrição das jurisdições, correspondentes aos tribunais judiciais, por um lado, e aos tribunais administrativos e fiscais, por outro lado, implica a apreciação das concernentes áreas de competência, constituindo um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão (ou questões) de mérito, aferindo-se pela forma como o autor configura a ação, e definindo-se pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes.
Para esse fim, atender-se-á aos termos em que foi proposta a ação, seja quanto aos seus elementos objetivos - natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou ato de onde teria resultado esse direito, etc. - seja quanto aos seus elementos subjetivos — identidade das partes.
É pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário segundo o qual a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respetivos fundamentos (causa de pedir).
Deverá atender-se ao pedido e, especialmente, à causa de pedir formulados pelo autor, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante ou, nas palavras de Alberto dos Reis, é por esta forma que se caracteriza o “modo de ser da lide” (José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, I, Coimbra Editora, 1944, p. 110; no mesmo sentido Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pág. 91).
A competência do tribunal em razão da matéria é fixada, deste modo, em função dos termos em que a ação é proposta, ou seja, pelo modo como o autor estrutura a causa, sem que para esse efeito releve a prognose acerca do êxito da ação ou seja lícita qualquer indagação incidindo sobre o respetivo mérito.
Na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos encontramos este entendimento vertido nos seguintes arestos, todos com publicação nas bases de dados do IGFEJ: 06/02, de 05/02/2003; 22/03, de 04/03/2004; 13/05, de 19/01/2006; 06/05, de 26/04/2006; 25/10, de 29/03/2011; 19/14, de 21/01/2015; 08/14, de 01/10/2015.

A questão suscitada nos presentes autos (competência dos tribunais em razão da matéria quando está em causa acidente sofrido no âmbito de um contrato Emprego- Inserção +) já foi apreciada pelo Tribunal dos Conflitos, por diversas vezes, sendo uniforme a posição assumida.
- cfr. Acórdãos do Tribunal dos Conflitos, de 19/10/2017, 25/01/2018, 31/01/2019, 28/02/2019, 30/01/2020, consultáveis em www.dgsi.pt-

Como consta dos factos provados foi celebrado um contrato Emprego – Inserção entre o Município de Penafiel e A…………, tendo esta sofrido um acidente, em 9/04/2015, e quando exercia funções nas áreas de limpeza e conservação de espaços públicos da execução do projeto de trabalho socialmente necessário para a Câmara Municipal de Penafiel.
Isto é, a sinistrada A……… tinha celebrado com o Município de Penafiel um denominado contrato “Emprego-inserção+ para desempregados beneficiários do Rendimento Social de Inserção, estando obrigada a prestar trabalho socialmente necessário, na área da limpeza e conservação dos espaços públicos (cfr. fls.12/16, e cláusula 1ª do contrato).
Como se afirma no Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 25 de janeiro de 2018, que se seguirá de perto, atenta a similitude das duas situações, “o contrato emprego-inserção+ consubstancia um instrumento de contratação de natureza temporária na Administração Pública”
E, no caso presente, contrato celebrado com uma autarquia local enquanto entidade empregadora, tratando-se de um contrato celebrado no perímetro do Estado, sendo que o trabalhador é enquadrável no sector público (cfr. artigo 19.° da LOE 2006) ou que trabalha em funções públicas (ver Resolução do Conselho de Ministros n° 32/2017, relativa à promoção do emprego e o combate à precariedade laboral), com base em legislação relacionada com políticas públicas.
A trabalhadora, quando se encontrava a trabalhar ao serviço do Município de Penafiel, sofreu um acidente.
Este acidente pode ser considerado, por ter ocorrido no exercício de uma atividade ao serviço de uma pessoa coletiva pública, um acidente de trabalho na Administração Pública, mas não se pode afirmar a existência de trabalho em funções públicas em sentido próprio, pois dos contratos emprego-inserção+ não decorre um vínculo de emprego público.
Nos termos do artigo 5.º, n°1, alínea b) da Portaria n.° 128/2009, de 30 de janeiro (na redação que lhe foi dada pela Portaria n.° 164/2011, de 18 de abril), os contratos emprego-inserção e emprego-inserção+, tendo por objeto o desenvolvimento de trabalho socialmente necessário, não visam a ocupação de postos de trabalho pelo que o contrato no âmbito do qual as mesmas se desenvolvem não pode ser considerado em funções públicas.
- cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 30 de janeiro de 2020 –

Por sua vez, dispõe o artigo 6.° da LGTFP que o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviços, nos termos da presente lei (n.°1), sendo que o vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.
O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades:
a) Contrato de trabalho em funções públicas;
b) Nomeação;
c) Comissão de serviço.
Por sua vez, o artigo 10º prescreve que o contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho (n.°1).
O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades:
a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;
b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
(n.°2)
O Decreto- Lei n.° 503/99 de 20 de novembro determina no seu artigo 2.° que:
O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado (n.°1).
O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos Tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes (n°2)
O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior (n.°3)
Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/2003, de 27 de agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código (n.°4)
O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de proteção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social (n°5)
As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho (n.°6).

