Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06/15
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
HOSPITAL.
SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE.
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00069669
Nº do Documento:SAC2016042106
Data de Entrada:01/21/2015
Recorrente:B.....- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A 1ª SECÇÃO CÍVEL DA INSTÂNCIA CENTRAL DO PORTO - J4 (ANTIGAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DO PORTO) E O TAF DO PORTO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO
Objecto:SENT TAF PORTO.
SENT VARA CÍVEL PORTO.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMNISTRATIVA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO.
Legislação Nacional:CONST76 ART209 ART211 ART212.
LOSJ ART40.
ETAF02 ART1 ART4 N1 I.
L 48/90 BASEXII.
DL 11/93.
DL 138/2013 ART2 N1 N2 N3.
L 27/2002 ART1 N2 ART2 N1 ART20 ART47 ART5 ART6 ART7 ART8.
L 67/2007 ART1 N5.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC02/10 DE 2010/09/28.; AC TCF PROC025/10 DE 2011/03/29.; AC TCF PROC09/10 DE 2011/03/02.; AC TCF PROC011/10 DE 2010/09/09.
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO Nº 06/15

Acordam no Tribunal de Conflitos

1. C…….., devidamente identificada nos autos, intentou no TAF do Porto, a presente acção administrativa comum contra (i) o Hospital da Prelada – Dr. Domingos Braga da Cruz, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porto e, contra (ii) D……., médico, pedindo a condenação solidária dos RR a pagarem-lhe a quantia de 1.191.950,00€ a título de indemnização devida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude da intervenção cirúrgica a que foi submetida.
Alega, em síntese, que sendo beneficiária do Serviço Nacional de Saúde, foi encaminhada através deste Serviço para o Hospital da Prelada, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porto, onde veio a ser submetida a cirurgia médica, presidida pelo médico D…….., ocorrida em 25/03/2010 com vista à remoção da diagnosticada hérnia discal em L5-S1 à direita, sendo que a referida intervenção cirúrgica lhe gerou parésia intestinal parcial e vesical, com anestesia perineal e diminuição da actividade motora do esfíncter anal, sofrendo ainda de dormência e dor no membro inferior direito.
Em representação do Hospital da Prelada, a Santa Casa da Misericórdia do Porto excepcionou a incompetência em razão da matéria do tribunal administrativo, alegando para o efeito que é uma instituição particular de solidariedade social, que celebrou um acordo com o Estado Português para a efectivação de direitos sociais e, que no caso, não se está perante o exercício da função administrativa, concluindo pela incompetência material da jurisdição administrativa e fiscal para conhecer do mérito da presente acção.
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No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferido despacho que declarou o tribunal incompetente em razão da matéria, por entender que no caso em apreço [acto médico] não se vislumbra uma relação jurídico-administrativa, nem à acção ou omissão de tais actos está outorgada, por via legislativa, a competência dos tribunais administrativos.
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Transitada em julgado esta decisão, foram os autos, a pedido da A., remetidos às Varas Cíveis do Porto, tendo aí sido proferido despacho que igualmente considerou a jurisdição comum incompetente para decidir do mérito dos presentes autos, argumentando-se que a intervenção da Ré Santa Casa da Misericórdia do Porto, que é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, desenha-se neste caso como uma actividade de serviço público que lhe é solicitada pelo Estado, pretendendo-se através dela garantir o acesso a cuidados de saúde, a diversos utentes do Serviço Nacional de Saúde, e deste modo, face ao disposto no artº 1º, nº 1, do ETAF a competência para decidir da questão nestes autos, pertence à jurisdição administrativa.
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A autora suscitou o presente conflito e os autos foram remetidos, pelo Juiz da Instância Central, 1ª Secção Cível, J4, ao Tribunal de Conflitos.
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Cumpre apreciar e decidir.
2. A factualidade com relevo para a resolução do conflito a decidir e que resulta dos autos, é a supra referida em sede de relatório.
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Estamos perante um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição comum, decisões que, mutuamente, declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.
O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.
Estabelecendo o artº 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (também o artº 64º do CPC).
Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Também o artº 1º, nº 1 do ETAF estatui que, “os tribunais administrativos e fiscais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.
A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.
A determinação do tribunal competente em razão de matéria, é aferida em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os respectivos fundamentos, ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial, atendendo-se ainda à identidade das partes, pretensão formulada e respectivos fundamentos, sendo, no entanto, nesta fase, indiferente o juízo de prognose acerca da viabilidade ou não da acção, face à sua configuração - cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28-09-2010, processo nº 2/10 de 29-03-2011, processo nº 2510, de 02-03-2011, processo 9/10 e de 09-09-2010, proc. 011/10.
É, pois, inequívoco que a competência é apreciada em função da causa de pedir e pedido, aferidos à data da propositura da acção, sendo que a cirurgia a que a autora foi submetida se realizou no âmbito do SNS [cfr. contrato programa celebrado em 21/05/2010 entre o Ministério da Saúde e o Hospital da Prelada, pertencente à Santa Casa da Misericórdia relativo aos cuidados de saúde aos utentes do SNS].
Vejamos, pois, a legislação em causa, designadamente a Lei nº 48/90 de 24/08 [Lei de Bases da Saúde] alterada pela Lei nº 27/2002 de 08/11, a qual aprovou o novo regime jurídico da gestão hospitalar e procedeu à primeira alteração da Lei nº 48/90.
Com vista à efectivação do direito à protecção da saúde, o Estado actua através de serviços próprios, celebra acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e fiscaliza a restante actividade privada na área da saúde.
O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde, o qual tem estatuto próprio aprovado pelo DL nº 11/93 de 15/01 e, por todas as entidades públicas que desenvolvem actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira prestação de todas ou de algumas daquelas actividades – Base XII da Lei de Bases da Saúde, Lei nº 48/90 de 24/08.
Consignou-se no despacho proferido na Instância Cível do Porto:

«Se o Serviço Nacional de Saúde abrange todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde e dispõe de estatuto próprio, é igualmente verdade que o Ministério da Saúde e as administrações regionais de saúde podem contratar com entidades privadas a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde sempre que tal se afigure vantajoso, nomeadamente face à consideração do binómio qualidade-custos e desde que esteja garantido o direito de acesso, pelo que a rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos privados com que sejam celebrados contratos – vide artigos 1º e 2º da Lei nº 27/2002 de 08/11 a qual aprovou o novo regime de gestão hospitalar e procedeu à primeira alteração à Lei nº 48/90 de 24/08.
No caso concreto das IPSS com fins em saúde, que é o caso da Santa Casa da Misericórdia, a “integração” vai ao ponto de se estabelecer que as mesmas ficam sujeitas, no que respeita às suas actividades de saúde, ao poder orientador e de inspecção dos serviços competentes do Ministério da Saúde, sem prejuízo da independência de gestão estabelecida na Constituição e na sua legislação própria.
E quanto ao estatuto do SNS urge assinalar:
O Estatuto aplica-se às instituições e serviços que constituem o Serviço Nacional de Saúde e às entidades particulares integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando articulados com o Serviço Nacional de saúde, o que implica que todas as regras aí definidas para as instituições do SNS acabam por ser extensíveis àquelas outras que hajam sido contratadas pelo Estado para prestação de cuidados de saúde aos utentes do SNS.
Acresce que a Portaria sem número de 1998, publicada no DR. II serie de 27/07/1988 [a qual aprovou o regulamento dos acordos a estabelecer entre as Administrações Regionais de Saúde e as Misericórdias e Outras Instituições Particulares de Solidariedade Social e que foi entretanto revogada pelo DL nº 138/2013 de 09/10] bem como o Protocolo de Cooperação entre o Ministério da Saúde e a União das Misericórdias Portuguesas de 2010 – junto a fls. 655 a 675 – densificam a integração destas entidades contratadas no quadro da prestação de cuidados de saúde aos utentes do SN (e o referido DL 138/2013 veio, inclusivamente, estabelecer ou clarificar que quando tal contratação seja assente num “acordo de cooperação” então daí decorre a integração de um estabelecimento de saúde pertencente às IPSS no SNS, o qual passa a assegurar as prestações de saúde nos termos dos demais estabelecimentos do SNS).
