Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:022/06
Data do Acordão:07/12/2007
Tribunal:CONFLITOS
Relator:GIL ROQUE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
BANCO DE PORTUGAL
CHEQUE
Sumário:Cabe aos tribunais administrativos e fiscais a competência para o conhecimento de providência cautelar em que são cumulados pedidos de ordenar a um requerido a entrega de um cheque, para ficar à ordem do tribunal, até que na acção própria seja anulado ou reduzido o negócio cartular a ele referente, que se ordene a um segundo requerido que se abstenha de rescindir a convenção do uso de cheque referente a conta do requerente e se ordene ao terceiro requerido, Banco de Portugal, que se abstenha de incluir o requerente em qualquer listagem de utilizadores de cheques que oferecem em riscos.
Nº Convencional:JSTA00064494
Nº do Documento:SAC20070712022
Data de Entrada:01/10/2007
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A 11ª VARA CÍVEL DE LISBOA E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS E O TAF
Recorrido 1:*
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC.
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC RL.
Decisão:DECL COMPETENTE TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPC96 ART66 ART83 N1 C ART97 N1 N2 ART279 ART383 N1 ART389 N1 A ART498 N3 ART684 N3 ART 690 N1 N4.
CONST97 ART102 ART211 N1 ART212 N3 ART214.
LOFTJ99 ART18 N1 ART22 N1.
DL 337/90 DE 1990/10/30 ART1.
DL 316/97 DE1997/11/19 NA REDACÇÃO DO DL 323/2001 DE 2001/12/17 ART2 ART3.
DL 26/2004 DE 2004/02/04 ART1 N1.
CNOT95 ART1 N1.
CPPTRIB99 ART1 ART96 ART97 ART99 ART102 ART104.
DL 454/91 DE 1991/12/28 ART1 N1 ART2 A ART3 N1 E ART7.
LGT98 ART101.
ETAF02 ART4 N1 A I ART44 N1 ART49 N1 A I IV.
CPTA02 ART5 N2 ART113 ART223 N1 A.
Jurisprudência Nacional:AC CONFLITOS DE 1981/11/05 IN BMJ N311 PAG195.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1956 PAG88 PAG89 PAG91.
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG814.
MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10 ED PAG 1222.
VASCO SOARES DA VEIGA DIREITO BANCÁRIO PAG30 - PAG35.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:
I.
1. A…, propôs contra, B…, notária, BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. e BANCO DE PORTUGAL, procedimento cautelar comum, pedindo que se ordene à primeira que proceda à entrega do cheque que identifica, à ordem do Tribunal, até que na acção própria seja anulado ou reduzido o negócio cartular a ele referente, que se ordene ao segundo que se abstenha de rescindir a convenção do uso de cheque referente a conta da requerente e que se ordene ao terceiro que se abstenha de incluir a requerente em qualquer listagem de utilizadores de cheques que oferecem em riscos, com fundamento, em síntese: - que no dia 29/03/2005, no exercício da sua profissão, a requerente compareceu no cartório da primeira requerida, que é notária privada, a uma escritura de aumento de capital da sociedade C…;
- logo após a escritura a primeira requerida, nas suas funções de notária, cobrou a quantia de € 410.015,92, a título de imposto de selo e a quantia de € 500,00 a título de honorários, tendo emitido a respectiva factura recibo;
- a requerente, não se apercebendo do valor real da factura, porque em mais de cem escrituras em que antes interveio nunca lhe foi cobrado imposto de selo, assinou e entregou à notária o cheque n.° …, sobre o segundo requerido, nesse valor.
Só após sair do cartório se apercebeu do valor do cheque e do grave erro, pelo que contactou a notária informando-a de que se tratava de manifesto erro na liquidação do imposto de selo e que o cheque, nesse valor, não tinha provisão, solicitando que o mesmo não fosse apresentado a pagamento.
O imposto de selo liquidado pela notária não é devido.
Não obstante, a notária apresentou o cheque a pagamento e o segundo requerido já comunicou à requerente que tem de regularizar a situação até 09 de Maio de 2005 sob pena de inibição do uso de cheques e de inclusão na lista negra do terceiro requerido.
Citados os requeridos, deduziram oposição o terceiro e a primeira, deduzindo esta a excepção da incompetência do tribunal com fundamento em que exerce funções de natureza pública, embora em regime liberal, pelo que nos termos do disposto no art.° 4º, al. i) do ETAF é aos Tribunais Administrativos e Fiscais que compete a apreciação da matéria relativa à eventual responsabilidade civil extracontratual.
