Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016397/20.3T8PRT.P1.S1
Data do Acordão:04/17/2024
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Sumário:Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer da causa em que se vem peticionada a declaração da ilicitude da cessação de um «contrato-emprego inserção+» e a efetivação das consequências jurídicas.
Nº Convencional:JSTA000P32209
Nº do Documento:SAC20240417016397
Recorrente:AA
Recorrido 1:AJUDARIS – ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL, I.P.S.S.
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Recurso

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O Tribunal de Conflitos acorda: -----

1. Relatório:


A Autora AA, identificada nos autos, -----


intentou em 08/10/2020, no Juízo do Trabalho do Porto -juiz 3, do Tribunal judicial da comarca do Porto, ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, em processo comum, contra a Ré: ------


-AJUDARIS – Associação de Solidariedade Social, identificada na Segurança Social com o n.º .........16 e sede na Rua ...,


pedindo que o tribunal: -------

A) – declare “ilícito, por falta de comunicação prévia e falta de fundamento para a cessação do contrato, o despedimento da Autora, promovido pela Ré, com efeitos a partir de julho de 2020;

B) - condene “a Ré, em consequência da ilicitude do despedimento, no pagamento à Autora das quantias seguintes:

a. € 316,25 – de compensação devida nos termos do art. 344.º, n.º 2 do CT;


b. € 527,08 – de retribuição do mês de julho de 2020;


c. € 527,08 – de retribuição do mês de agosto de 2020;


d. € 527,08 – de retribuição do mês de setembro de 2020;


e. € 527,08 – de retribuição do mês de julho de 2020, nos termos do art. 393.º do CT;


f. 435,76 – de férias vencidas e não gozadas, desde início até termo do contrato;

g. 435,76 – de subsídio de férias vencido e não pago, desde início até termo do contrato;

h. 87,85 – subsídio de natal vencido e não pago, ano de 2019;


i. 439,23 – subsídio de natal vencido e não pago, ano de 2020;


Tudo acrescido dos juros, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;


C) condene “a Ré, (…) no pagamento das custas” do processo.


Para tanto alega que, como beneficiária da “Medida Contrato Emprego-lnserção”, promovida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para desempregados a receber rendimento social de inserção (RSI), foi admitida ao serviço da Ré, mediante “contrato emprego-inserção”, reduzido a escrito, com início em 1 de novembro de 2019 e termo em 31 de outubro de 2020, para lhe prestar o serviço socialmente necessário na área de especialista de trabalho social.


Alega que a Ré, após informar o IEFP de que tinha suspendido os “projetos da biblioteca solidária por causa da pandemia Covid 19”, informou-o também da cessação do referido contrato em finais de julho de 2020.


A Autora, invocando ser o “contrato emprego-inserção” “equiparado a contrato [individual] de trabalho a termo certo” (na remuneração e na prestação do trabalho), enquadrável na previsão dos artigos 139.º e seguintes do Código do Trabalho, alega ter sido ilicitamente despedida.


Pretende ser ressarcida pela Ré de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do alegado despedimento ilícito.


Em 10/02/2021, a Autora requereu a ampliação do pedido, peticionando a condenação da Ré no pagamento, a título de danos não patrimoniais, de quantia não inferior a € 5.000,00.


Por despacho de 22/04/2022, o Juízo do Trabalho do Porto –juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ofereceu o contraditório à autora a propósito da sua incompetência material para a apreciação da causa.


Por requerimento de 2/05/2022, a Autora pronunciou-se pela atribuição da competência material para o conhecimento da ação ao Tribunal do Trabalho, reafirmando que o contrato-emprego inserção+ é um contrato de trabalho atípico.


Citada, a Ré contestou, excecionando a incompetência material do Tribunal do Trabalho para a causa e impugnou os factos.


Sustentou, em matéria de incompetência material, que os contratos de Emprego-Inserção+ não são fonte de qualquer relação jurídico-laboral ou de emprego, ou, sequer, equiparável.


Concluindo pela existência de uma relação contratual não subsumível a uma relação laboral, pronuncia-se pela competência residual da jurisdição civil para o conhecimento da causa.


Por decisão de 20/10/2022, o Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3, atribuindo a competência à jurisdição administrativa, julgou-se absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da ação, absolvendo a ré da instância.


Para o efeito, concluiu não estar em causa uma relação laboral de direito privado, mas antes um vínculo de natureza administrativa, cuja apreciação é enquadrável no art. 4.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro.


Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação daquela decisão, pugnando pela competência do Tribunal do Trabalho do Porto para a apreciação da causa.


A Ré contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso.


Por acórdão de 12/07/2023, o Tribunal da Relação do Porto concluindo pela competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.


Motivando, sustentou que os litígios emergentes das relações resultantes dos contratos de «emprego-inserção» e de «emprego inserção+» (que devem ser consideradas relações jurídicas administrativas), nomeadamente, os relativos ao regime de cessação daqueles contratos e de desvinculação das partes das obrigações deles resultantes, inserem-se na competência da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4.º do ETAF.


Notificada, a Autora interpôs recurso de revista excecional do Acórdão da Relação do Porto de 12/07/2023.


Admitido o recurso, o Supremo Tribunal de Justiça, 4ª secção, por despacho de 27/11/2023, transitado em julgado, decidiu convolar a revista excecional em recurso para o Tribunal dos Conflitos, remetendo-lhe o processo.