E do acordo de Cooperação de 2008 celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia do Porto e a ARSNorte, relativo ao Hospital da Prelada, o qual é referido no Contrato Programa 2010 junto nestes autos a fls. 655 a 675, resulta explicitamente que na decorrência do mesmo, o Hospital da Prelada é integrado na rede nacional de prestação de cuidados de saúde (claro está, no que respeita ao atendimento de utentes do SNS relativamente ás áreas de referenciação e acesso dos utentes do SNS para o Hospital da Prelada.
Ou seja, o utente do SNS, nada contrata com o Hospital da Prelada, antes aí acede aos cuidados de saúde publicamente financiados porque aí foi referenciado no âmbito do sistema público, como acederia num qualquer outro hospital do SNS caso para aí alternativamente tivesse sido referenciado.
Por outras palavras, quem recorre a um estabelecimento de saúde privado, que integra a rede nacional de prestação de cuidados de saúde, por via do SNS, tal como o fez a autora desta acção, fá-lo ao abrigo de uma relação jurídica administrativa de utente.
E no caso sub judice, surge-nos de um lado a autora, utente do Serviço Nacional de Saúde, que acedeu aos cuidados de saúde prestados no Hospital da Prelada, publicamente financiados, porque para aí foi referenciada no âmbito do sistema público de saúde. Do outro lado, surge-nos o réu, o Hospital da Prelada do Porto, estabelecimento pertencente á Santa Casa da Misericórdia do Porto, pessoa colectiva de direito privado, de utilidade pública – DL nº 460/77 de 07/02 - integrado no Serviço Nacional de Saúde, o qual realiza a importante função pública de promover e garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis. A promoção e a defesa da saúde pública são efectuadas através da actividade do Estado e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil ser associadas a esta actividade. A prestação dos cuidados de saúde é efectuada por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos (cfr. Lei nº 48/90 de 24/08 - Lei de Bases da Saúde – Base I).
A Santa Casa da Misericórdia é pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa. Está sujeita a tutela, exercida pelo membro do Governo que superintende na área da segurança social e no âmbito dos seus fins estatutários diz-se que desenvolve as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
Ora, neste contexto, achando-se em causa o eventual pagamento à autora de uma indemnização que será eventualmente devida por causa de acto médico a que foi submetida no estabelecimento da Ré e no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, é de concluir que o presente litígio se prende com a realização de tarefas de interesse público, emergindo de uma relação jurídico administrativa.
Com efeito, a intervenção da Ré Santa Casa da Misericórdia do Porto, que é sublinhe-se, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, desenha-se, neste caso, como uma actividade de serviço público, que lhe é solicitada pelo Estado, pretendendo-se através dela, garantir o acesso a cuidados de saúde, na área da reabilitação, a diversos cidadãos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Por esse motivo, a resolução deste litígio, face ao que se estatui no artº 1º, nº 1 do ETAF, deverá ser encontrada no âmbito da jurisdição administrativa, daí decorrendo a competência dos tribunais administrativos para conhecer da questão em discussão nestes autos.
Concluindo:
A Santa Casa da Misericórdia é pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa, incluindo-se entre os seus fins estatutários o desenvolvimento de actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas;
Um litígio relacionado com os prejuízos alegadamente sofridos por utente do Serviço Nacional de Saúde, decorrentes de acto médico praticado no âmbito do Serviço Nacional de Saúde em entidade privada que está integrada na rede do Serviço Nacional de Saúde através de contrato-programa celebrado com o Estado prende-se com a realização de tarefas de interesse público, emergindo de uma relação jurídico administrativa.
A competência para o conhecimento da respectiva acção pertence aos tribunais administrativos».
Cremos que o assim decidido é de manter, porque conforme à lei.
Na verdade, conforme resulta dos considerandos constantes das als. a) a c) do Contrato Programa celebrado entre o Ministério da Saúde e o Hospital da Prelada em 21/05/2010, foi em 24/10/2008 celebrado um Acordo de Cooperação entre o Ministério da Saúde e a Santa Casa da Misericórdia do Porto, de onde resulta que «Com a celebração do referido Acordo de Cooperação, o Hospital da Prelada continua a integrar a rede nacional de prestação de cuidados de saúde».