Também quanto ao imposto de selo liquidado, a competência para a impugnação desse acto notarial compete ao Tribunal Tributário.
Na sequência da referida tramitação processual, foi proferida decisão declarando o tribunal cível incompetente para conhecer do objecto da providência, considerando competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e absolvendo os requeridos da instância.
Dessa decisão, interpôs recurso a requerente, recebido como agravo, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que decida a providência requerida, mas sem êxito, uma vez que a Relação confirmou a sentença da 1ª instância.
2. Inconformada, veio a requerente recorrer do acórdão para o tribunal dos conflitos e foram apresentadas as alegações e contra alegações concluindo a recorrente nas suas pela forma seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão de 20/06/2006, a fls. “que julgou o Tribunal judicial incompetente em razão da matéria, por entender que a causa pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e, consequentemente, decidiu negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida, que havia absolvido os requeridos da instância.
2. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido faz uma errada interpretação e aplicação do direito, não sendo aplicável ao caso o disposto no art. 4°, n.º 1 alínea a) do ETAF.
3. Como é sabido, a competência do tribunal para conhecer a presente providência é deferida ao tribunal que tiver competência para conhecer da respectiva acção (art. 83°, al. c) do CPC): ora, é absurdo deferir ao Tribunal Tributário, na acção principal, o pedido de anulação de um cheque.
4. Todas as questões suscitadas convocam, cautelarmente, a aplicação de normas de direito privado, bem como direitos de personalidade e patrimoniais emergentes do direito civil e do regime jurídico do cheque, até que na acção principal seja anulado um cheque - art. 70°, n° 2 do Código Civil, da competência dos tribunais comuns.
5. A questão da ilegalidade do imposto do selo prende-se, é certo, com a relação jurídica subjacente ao cheque e, como tal, é apenas uma questão prejudicial, ocorrendo, nos termos do art. 97° do CPC, extensão da competência dos tribunais comuns competentes para a questão determinante (ou competência por conexão).
6. Para efeito de consideração da prejudicialidade justificativa da extensão da competência, “a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito”. - (cfr. Acs. STJ de 25/06/87, no Proc. 74893 da 2ª secção e de 29/09/93, no Proc. 84216 da 2ª secção).
7. Atento este critério, é inegável que a decisão que venha a ser proferida na acção fiscal (sobre o imposto que constitui a relação jurídica subjacente ao cheque) pode decisivamente influenciar a decisão que venha a ser exarada na acção principal (sobre a anulação do cheque propriamente dito) e, por isso, ocorre extensão de competência nos termos do art. 97° do CPC.
8. Sem conceder, mesmo que porventura assim não se entendesse, sempre estaríamos em presença de uma questão incidental, entendida em sentido amplo, na acepção do art. 96° do CPC.
9. Aos tribunais tributários só cabe o julgamento de litígios regulados pelo direito fiscal, em matéria tributária, daí que não são competentes, ao abrigo do art. 4°, n°1 alínea a) do ETAF, para pronunciar-se sobre o pedido de anulação de um cheque, e também por isso o acórdão recorrido sofre de erro.
10. Efectivamente, o art. 4°, n°1 alínea a) do ETAF tem de ser lido conjuntamente com os arts.1°, 96°, 97°, 99°, 104° e 147°, n° 6 do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT) e 101° da Lei Geral Tributária.
11. Atentas estas disposições da lei processual fiscal, é evidente que a jurisdição tributária não dispõe de meios processuais pertinentes à anulação de cheque.
12. Tão-pouco se permite a cumulação de pedidos com pretensões de outra natureza (que não exclusivamente relativas a “tributos” nos termos do art. 104° do CPPT), sendo portanto impossível (e ilegal), na jurisdição fiscal, cumular o pedido de anulação de imposto com o pedido de anulação de um cheque.
13. Ademais, a relação jurídico-tributária só se estabelece nas relações entre contribuintes e a administração fiscal. E, no caso aqui em apreço, trata-se de uma relação entre particulares, designadamente entre um particular e uma notária privada sobre a posse de um cheque de que esta é portadora por ter sido sacado e passado à ordem do seu Cartório.
