Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:047/15
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MANUEL BRAZ
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
IMPUGNAÇÃO DE NORMAS.
PROCESSO CAUTELAR
Sumário:Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham como pedido principal a declaração de ilegalidade de normas de um regulamento municipal de utilização de zonas de estacionamento de duração limitada, ainda que o autor cumule o pedido de devolução das quantias que pagou em processo de contra-ordenação ao abrigo de tais normas.(*)
Nº Convencional:JSTA00069673
Nº do Documento:SAC20160421047
Data de Entrada:11/09/2015
Recorrente:A............ E OUTROS, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE BRAGA, BRAGA - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J3 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO.
Objecto:SENT TAF BRAGA.
SENT INSTÂNCIA LOCAL BRAGA.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO.
Legislação Nacional:CPTA ART114.
CPC ART111 ART109 ART110.
RGU UTILIZAÇÃO ZONAS ESTACIONAMENTO DURAÇÃO LIMITADA BRAGA ART9.
CE ART169.
ETAF02 ART4 N1 B.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:
1. A………… e B…………, C…………, R.L., requereram em 15/02/2015 ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga “providência cautelar conservatória para suspensão da eficácia de acto administrativo” contra o Presidente da Câmara Municipal de Braga e o Município de Braga.

Alegaram, em síntese:

-A Câmara Municipal de Braga aprovou em 14/06/2007 o Regulamento de Utilização de Zonas de Estacionamento de Duração Limitada, publicado através do Edital n° 233/2007.
-Ao abrigo desse Regulamento foram levantados autos de contra-ordenação contra os requerentes, por alegadamente veículos seus se encontrarem estacionados em zona de parque pago sem ter sido efectuado o respectivo pagamento, vindo a ser proferida decisão final pelo Vice-Presidente da Câmara, ao abrigo de uma competência delegada por despacho do Presidente, com condenação dos requerentes em coima.
-Sucede que esse Regulamento, atribuindo competência ao Presidente da Câmara Municipal para instauração e instrução dos processos de contra-ordenação e aplicação das coimas respectivas, designadamente o seu art° 9°, n°s 2 e 3, é ilegal, porquanto viola disposições legais imperativas constantes do Código da Estrada, nomeadamente a prevista no seu art° 169°, n°s 1 e 2, onde se estabelece que aquela competência pertence à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
-Em consequência, todos os actos de instrução e decisórios assim praticados pelo Presidente da Câmara ao abrigo dos n°s 2 e 3 do indicado Regulamento são nulos.

E terminaram pedindo:

a) A declaração de “ilegalidade dos n°s 2 e 3 do artigo 9° do Regulamento de Utilização de Zonas de Estacionamento de Duração Limitada, por violação de disposições imperativas”;
b) A condenação do Município de Braga “a devolver todas as quantias assim, indevidamente, arrecadadas”;
c) A declaração de nulidade de todos os actos de instrução e decisórios praticados pelo Presidente da Câmara Municipal de Braga, ao abrigo do referido preceito daquele Regulamento, por força do disposto no art° 133°, n° 2, alínea b), e 134° do CPA.

2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Unidade Orgânica 1, após a apresentação de contestação dos requeridos e resposta dos requerentes, notificou estes para juntarem “aos autos cópia do (s) acto (s) da Entidade Requerida, cuja suspensão de eficácia” requerem.

3. Na sequência dessa notificação, os requerentes, afirmando que juntavam “alguns dos actos administrativos — decisão — emitidos pela Entidade Requerida”, fizeram juntar ao processo cópia da decisão proferida pelo Vice-Presidente da Câmara de Braga, com competência delegada pelo Presidente, ao abrigo do art° 9° do mencionado Regulamento, em 29 autos de contra-ordenação, condenando em coima os requerentes.

4. Perante essa junção, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, Unidade Orgânica 1, por decisão de 29/07/2015, depois de considerar que os requerentes pretendem, “ao que parece, sem que de forma explícita o digam, a suspensão das decisões proferidas no âmbito dos processos contra-ordenacionais, cujas cópias juntaram, bem como a apreciação dos referidos actos nestes autos”, concluiu que, estando em causa matéria contra-ordenacional, a competência para conhecer da matéria pertence aos “tribunais comuns” e, em consequência, afirmando a incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal, absolveu os requeridos da instância.

5. Os requerentes, invocando o art° 114°, n° 2, do CPTA, na versão aplicável ao caso, requereram a remessa do processo “ao tribunal considerado competente — Tribunal comum da comarca de Braga”.
Remetido o processo ao “Tribunal Judicial da comarca de Braga”, veio a ser apresentado a juiz do Tribunal da comarca de Braga, instância local, secção cível.
Aí, o juiz, por decisão de 15/09/2015, considerando ser “manifesta a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento do mérito nesta acção, atentos os pedidos formulados, face ao teor das alíneas a), b) e c) do n° 1 do art. 4° do ETAF”, declarou esse tribunal judicial “materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado” pelos requerentes e absolveu os requeridos da instância.

