Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:042/14
Data do Acordão:11/25/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:GREGÓRIO DE JESUS
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18295
Nº do Documento:SAC20141125042
Data de Entrada:07/21/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL E O TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES (1º JUÍZO CÍVEL) - AUTOR: A.......... - B...........
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos

1- RELATÓRIO

A ………….., SA., com sede na Rua de ………, nº…., ……….., requereu como injunção no Balcão Nacional de Injunções, e depois, como acção administrativa comum, na forma sumaríssima, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, contra B………….., residente na Rua…………, ……, ………, a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 241,91€, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, e em síntese, ser uma sociedade comercial anónima que se dedica ao serviço público de fornecimento de água e drenagem de águas residuais, tendo no exercício desta sua actividade prestado ao réu os serviços de instalação e ligação do contador à rede pública, bem como o fornecimento de água e drenagem de águas residuais.
O réu apesar de instado por diversas vezes não pagou a quantia em dívida.
Citado, o réu deduziu oposição excepcionando a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por caber à jurisdição administrativa a competência para apreciar a questão em litígio, e a prescrição do imputado débito, e, impugnando a prestação dos serviços, invocou nunca a autora lhe ter prestado qualquer serviço de abastecimento de água, inexistindo ligação do seu prédio à rede pública.
No despacho saneador de 28/05/13, prolatado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, foi julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria, por se considerar que a competência é dos tribunais comuns e, consequentemente, o réu foi absolvido da instância (fls. 26 a 28).
Em síntese, entendeu-se nessa decisão que não estava em causa “uma verdadeira situação fundada no exercício de poderes administrativos (prerrogativa de autoridade), pois não está aqui a ser discutida a possibilidade da Impetrante poder, ou não, cobrar uma determinada tarifa ao particular, mas antes uma relação contratual de fornecimento de água, que, (…) é um litígio privado resultante da cobrança de uma suposta dívida advinda de um contrato de fornecimento”.
Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Paredes, como requerido pela autora (art. 12.º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), foi, em 3/10/13, proferido despacho em que se declarou igualmente esse tribunal incompetente em razão da matéria e se absolveu o réu da instância (fls. 56 a 58).
Nele se sustentou que “a natureza da relação material em litígio não é manifestamente privada, porquanto balizada, em várias vertentes, por normas de direito público que lhe são impostas e a desenham, à luz do art. 4º, nº 1, al. f) do ETAF, sendo que é à jurisdição administrativa que cabe apreciar as questões relativas aos contratos a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo”.
Suscitada, oficiosamente (art. 111.º, nº1 do Novo Código de Processo Civil - doravante NCPC), a resolução do conflito, foram os autos com vista à Exma. Procuradora - Geral Adjunta no Tribunal da Relação do Porto que emitiu parecer no sentido de “os autos serem remetidos ao Excelentíssimo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para resolução, pelo Tribunal de Conflitos, do presente conflito negativo de jurisdição” (fls. 68).
Remetidos de imediato a este Tribunal de Conflitos, o Exmo Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, a fls. 81, emitiu douto Parecer no sentido de ser atribuída a competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO


DE FACTO

Factualmente releva o que se mencionou no antecedente Relatório.

DE DIREITO

A questão essencial decidenda é a de saber qual é o tribunal materialmente competente para conhecer do pedido de condenação em causa.
Considerando que o que está em causa é o confronto entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais da ordem administrativa vejamos qual é o âmbito da competência dos tribunais desta última ordem.
O artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), diz, relativamente à jurisdição comum:
“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais”.
Trata-se da consagração do princípio da competência residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as matérias que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.
Em consonância, o artigo 64.º do NCPC confirma que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, formulação reafirmada no art. 40.º, nº 1 da Lei nº 62/2013 de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Por sua vez, o artigo 212.º da CRP, no seu nº 3, quanto à ordem administrativa refere:
“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Conforme estatui o art.1º, nº 1 do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17/02: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.
Depois, no art. 4.º enunciam-se, exemplificativamente, questões ou litígios sujeitos ou excluídos do foro administrativo. Nomeadamente, no que aqui importa, dispõe-se no nº 1, al. f), competir aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.
Ora, acontece que a questão sob análise não é nova, tem merecido por parte deste Tribunal recorrentes, e recentes, decisões, de molde a poder afirmar-se, com ressalva do Acórdão de 21/01/14, no Proc. nº 044/13 (Consultável na base de dados do IGFEJ, no qual o ora relator integrou a maioria que fez vencimento, mas aqui revê aquela sua posição face à posterior uniformidade jurisprudencial de vencimento contrário.), a constituição de uma jurisprudência que se vem consolidando tendencialmente unânime no sentido da atribuição da competência à jurisdição fiscal (Vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos de 19/06/14, Proc. n º 022/14 e de 5/06/14, Proc. nº 023/14, disponíveis no IGFEJ, e o elenco de decisões neles mencionadas.). Porque dela constitui mais recente paradigma o Acórdão de 26/06/14, no Proc. nº 021/14, disponível na base de dados do IGFEJ, tendo como intérprete precisamente a mesma autora, dele se passa a transcrever, com devida vénia, o que de mais relevante se afirma neste âmbito:
“Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 26º da Lei 159/99, de 14.09, “é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios: a) sistemas municipais de abastecimento de água”.
A exploração e gestão deste sistema podem ser atribuídas em regime de concessão a uma entidade privada de natureza empresarial - cfr. artigo 6º do Decreto-lei 379/93, de 05.11.
E nos termos do disposto no nº 2 do artigo 13º deste Decreto Lei, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem o direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização (...)” .
No caso concreto em apreço, a autora é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Paredes e nessa medida, atua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área.
Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.
Concluímos e tendo em atenção ao disposto na alínea f) do nº1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais acima mencionado, que a presente ação é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, assumindo a natureza de uma questão de natureza fiscal.”.
Por todo o exposto, toma-se despicienda a tecitura de qualquer outro argumentário, e no acatamento desta jurisprudência firmada neste Tribunal, para salvaguarda da segurança jurídica das decisões judiciais, do princípio da igualdade, e da imagem externa do sistema judiciário, está excluída a competência da jurisdição comum.

III DECISÃO

Nestes termos, decide-se considerar competente para apreciar o pedido em causa a jurisdição fiscal, atento o disposto no artigo 49.º, n.º 1, al. c), do ETAF.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2014. - Gregório Eduardo Simões da Silva Jesus (Relator) - José Francisco Fonseca da Paz - Hélder João Martins Nogueira Roque - Vitor Manuel Gonçalves Gomes - Manuel Augusto Fernandes da Silva (revendo posição anterior) - Alberto Augusto Andrade de Oliveira.