14. Como ficou demonstrado, os direitos que a agravante pretende fazer valer não são “directamente “fundados em normas de direito fiscal, na acepção do art. 4º, n°1 alínea a) do ETAF, mas apenas conexamente, em razão da sua prejudicialidade, pelo que não se verifica o requisito expresso por aquele advérbio de modo utilizado pelo legislador
15. À cautela, é de realçar que não está aqui em causa o conhecimento por este Tribunal de “actos notariais” - mas da anulação de um cheque - e que os meios graciosos especialmente previstos na lei notarial, designadamente nos art. 139°, 140º e 141° da LOSRN (aprovada pelo Decreto Regulamentar n°55/80 de 8 de Outubro), não vigoram, não são aqui aplicáveis, e ainda que o fossem, tais meios são meramente facultativos e não obrigatórios.
16. De resto, deve-se acrescentar, à cautela, que a competente acção de impugnação judicial contra o acto de liquidação de imposto do selo foi intentada, dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias previsto no art. 102° do CPPT, e corre actualmente os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
17. Sem conceder, o acórdão recorrido também sofre de erro ao não aceitar a objecção da agravante de que a sentença proferida em 1ª instância formula um juízo sobre o mérito da causa e não apenas sobre a competência do tribunal em razão da matéria: toda a fundamentação utilizada nos pontos (iv) a (ix) dessa sentença é manifestamente exorbitante e viola os arts. 659° n° 2, 660°, n° 1 e 666°, n° 1 do CPC, não sendo pois lícita aquela argumentação para fundamentar a decisão sobre incompetência material, que é questão prévia, o que constitui erro de julgamento por inversão da ordem das questões que lhe era permitido conhecer.
18. Por fim, e tendo em conta a natureza urgente do presente procedimento cautelar, fica arredada a faculdade de suspensão da instância cautelar, por ser incompatível com a urgência, devendo o Tribunal desde logo pronunciar-se sobre a questão prejudicial em matéria tributária, sendo certo que tal decisão não produzirá efeitos fora do procedimento (art. 97º, n°2 in fine CPC).
19. Para tanto, a agravante fez juntar aos autos documentos e pareceres exarados pelas autoridades notariais e fiscais comprovativos da existência de “fumus boni iuris”, estando assim reunidas todas as condições para que o presente procedimento seja preparado e julgado procedente, por provado, no âmbito da jurisdição dos tribunais judiciais, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 66° e 97° do CPC e do art. 18° da LOFTJ.
20. Tendo em conta o anteriormente exposto, é apodíctico que a matéria dos autos integra-se na jurisdição dos tribunais judiciais.
Ao não tomar uma decisão conforme com as antecedentes conclusões, e com o devido respeito, o acórdão recorrido sofre de erro de julgamento, violando os arts. 66°, 83°, n°1 al c), 96° e 97°, 659° n° 2, 660°, n° 1 e 666°, n° 1 do CPC, o art.18° da LOFTJ e o art. 4°, n° 1 alínea a) do ETAF (conjugado com os arts.1°, 96°, 97°, 99°, 104° e 147°, n° 6 do Código de Processo e de Procedimento Tributário e com o art. 101° da Lei Geral Tributária).
Deve ser dado provimento ao presente agravo e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro conforme com as antecedentes conclusões, prosseguindo a preparação e julgamento da presente providência no âmbito da jurisdição dos tribunais judiciais de que fazem parte as Varas Cíveis de Lisboa.
Nos termos e para efeitos do art. 383°, n° 2 do CPC, requer-se que, uma vez julgado o presente agravo, sejam os autos remetidos para serem apensados à acção principal que corre termos na 17ª Vara Cível de Lisboa-3ª Secção, Proc. 1821/06.6TVLSB, intentada em 16/03/2006.
- Contra alegações da 1ª recorrida:
A requerida rematou as contra alegações com as seguintes conclusões:
1- O cheque a que se alude nos autos foi emitido para pagamento duma liquidação de imposto de selo efectuada pela agravada no exercício das suas funções de notária.
2- A eventual devolução do cheque pressupõe a anulação do acto da Srª Notária ora agravada.
3- A competência específica para apreciar actos praticados no exercício das suas funções cabe aos tribunais Administrativos e Fiscais (artigo 4° da ETAF e artigo 193° n°3 da lei Orgânica dos Serviços do Registo e Notariado (LOSRN).
