Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 07/19 |
Data do Acordão: | 06/19/2019 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | NUNO GOMES DA SILVA |
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P24697 |
Nº do Documento: | SAC2019061907 |
Data de Entrada: | 01/21/2019 |
Recorrente: | CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE PÓVOA DE BODIOSA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU - JUIZ 1 E O TAF DE VISEU |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito n.º 7/19 1. - O “Conselho Directivo dos Baldios de Póvoa de Bodiosa” intentou no Juízo Central Cível de Viseu - Juiz 1, da Comarca de Viseu, uma acção declarativa de condenação contra o “Conselho Directivo dos Baldios de Queirela”, e contra o “Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP”. 1.1 - Nela pediu: (transcrição): * 2. - O circunstancialismo relevante para o julgamento do presente conflito é o flui do relatório e que, em termos probatórios, se funda nas peças processuais constante das certidões juntas. * 3. - O art. 109º CPC (Na versão introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, aplicável aos autos, atento o disposto no art.º 5.º do mencionado diploma legal.) estabelece os pressupostos processuais acerca de um conflito de jurisdição. São estes: (i) a existência de duas decisões judiciais sobre a mesma questão e (i) que as duas decisões em causa sejam definitivas, ou seja, que tenham transitado em julgado. E que, no caso, inquestionavelmente se verificam dando origem a um conflito negativo cuja resolução está na determinação da competência para conhecer da acção proposta. * 4. - Constitui jurisprudência pacífica deste Tribunal de Conflitos, o entendimento de que, a competência, tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, se afere pelo pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, pela natureza da relação material em litígio, tal como configurada pelo autor (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos nos 01/08, 08/10, 21/10, 14/10, 37/13, 02/14, 19/14, 41/14, 53/14, 8/15 e 14/15 do Tribunal dos Conflitos, proferidos, respectivamente, a 21.05.2008, 09.06.2010, 25.11.2010,03.03.2011, 30.10.2013, 21.01.2015, 25.03.2015,13.11.2014, 25.03.2015, 25.06.2015 e 09.07.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.). Diz-se assim que a competência se determina pelo pedido do autor. A decisão sobre qual é o tribunal (jurisdição) competente deve ser feita de acordo com os termos da pretensão daquele, aí compreendidos os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão. (Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1963, pág. 89.). A competência do tribunal não depende, pois, da procedência da acção. É, antes, questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito/demérito da acção; a decidir, pois, apenas e só com base no concreto pedido e respectiva causa de pedir tal como foram deduzidos. Dito isto. * 5. - No caso em apreço, atendendo aos pedidos e à causa de pedir é claro que a pretensão do A. é a condenação a título principal dos RR no reconhecimento do direito de propriedade e posse sobre os prédios rústicos com os Artigos 4830.º, 4886.º, 5042.º, 5591.º e 11561.º, todos da freguesia de Bodiosa, da comunidade local de Póvoa de Bodiosa e, portanto, dos seus compartes e apenas destes [pedido formulado na aI. a)], decorrendo de tal declaração os demais pedidos formulados pelo A. Com efeito, os demais pedidos vêm no seguimento desta pretensão inicial de reconhecimento do direito de propriedade e surgem como consequência dela. Tais pedidos (que não o principal) são irrelevantes para a determinação da competente jurisdição. Está-se, pois, perante uma típica acção de reivindicação, aquela que «tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela»(Cfr Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. III, pag 100, anotação ao art. 1311º.). Uma acção de defesa de direitos reais que manifestamente transcende a competência dos tribunais administrativos, pois não estamos perante o exercício de quaisquer direitos e/ou deveres públicos. O que está em causa é, assim, uma matéria exclusivamente de direito privado, sendo o R. “Instituto da Conservação da Natureza e Florestas IP", apenas demandado como co-administrador do Baldio da Serra do Crasto e alegadamente por não ter respeitado o direito de propriedade do A .. Com efeito, a responsabilidade extracontratual que se pretende apurar não surge conectada com qualquer relação jurídica administrativa mas antes com uma relação de direito privado - existência de um direito de propriedade ou seu equivalente, pedido do seu reconhecimento, condenação à abstenção de quaisquer actos que obstem ao seu exercício e, finalmente, condenação a indemnizar pelos danos causados. O que não cabe em nenhuma das alíneas do nº 1, do art. 4º do ETAF, por isso havendo que concluir que a competência para dela conhecer cabe aos tribunais