Ora, o trabalhador que celebrou com uma autarquia local um contrato emprego inserção+ não está contemplado em nenhuma das situações previstas no citado artigo 2°.

Por sua vez, a Lei n.° 98/2009, de 4 de setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais) prevê, no seu artigo 3.° que:
o regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos (n.°1)
quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços (n.°2)
para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador (n.° 3).

Ora, o contrato celebrado reúne características próprias de um contrato de trabalho, desde logo os seus elementos caracterizadores (bilateralidade, prestação de uma atividade por banda do trabalhador, mediante retribuição, em regime de subordinação) e de uma ação de formação/capacitação que se manifesta na sua precariedade, regime remuneratório, bem como na sua finalidade mediata, que se alcança através da associação do contrato a uma política de segurança social orientada para a qualificação e empregabilidade.
Em todo o caso, o que sobressai nessa relação jurídica atípica e complexa são os elementos caracterizadores do contrato de trabalho, tal como definidos pelo artigo 11º do Código de Trabalho (contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas), bem como a quase totalidade das características que, segundo o artigo 12.° do mesmo diploma, fazem presumir a existência desse contrato:
- A atividade do trabalhador realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
- Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencentes ao beneficiário da atividade;
- Horário de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
- Pagamento, com periodicidade determinada ao prestador da atividade, de quantia certa como contrapartida da mesma.

À caraterização como contrato de trabalho não obsta o facto de o trabalhador não ocupar um posto de trabalho e auferir uma bolsa e não um salário. Com efeito o trabalhador obriga-se a prestar uma atividade a outra pessoa, sob a autoridade desta, como é próprio do contrato de trabalho. “Posto de trabalho” é um conceito de gestão organizacional, representando o seu conjunto a dimensão ideal de um serviço ou de uma empresa, não significando que o trabalhador que integra os quadros de uma empresa ocupando um determinado posto de trabalho tenha uma prestação diferente daquele que preste serviço em tarefas ocasionais, sazonais ou que não correspondem ao tipo de trabalho habitualmente prestado num serviço ou na organização em que participa.
Por outro lado, a prestação de uma atividade por conta de outrem tem como contrapartida, no conceito legal de contrato de trabalho, uma remuneração, a qual não tem uma designação única como salário. A bolsa é também um instrumento remuneratório e constitui contrapartida monetária da atividade prestada pelo trabalhador, a par de outros componentes de natureza remuneratória, como os subsídios de alimentação e de transporte
- Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 30 de janeiro de 2020-

Em face do exposto, como se referiu no Acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 19/10/2017, em questão idêntica à dos presentes autos, que apesar o sinistrado se encontrar ao serviço de uma autarquia local, o sinistro dos autos não pode considerar-se um acidente em serviço, nos termos do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.
O acidente dos autos não pode considerar-se abrangido pelo Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública. Antes deve ser considerado um acidente de trabalho, nos termos da Lei n.° 98/2009.

Ora, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 4 do artigo 4.° do ETAF, estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.

Assim, tem de se concluir pela competência, em razão da matéria, dos Tribunais Judiciais.


IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes neste Tribunal dos Conflitos em decidir o presente conflito negativo de jurisdição, atribuindo a competência, em razão da matéria, para conhecer do objeto da ação aos Tribunais Judiciais.

Sem custas.

Lisboa, 25 de junho de 2020.
(Processado e integralmente revisto pelo relator que assina e rubrica as demais folhas)

Pedro de Lima Gonçalves
Nos termos do disposto no artigo 15ºA, do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que votam em conformidade os Senhores Juízes Conselheiros José Augusto Veloso, Rosa Tching, José Fonseca da Paz, António Pires da Graça e Carlos Carvalho.

Lisboa, 25 de junho de 2020. - António Pedro de Lima Gonçalves (relator) - José Augusto Araújo Veloso - Maria Rosa Oliveira Tching - José Francisco Fonseca da Paz - António Pires Henriques da Graça - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.