4- Em consequência, o Tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para julgar o procedimento cautelar requerido pela agravante.
DEVE CONFIRMAR-SE INTEGRALMENTE O ACORDÃO RECORRIDO.
- Ouvido o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da competência dos Tribunais Cíveis, nos termos do parecer que juntou ao processo, para o qual se remete.
- Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.
II.
Os factos considerados provados são como se entendeu nas instâncias os acima descritos, uma vez que a questão submetida a apreciação deste Tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.
III.
O Direito:
A única questão que cabe apreciar e determinar é a competência em razão da matéria, para e decidir a providência requerida.
A competência é, como se sabe um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão ou questões de mérito, que se afere pela forma como o autor configura a acção, e é definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes.
Por isso se diz que a competência se afere pelo quid disputatum (quid dicidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum), ou mais concretamente pelo pedido do autor Como ensina Redenti II, 109, citado por Manuel Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pgs.91, sem esquecer que para se formular um pedido tem de existir uma causa de pedir, que é o acto ou facto (simples ou complexo, mas sempre concreto), donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (art.° 498.° n.° 3 do CPC).
Conforme ensinava Manuel de Andrade Ob. Cit. pags. 88 e 89., há que atender, para esse efeito, aos termos em que foi proposta a acção, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto de onde teria resultado esse direito, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes).
Vejamos em concreto e em síntese, os pedidos e causa de pedir:
A requerente, pretende com esta providência cautelar, que se ordene à 1ª requerida que proceda à entrega de um cheque, à ordem do Tribunal, até que na acção própria seja anulado ou reduzido o negócio cartular que deu causa à sua emissão, ao 2.° requerido que se abstenha de rescindir a convenção do uso do cheque e ao 3.° requerido que se abstenha de incluir a requerente na listagem de utilizadores de cheques que oferecem em riscos.
Para fundamentar o pedido, invoca em síntese, ter emitido um cheque no valor de € 410.51,92, que entregou à 1ª requerente para pagamento do imposto de selo supostamente devido pela alteração do capital social da Sociedade C…, que representa e que só se apercebeu de que essa quantia, não é devida no seu entender, ao sair do cartório notarial.
Se tivesse atentado na quantia aposta no cheque não o teria assinado e não teria feito a escritura, facto que, a Srª Notária não devia ignorar.
De harmonia com o referido entendimento, dispõe o art. 22°, n° 1, da L.O.F.T.J., que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe e, no tocante às modificações de facto, são irrelevantes todas aquelas que ocorram posteriormente.
Segundo o art. 211º, n° 1, da Constituição da República, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem a jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Consagra-se na última parte deste preceito o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns. Na lei ordinária consagra-se que: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (arts. 66° do C.P.Civil e 18°, nº 1, da LOFTJ).
Infere-se do exposto que a atribuição de competência ao tribunal de jurisdição comum pressupõe a inexistência de norma específica que atribua essa competência a uma jurisdição especial para dirimir determinado litígio, tal como o autor o configura.
A revisão constitucional de 1989 veio impor, pela primeira vez, a necessidade da existência de Tribunais Administrativos, definindo o actual art. 212°, n° 3 a sua competência nos seguintes termos: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Entendem Vital Moreira e Gomes Canotilho, que os tribunais administrativos deixaram de ser facultativos e constituem agora uma categoria com estatuto constitucionalmente autónomo e com competência específica, acrescentando: “os tribunais administrativos são agora os tribunais ordinários da justiça administrativa. A letra do preceito (art.214°) parece não deixar margem para excepções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais” Cfr. - Constituição Anotada, 3ª edição - pags. 814. .
Podemos assim concluir, que a competência dos tribunais administrativos se reconduz, actualmente, à questão de saber o que deve entender-se por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Como é sabido, a Administração pode actuar na esfera de direito público ou na esfera do direito privado, pode praticar actos de gestão pública e actos de gestão privada.
Ensinava o Prof. Marcelo Caetano que, “deve entender-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado” Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, pags. 1222.
Em concreto, esclarecia o mesmo Professor que: “Pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito”.
Contudo, a par dos órgãos da administração existem entidades privadas que praticam actos de gestão pública, bem como actos de interesse público e do próprio Estado que em princípio lhe caberiam directamente, mas que são actos da natureza administrativa.