judiciais enquanto tribunais comuns com competência residual. No Tribunal de Conflitos a questão não suscita controvérsia (Cfr entre outros os Acórdãos de 2013.09.19, Proc. 32/13; 2013.12.18, Proc. 18/13; 2014.02.04, Proc. 04/14; 2014.06.19, Proc. 13/14; 2014.09.10, Proc. 16/14; 2014.10.30, Proc. 15/14; 2016.02.04, Proc. 46/15; 2016.03.10, Proc. 50/15; 2016.07.07, Proc. 48/15; 2017.05.24, Proc. 01/17; 2017.06.01, Proc. 02/16; 2018.09.27, Proc. 015/18. Todos disponíveis in www.dgsi.pt). Razão pela qual, face à normal autoridade das suas decisões e também face à lei, como se mencionará infra, o conflito seria, porventura, evitável. Refere-se no seu acórdão 2014.09.25 (Proc 27/14 in www.dgsi.pt) “(…) a relação jurídica em causa nos presentes autos não se enquadra no art. 1º, nº 1, ou em qualquer das als. do art. 4º, nº1, do ETAF, uma vez que as pretensões formuladas radicam no direito real de propriedade invocado pelo autor, sendo a questão da propriedade a questão prevalecente da relação jurídica destes autos, a competência material para decidir a presente acção cabe ao tribunal judicial e não a este tribunal administrativo e fiscal". Nos mesmos termos, no acórdão de 2015.04.22 (Proc 01/15), consignou-se: «Analisada, todavia, a estruturação da petição/pedido, na configuração dada à relação jurídica controvertida, constata-se que os AA visam primordialmente (seja, a título principal) a condenação dos RR - ... uma vez obrigados previamente a reconhecerem que aqueles são donos e legítimos possuidores da totalidade dos prédios identificados e que a sua detenção parcial pelos RR é ilegal, por falta de qualquer título que a legitime - ... a desocupar, esvaziar e restituir aos demandantes os ditos prédios, livres e desonerados de pessoas e bens e no estado em que se encontravam à data da sua ocupação. Apenas para a hipótese de a restituição não ser possível é que se pede, subsidiariamente, nas várias formulações sucedâneas, a condenação dos RR no pagamento do valor dos terrenos correspondente em dinheiro, para além dos juros legais, ou no justo valor, desde a reserva até à data e, acessoriamente, no pagamento de uma indemnização pela reserva e ocupação desde 1981-1982, e ainda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, mas tudo sempre... até à efectiva restituição do imóvel (Sublinhado nosso). (O cumulado pedido de indemnização por danos morais, comungando embora dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, não tem autonomia a se, antes se perfilando, na economia da acção, como um efeito da pretensa violação do direito de propriedade. Não se vê razão bastante para que não seja considerado no âmbito da mesma jurisdição comum, que é assim global. Tal circunstância irreleva, pois, em termos da determinação da competência material do Tribunal). Ante os factos essenciais que enformam a causa petendi e os pedidos principais/dominantes deduzidos pelos AA (de que tudo o mais depende, afinal), mostra-se delineada uma típica acção de reivindicação - art. 1311.º/l do Cód. Civil. (...) É perante esta equação que se determina, como se disse, a competência do Tribunal, sendo geralmente entendido e aceite que a tutela dos direitos correspondentes cabe na competência material dos Tribunais comuns”. Mais recentemente, no acórdão de 2018.12.13 (Proc 43/18, in www.dgsi.pt), decidiu-se: «A competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais, mesmo que cumulativamente se formule um pedido indemnizatório contra a entidade pública.» * 6. - Ainda que assim não fosse entendido, inevitavelmente se concluiria que a competência para conhecer da presente acção cabe ao tribunal comum. A Lei na 68/93, de 4 de Setembro (Lei dos Baldios), que vigorava à data da interposição da presente acção em juízo, continha norma específica atribuindo à jurisdição do tribunal comum competência para o conhecimento dos litígios atinentes aos terrenos baldios (que é, reafirma-se, objecto dos pedidos essenciais do A.). Dispunha o seu art. 32º, nº 1: "Cabe aos tribunais comuns territorialmente competentes conhecer dos litígios que, directa ou indirectamente, tenham por objecto terrenos baldios, designadamente os referentes ao domínio, à delimitação, à utilização, à ocupação ou apropriação e a contratos de arrendamento, de alienação e de cessão de exploração, bem como das deliberações, de acções ou de omissões dos seus órgãos contrárias à lei." * 7. - Eis porque, perante o exposto, resolvendo o presente conflito negativo de jurisdição, se decide atribuir a competência material para conhecer da acção ao Juízo Central Cível de Viseu - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu. Sem tributação (art. 96º do Dec. nº 19243, de 16.01.1931). Lisboa, 19 de Junho de 2019. – Nuno de Melo Gomes da Silva (relator) – António Bento São Pedro – Acácio Luís Jesus das Neves – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Manuel Tomé Soares Gomes – Jorge Artur Madeira dos Santos. |