6. Tendo ambas as decisões transitado em julgado, os requerentes suscitaram, nos termos do art° 111°, n° 2, do CPC a resolução do conflito negativo de jurisdição assim configurado entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, unidade orgânica 1, e o Tribunal da comarca de Braga, instância local, secção cível.

7. O procurador-geral-adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo, argumentando que “os pedidos formulados na petição inicial acabaram por se reduzir, na interpretação do TAF, aceite pelos requerentes e considerada pelo tribunal de comarca, ao pedido de suspensão dos actos proferidos nos processos por contra-ordenação para aplicação de coimas por estacionamento, instaurados com base no regulamento municipal de Braga, relativo à utilização de zonas de estacionamento de duração limitada controladas por meios mecânicos (parcómetros)” e que tal matéria se inclui na competência dos tribunais judiciais, foi de parecer que a competência para a decisão desta causa deve ser atribuída a esses tribunais.

8. Tendo dois tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes declinado, por decisões transitadas em julgado, o poder de conhecer da mesma questão, verifica-se um conflito de jurisdição, que cabe a este tribunal resolver, nos termos dos art°s 109°, nºs 1 e 3, e 110º do CPC.

9. A causa de pedir e os pedidos foram já indicados em 1. Alegando a ilegalidade do Regulamento de Utilização de Zonas de Estacionamento de Duração Limitada aprovado pela Câmara Municipal de Braga, mormente do seu art° 9°, nºs 2 e 3, este por atribuir ao Presidente da Câmara «a competência para determinar a instauração e instrução dos processos de contra-ordenação, bem como para a aplicação das respectivas coimas», com o poder de delegar no Vice-Presidente, sendo isso vedado pelo art° 169° do CE, os requerentes pediram: a) a declaração de ilegalidade daquelas disposições do dito Regulamento; b) a condenação do Município a devolver as quantias arrecadadas no âmbito dos autos de contra-ordenação instaurados e decididos ao abrigo das mesmas normas do Regulamento; c) a declaração de nulidade de todos os actos de instrução e decisórios praticados pelo Presidente da Câmara nos processos de contra-ordenação a coberto também dessas disposições do Regulamento.
E estas pretensões dos requerentes não foram por eles alteradas. Designadamente não teve esse alcance a junção de cópias das decisões de condenações em coima por eles sofridas em autos de contra-ordenação decididos pelo Vice-Presidente da Câmara, no uso dos poderes nele delegados pelo Presidente, ao abrigo do identificado Regulamento, cópias essas que os requerentes, como referiram, juntaram, não como actos “cuja suspensão de eficácia” requeriam, mas singelamente como “alguns dos actos administrativos – decisão – emitidos pela Entidade Requerida” (fls. 104).
A interpretação que o TAF fez desse acto não é cabida. E, ao contrário do afirmado pelo procurador-geral-adjunto, essa interpretação não foi “considerada” pelo tribunal judicial, que antes a repudiou, ao tomar como ponto de partida da sua argumentação os pedidos formulados pelos requerentes na petição inicial.
São, assim, os indicados, e não outros, os pedidos e a causa de pedir. O que os requerentes pretendem é a declaração de nulidade, por ilegalidade, dos nºs 2 e 3 do art° 9° do referido Regulamento e, por essa via, como decorrência da declaração de ilegalidade, a eliminação dos actos praticados ao abrigo desse diploma e das suas consequências danosas. Os requerentes não pretendem impugnar directamente, e enquanto tais, actos praticados pelo Presidente da Câmara no âmbito dos processos por contra-ordenação, o que até reconhecem, a fls. 89, não poderem fazer, visto as decisões que os condenaram no pagamento de coimas haverem transitado em julgado. A eliminação desses actos é para eles uma consequência necessária da declaração de ilegalidade das referidas normas do Regulamento.
Definido assim o litígio, como tem de ser, estando na base de tudo a alegação de ilegalidade de normas emanadas de Câmara Municipal, pessoa colectiva de direito público, deve concluir-se que a competência para a sua apreciação pertence aos tribunais administrativos, à luz do art° 4°, n° 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19 de Fevereiro: «Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal».

Decisão:
Em face do exposto, resolvendo o presente conflito de jurisdição, os juízes do Tribunal de Conflitos decidem declarar competentes para decidir a presente providência os tribunais administrativos.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Abril de 2016. – Manuel Joaquim Braz (relator) – Carlos Luís Medeiros de CarvalhoOrlando Viegas Martins AfonsoJosé Augusto Araújo VelosoIsabel Francisca Repsina Aleluia São MarcosJosé Francisco Fonseca da Paz.