Decidiu-se no Acórdão de 5.11.1981 que:”se consideram actos de gestão pública, os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando, eles mesmos, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção...”, e devem ser havidos como actos de gestão privada “...os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração em que esta aparece despida do poder público e, portanto, numa posição de paridade com o particular ou particulares a que os actos respeitem e, daí, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com inteira submissão às normas do direito privado” in BMJ n.° 311/195.
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Pretende-se saber, qual o tribunal competente para apreciar e decidir a providência cautelar cujo pedido consiste, como acima se referiu, não só na restituição de um cheque emitido para pagamento do imposto de selo a entregue à Senhora Notária, mas sobretudo na não rescisão da convenção do uso do cheque e que o Banco de Portugal não inclua a requerente “em qualquer listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos”.
Há que ter em conta que, a Notária ao liquidar, bem ou mal o imposto de selo exigido pela escritura pública de alteração do capital social da sociedade C…, praticou um acto de gestão pública, a que está obrigada no exercício da sua actividade profissional, mesmo tratando-se de cartório notarial privado.
A cobrança de um imposto tributado pelo Estado é sempre um acto de gestão pública, independentemente da entidade ou agente que fizer a sua liquidação.
Este acto integra-se no âmbito da relação jurídica subjacente que tem por base a tributação em imposto de selo, que levou a recorrente a emitir o cheque que através desta providência pretende que lhe seja devolvido ou anulado, por entender não ser devido, para que o 2.° requerido se abstenha de rescindir a convenção do uso do cheque e o 3.° se abstenha de incluir a requerente na listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos.
Não está posta em causa a validade da escritura pública celebrada, mas o imposto de selo cobrado, supostamente devido por esse acto.
Esta é questão essencial para a procedência do pedido, daí ter-se entendido no acórdão recorrido, que não se trata de um mero incidente ou de questão prejudicial.
Não se entendendo deste modo, sempre se haveria de ter em conta que, para que seja ordenada a requerida à 1ª a restituição do cheque a entregar no tribunal, ao 2.° que se abstenha de rescindir a convenção do uso do cheque e ao 3.° que se abstenha de incluir a requerente na listagem de cheques que oferecem em risco, é necessário apreciar e decidir se o valor do cheque em causa, é ou não devido ao fisco e foi emitido por engano.
Ora a acção que apreciará se o imposto é ou não devido é como aceita a recorrente na 16ª conclusão a acção de impugnação contra o acto de liquidação de imposto de selo, já intentada e que corre seus termos no tribunal administrativo.
Decidida esta questão, no sentido defendido pela recorrente, o cheque é-lhe restituído, e os restantes pedidos, ficam “ipso facto” decididos em conformidade.
Neste perspectiva, a providência cautelar, mesmo que outras razões não existissem, sempre seria da competência dos tribunais administrativos, como decorre do disposto no art.° 83.º, n.°1 alínea c) do Código de Processo Civil.
Assim, a questão suscitada de se intentar uma acção para apreciar a relação jurídica cambiária é pelas referidas razões uma actividade processual manifestamente desnecessária e por isso inútil.
A par desta questão está o facto do pedido da requerente de não ser inibida do uso do cheque e de não ser “incluída em qualquer listagem de utilizadores de cheques que oferecem em riscos”, serem questões que estão dependentes dos 2.° e 3º requeridos, sendo este o Banco de Portugal, que é como se sabe uma entidade pública e sujeito passivo nesta providência (art.° 2.° e 3.° do Dec-Lei n.° 316/97 de 19/11, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n.° 323/2001 de 17/12).
Verificando-se que um dos sujeitos da relação jurídica em apreciação é uma entidade pública, e que os outros dois, Notária e Banco (BES), realizam ambos na situação dos autos, actos de natureza e interesse públicos, uma vez que o pedido e a causa de pedir, incidem sobre actos praticados ou a praticar por essa entidade pública, no uso do seu “jus imperium”, e os outros sujeitos passivos, actuam neste caso, claramente no interesse público, pelo que a relação jurídica reveste a natureza administrativa e não civil.
Com efeito, o 2.° recorrido embora seja entidade privada, o acto por si praticado ou a praticar que consistiria na, “rescisão da convenção do uso do cheque”, constitui uma sanção de natureza pública, por através dele se proteger o interesse público, medida preventiva que visa evitar a emissão de cheques sem provisão, e impedir a prática reiterada de crimes de emissão de cheques sem cobertura. Por isso, apesar de se tratar de Banco privado, o acto de inibição do uso do cheque é um acto de gestão pública praticado a coberto e em conjugação com o Banco de Portugal (art.° 2.° e 3.° do Dec-Lei n.° 316/97 de 19/11, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n.° 323/2001 de 17/12).