Ora, as formas de intervenção das Instituições Particulares de Solidariedade Social na actividade do Serviço Nacional de Saúde, encontram-se vertidas em diversos tipo de Acordos, como sejam, os Acordos de Cooperação, Acordos de Gestão e Convenções [cfr. artº 2º, nº 1 do DL nº 138/2013 de 09/10].
O Acordo de Cooperação celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia e o SNS, à data dos factos, distingue-se da Convenção na medida em que aquele visa a «integração de um estabelecimento de saúde pertencente à IPSS no SNS, o qual passa a assegurar as prestações de saúde nos termos dos demais estabelecimentos do SNS», enquanto a Convenção tem essencialmente por finalidade a «realização de prestações de saúde pelas IPSS aos utentes do SNS através de meios próprios e integração na rede nacional de prestação de cuidados, de acordo e nos termos do regime jurídico das convenções» - cfr. artº 2º, nºs 2 e 3 do DL nº 138/2013.
Por seu turno o Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, aprovado pela Lei nº 27/2002 de 08/11 dispõe no seu artº 1º, nº 2: «A rede de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, os estabelecimentos privados que prestam cuidados aos utentes do SNS nos termos de contratos celebrados ao abrigo do disposto no Capítulo IV e os profissionais com quem sejam celebradas convenções».
E no nº 1 do artº 2º do referido Regime Jurídico dispõe-se: «Os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir uma das seguintes figuras jurídicas: a) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial; b) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial; c) Sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos; d) Estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos com quem sejam celebrados contratos, nos termos do nº 2 do artigo anterior» - sub. nosso.
No que respeita ao regime a que estão sujeitos os estabelecimentos privados, estabelece o artº 20º [capítulo IV do RJGH]:
«1º. Os hospitais previstos na al. d) do nº 1 do artº 2º, regem-se:
a) No caso de revestirem a natureza de entidades privadas com fins lucrativos pelos respectivos estatutos e pelas disposições do Código das Sociedades Comerciais;
b) No caso de revestirem a natureza de entidades privadas sem fins lucrativos, pelo disposto nos respectivos diplomas orgânicos e subsidiariamente, pela lei geral aplicável;
2. O disposto no número anterior não prejudica o cumprimento das disposições gerais constantes do capítulo I»
Temos assim que as normas que constituem o capítulo I do RJGH, aplicáveis aos estabelecimentos privados são integradas por princípios gerais a observar na prestação dos cuidados de saúde (artº 4º), princípios específicos da gestão hospitalar (artº 5º) e pelo conjunto de normas que definem os poderes do Estado, exercidos pelo Ministério da Saúde, em relação aos hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde (artº 6º a 8º).
E da observação destas normas extrai-se que os hospitais que revistam a natureza de entidades privadas sem fins lucrativos, que estejam integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, por força de contratos celebrados ao abrigo do disposto no capítulo IV do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar, anexo à Lei nº 27/2002 de 02/11 têm a respectiva actividade disciplinada por um conjunto de regras que decorrem do facto da entidade privada ter sido chamada a desenvolver, em colaboração com o Estado, uma tarefa de interesse público.
Assim sendo e atendendo à narrativa dos factos constantes da causa de pedir, é óbvia a conclusão que os mesmos foram praticados no âmbito de uma relação jurídica de prestação de cuidados de saúde em que o hospital privado – Hospital da Prelada – em virtude do contrato celebrado com a Administração Regional de Saúde, tem a sua actividade disciplinada por normas de direito administrativo.
Deste modo, e atendo o disposto nos artºs 4º, nº 1, al. i) do ETAF e 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007 de 31/12 [que aprova o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas] a competência, em razão da matéria, para conhecer da presente acção pertence à jurisdição administrativa.
3. Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais administrativos.

Sem custas
Lisboa, 21 de Abril de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – João Moreira Camilo – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Orlando Viegas Martins Afonso – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – João Carlos Pires Trindade.