A procedência da providência está assim não só dependente da decisão que vier a ser proferida na acção de impugnação fiscal, que o recorrente diz ter intentado,”… dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias previsto no art. 102° do CPPT, e corre actualmente os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa” (16.ª conclusão), questão que se pode enquadrar na relação jurídica subjacente, mas também e sobretudo de um acto do Banco de Portugal, entidade pública, integrado no pedido e causa de pedir, que reveste a natureza administrativa.
De resto, a recorrente reconhece em diversas conclusões, que tira das suas alegações, e são estas que balizam o objecto do recurso (art.°s 684.° n.°3 e 690.° n.°s 1 e 4 do CPC), que no tribunal cível cuja competência defende, o juiz, não pode decidir sem saber se o imposto é devido (art.° 97º, n.°1, do CPC) e também não pode suspender a instância cautelar, por se tratar de processo urgente pelo que deve decidir, nos termos do disposto no art.° 97º, n.° 2 do CPC, o que seria uma aberração (Conclusões n.°s 17, 18 e 19).
Reconhece assim a recorrente que, só se o imposto de selo não for devido se poderá concluir que o cheque foi emitido por engano e que deve ser restituído ou entregue no Tribunal.
Resulta do que se deixou dito que, mesmo que se entenda que a dívida do imposto de selo constitui, uma questão incidental ou prejudicial (art.°s 96.°, 97.° e 279.° do CPC), a decidir na acção principal de impugnação, já intentada no tribunais administrativos, o pedido formulado na requerida providência constitui uma questão que se integra na jurisdição administrativa e fiscal e não na jurisdição cível, uma vez que ao contrário do que pretende a agravante, mesmo conjugando o disposto nos artigos 1.º, 96.°, 97º, 99º, 104 do C.P.P.T. e 101.º da L.G.T., a situação gizada nos autos, enquadra-se na previsão das alíneas a) e i) do n.° l do artigo 4.° do ETAF, que confere a competência para a apreciação da providência requerida aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
IV.
1. Para além do que atrás se disse, importa indagar e apreciar qual dos três é o pedido dominante.
Em nosso entender é o primeiro, dirigido que foi à senhora Notária para devolução do cheque que lhe foi entregue para pagamento do imposto de selo. Na verdade, assim como a rescisão do uso do cheque decidida pelo BES (2° pedido dirigido contra o Banco Espírito Santo) ou a inclusão da lista de utilizadores de cheques que oferecem riscos (3º pedido dirigido contra o Banco de Portugal) só são possíveis caso o cheque seja apresentado a desconto em entidade bancária - o que depende da pessoa que dele está possuidora, ou seja a Notária - assim também os 2° e 3º pedidos deixam de fazer sentido, caso a Senhora Notária faça a entrega do cheque à recorrente. Portanto, tudo está nas mãos dessa recorrida e da sua decisão depende o accionamento dos mecanismos que a lei põe ao dispor dos 2° e 3º recorridos (requeridos na providência). O pedido principal é, portanto, o primeiro.
Ora, não se pode duvidar que a actividade da 1° requerida é de gestão pública (“O notário é o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública”: art. 1°, n° 1, do DL n° 26/2004, de 4/02; «A função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais»: art. 1°, n° 1, do Código do Notariado).
Não se questiona, igualmente, que o Banco de Portugal, enquanto Banco Central Nacional (art. 102° da CRP) e garante do sistema financeiro português, se rege por normas de direito público. É, aliás, uma pessoa colectiva de direito público, com a natureza de empresa pública (art. 1° do DL 337/90, de 30/10). O interesse público que prossegue significa que a sua acção se inscreve no âmbito de uma verdadeira gestão pública. Disso é exemplo, precisamente, o poder público de elaborar uma lista que integre os utilizadores de cheques que ofereçam risco (art 3º do DL n° 454/91, de 28/12), que deriva automaticamente de uma prévia decisão bancária de rescindir a convenção do uso do cheque (arts. 2°, al. a) e 3°, n°1, cit.), mas que após a inclusão na lista pelo B.P. implica também para todas as instituições de crédito a rescisão de convenção de outra natureza celebrada com aqueles utilizadores (art. 3°, n° 2, cit.).
Quer isto dizer, que tanto a qualidade pública em que intervêm estas duas entidades (B.P. e Notária) como a natureza da matéria em que o fazem evidenciam a existência de gestão pública para defesa do interesse público cuja prossecução a lei lhes depositou. E, nesse caso, a jurisdição administrativa e fiscal seria a apropriada para o conhecimento das matérias a que respeita a providência.
2. Quanto ao 2° pedido? Relevará ele de uma actuação privada?
Se se entendesse que sim, isto é, ainda que se supusesse que a rescisão da convenção do uso do cheque se consome apenas na relação bipolar de cariz negocial entre banco e cliente, poder-se-ia dizer, mesmo assim, o seguinte: Se a questão relativa a esse 2° pedido não pudesse ser apreciada a título incidental (art. 96° do CPC), na pior das hipóteses o que podia acontecer era uma absolvição da instância relativamente a ele, o que em qualquer caso nunca seria obstáculo a que os outros dois permanecessem na jurisdição administrativa e fiscal (art. 5°, n°2, do CPTA).
De qualquer modo, inclinamo-nos a pensar que até mesmo para esse 2° pedido a jurisdição administrativa e fiscal é adequada para o seu conhecimento. Com efeito, quando às entidades bancárias se concede o poder de rescindir a convenção do uso do cheque nele está implícito o reconhecimento de um ambiente de direito público. Quer dizer, ainda que os efeitos dessa decisão de rescisão se confinem às relações bilaterais entre sacador/titular de conta (e de cheque) e instituição de crédito sacada, o certo é que o banco só assim age no seio de procedimentos administrativos de tipo sancionatório por o cliente ter quebrado não só o espírito de confiança que deve presidir à circulação dos cheques (art. 1°, n° 1, do DL nº 454/91, de 28/12 e posteriores alterações), mas também face à noção de defesa das relações jurídicas negociais e do comércio jurídico geral. Aliás, essa rescisão deriva das instruções emitidas pelo Banco de Portugal (V. anexo à circular, série A, n° 281, de 22/11/95) ao abrigo do art. 7° do DL n°454/91, de 28/12. O amparo que desse modo o regime jurídico quer que se faça é, portanto, geral e em beneficio do interesse público (aliás, o direito bancário assenta em grande parte no Direito Público, face ao papel económico relevante que ele exerce no Estado (Vasco Soares da Veiga, in Direito Bancário, pag. 30 a 35).
Sendo assim, nenhum obstáculo parece existir à competência dos tribunais administrativos para a decisão da providência, nem mesmo quanto ao 2° requerido, BES.
3. Falta, porém, ultrapassar uma barreira.
Como se sabe, a providência cautelar é sempre dependência de um processo principal (art. 113° do CPTA; 83°, al. c) e 383°, n°1, do CPC). E, assim sendo, estaria aí um bom motivo para se subtrair à jurisdição administrativa o conhecimento destes pedidos, se a própria interessada afirma que pretende instaurar nos tribunais judiciais uma acção destinada à anulação do cheque (n° 15 das a1egações). No entanto, como também é sabido, quando a providência é intentada como preliminar da acção, o requerente não precisa de dizer que tipo de acção vai instaurar. Basta referir de modo genérico que irá intentá-la (aliás, se a não intentar, o efeito da decisão favorável da providência caducará: art. 389°, n°1, al. a), do CPC; 123°, n°1, al. a), do CPTA). Ora, se o requerente não carece de identificar a acção que pensa intentar, sem que daí advenham quaisquer consequências processuais quando a providência é prévia, por igual razão nenhuma consequência sobre si pesará se ele se der ao cuidado de indicar qual a acção que tenciona instaurar e em que tribunal. Nenhum efeito negativo pode imputar-se a essa indicação até porque a todo o tempo o requerente pode repensar a questão e mudar de ideias quanto à acção adequada a propor e quanto ao tribunal onde pensa instaurá-la ou até mesmo desistir dessa ideia e deixar simplesmente operar a caducidade da providência entretanto, eventualmente, decretada. Ou seja, não é vinculativa nem para si, nem para o tribunal da providência a afirmação que tenha feito acerca disso.
Isto sem prejuízo de se admitir que essa acção para a anulação do cheque estaria votada ao insucesso porque não vislumbramos que esse título tenha sido irregularmente emitido, que os seus elementos tenham sido incorrectos ou falsos, ou que tenha sido preenchido sob erro, dolo ou coação, por exemplo. Dizer que o requerente o passou em erro não releva, se o cheque foi emitido para pagar um tributo (imposto de selo) que foi liquidado pela entidade notarial competente. Portanto, a interessada limitou-se a emitir o cheque no propósito de cumprir a sua obrigação tributária. Pode dizer-se, portanto, que não houve erro da sua parte. A ser assim, se, na pior das hipóteses, tal acção não fosse julgada improcedente, o tribunal da anulação iria certamente suster o andamento do processo até que fosse resolvida a impugnação da liquidação do imposto, por ser aí que em definitivo tudo se decide.
Para nós, a acção principal será efectivamente essa impugnação, pois nela se apurará a existência do imposto e seu montante, por conseguinte, sobre a legalidade da sua liquidação. E será esse mesmo tribunal o competente para se conhecer da providência nos termos dos arts. 4º, n°1, proémio, 44º, n° 1 e 49º, n° 1, al. a), i) e e) iv), do ETAF).
V.
Pelo exposto, acorda-se em atribuir aos tribunais administrativos e fiscais, a competência para a acção.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Julho de 2007. - José Gil de Jesus Roque (relator) - José Cândido de Pinho - José Vítor Soreto de Barros - Eduardo Maia Figueira da Costa - Jorge Artur Madeira dos Santos (vencido, nos termos da declaração junta) - António Bento São Pedro vencido, nos termos da declaração de voto do Ex.mº Cons° Madeira dos Santos.
Voto de vencido:
O procedimento cautelar dos autos, deduzido junto de um tribunal cível, apresenta uma cumulação de pedidos (que não se estruturam numa ordem subsidiária). E bastava que a jurisdição comum fosse materialmente competente para o conhecimento de um só dos pedidos cumulados para que normalmente incumbisse àquele tribunal conhecer do procedimento nele interposto - sempre sem prejuízo de o tribunal, ante a ilegalidade da cumulação, vir a declarar a sua incompetência «ratione materiae» relativamente a qualquer outro dos pedidos («vide» os arts. 470º, n.° 1, «in fine», e 31º, n.° 1, do CPC; cfr., neste exacto sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, ed. de 1946, pág. 168).
Ora, e desde logo, o pedido dirigido ao BES incide sobre as relações que a recorrente mantém com essa pessoa colectiva de direito privado. Trata-se de relações inequivocamente privatísticas - e essa sua natureza privada não se descaracteriza pelo facto, aliás normal, das relações estarem enquadradas por normas que tutelam interesses gerais. Daí que tal pedido não devesse nem pudesse ser deduzido na jurisdição administrativa e fiscal, competindo o seu conhecimento à jurisdição comum.
Por outro lado, a jurisdição comum também detém competência para conhecer da primeira, e principal, pretensão requerida pela recorrente. Com efeito, e por via de regra, a competência para se conhecer dos procedimentos cautelares segue a competência para o conhecimento das acções de que eles dependam (cfr. os arts. 83° e 383° do CPC). Ora, o pedido de que o cheque seja provisoriamente entregue ao tribunal é - conforme nos diz a própria requerente - dependência da acção em que ela pedirá que se anule ou reduza o «negócio cartular». Aliás, a recorrente configurou este pedido como o «de anulação de um cheque», fundada num erro em que teria incorrido; e distinguiu nitidamente a acção respectiva e principal da outra «acção», já por si interposta, «de impugnação judicial contra o acto de liquidação do imposto de selo». Ou seja: o requerimento inicial devia ter sido interpretado no sentido de que o meio cautelar dos autos depende de uma acção principal em que a recorrente tentará persuadir que a chamada «negociação do título» abstracto que é o cheque padeceu de um erro na declaração (art. 247° do Código Civil); e o conhecimento desse assunto incumbe nitidamente à jurisdição comum.
Portanto, o procedimento cautelar continha pedidos cognoscíveis pela jurisdição comum - o que, como acima disse, determinava «recte» a competência dessa jurisdição.
Assim, concederia provimento ao recurso, revogaria o acórdão recorrido e declararia a jurisdição comum competente para conhecer do procedimento cautelar dos autos.
Jorge Artur Madeira dos Santos