2. parecer do Ministério Público:


Recebidos os autos, na vista a que alude o art.º 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, o Digno Procurador-Geral Adjunto, sustentando que o contrato emprego-inserção+, criado e regulado pela Portaria n.º 128/2009 de 30 de janeiro e regulamentos emitidos pelo IEFP nos termos do seu art.º 17.º “titula uma relação jurídica enquadrada no direito administrativo”, emitiu parecer no sentido da atribuição da competência material à jurisdição administrativa e fiscal para conhecer da ação intentada neste processo.

3. objeto:


O objeto do presente recurso consiste em determinar a que jurisdição compete conhecer de uma causa fundada na existência e cessação de um “contrato emprego-inserção+” em que vem questionada a sua natureza jurídica e as consequências jurídicas da respetiva cessação.


Cumpre, assim, definir aqui se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio em causa caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.

4. fundamentação:

a. o direito:

i. competência da jurisdição:


Estabelece o art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.


Em consonância com a previsão constitucional a Lei de Organização do Setor Judiciário (LOSJ) - Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto -, dispõe no art.º 40.º, n.º 1, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Estabelece também o art. 64.º do Código de Processo Civil (CPC) que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Dispondo o art. 65.º do CPC que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.


Resulta, assim, do regime constitucional e legal citado que sempre que a competência em razão da matéria, para conhecer de uma causa, não esteja atribuída por lei a outra jurisdição ou a outro tribunal, compete à jurisdição judicial comum.


Por sua vez, o art. 212.º n.º 3 da Constituição da República preceitua competir “aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais


Norma que o art. 144.º n.º 1 da LOSJ, praticamente reproduziu, estatuindo que “aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.”


Dispõe o art.º 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais/ETAF (na redação da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.


O seu âmbito da competência material encontra-se firmado no art.º 4.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19 de fevereiro.


Os tribunais administrativos, “não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver Ac. TC n.º 508/94, de 14.07.94, in processo n.º 777/92; e Ac. TC n.º 347/97, de 29.04.97, in processo nº139/95]1


A propósito da noção de “relação jurídica administrativa”, escreveu José Carlos Vieira de Andrade2 que: “na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)


A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.


Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.


Segundo Diogo Freitas do Amaral3, a relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.


Nos termos do art. 4.º do ETAF, na sua atual redação (Lei n.º 114/2019):


1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

Estabelecendo no n.º 4, alínea b) que: ------


4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:

b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público; (…)”.

A competência especializada dos Juízos do Trabalho, encontra-se regulada no art.º 126.º da LOSJ, competindo-lhe conhecer, em matéria cível, entre outras, “Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho” (alínea b) do n.º 1), “Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho” (alínea f) do n.º 1) e “Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente” (alínea n) no mesmo normativo).


No Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, tirado no processo n.º 020/18, motivou-se: “como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…)


A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].4.


ii. regime substantivo:


No caso dos autos, a autora e recorrente alega, em suma, ter celebrado, no âmbito da “Medida Contrato Emprego-lnserção+, um contrato equiparado a contrato de trabalho a termo certo, denominado “Contrato Emprego-lnserção”,” (que junta em anexo), enquadrado nas medidas de promoção de empregabilidade do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).


A Portaria 128/2009, de 30 de janeiro (alterada e republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, de 30 de janeiro, que entrou em vigor no dia 31 de janeiro de 2014), regulamenta as medidas «Contrato emprego-inserção» e «Contrato emprego-inserção+», através das quais os desempregados, respetivamente, beneficiários de subsídio de desemprego ou de subsídio social de desemprego ou de rendimento social de inserção desenvolvem trabalho socialmente necessário.


Pode ler-se no preâmbulo da referida Portaria que “O contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+ integram-se no conjunto destas medidas, considerando que, ao permitirem aos desempregados o exercício de actividades socialmente úteis, promovem a melhoria das suas competências sócio-profissionais e o contacto com o mercado de trabalho. A experiência havida ao longo dos anos permite verificar o impacte positivo dos apoios públicos ao desenvolvimento de trabalho socialmente necessário por parte de desempregados, enquanto estes aguardam por uma alternativa de emprego ou de formação profissional.”.


Nos termos do art.º 2.º daquela Portaria “Considera-se trabalho socialmente necessário a realização, por desempregados inscritos no Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.), de atividades que satisfaçam necessidades sociais ou coletivas temporárias”.


Decorre do art. 3.º da mesma Portaria que são objetivos do trabalho socialmente necessário: -----

a) Promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências socioprofissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho;

b) Fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e atividades, evitando o risco do seu isolamento, desmotivação e marginalização;

c) A satisfação de necessidades sociais ou coletivas, em particular ao nível local ou regional.”.

Sobre a cessação ou suspensão do contrato rege o art. 11.º da citada Portaria n.º 128/2009, nos seguintes termos: -----


1 - O contrato cessa no termo do prazo ou da sua renovação, bem como quando o beneficiário:

a) Obtenha emprego ou inicie, através do IEFP, I. P., ou de qualquer outra entidade, ação de formação profissional;

b) Recuse, injustificadamente, emprego conveniente ou ação de formação profissional;


c) Perca o direito às prestações de desemprego;

d) Perca o direito às prestações de rendimento social de inserção, salvo o disposto no artigo 22.º-A da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, alterada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho, nomeadamente nas situações de alteração de rendimentos decorrente da atribuição da bolsa mensal prevista no n.º 3 do artigo 13.º do presente diploma;

e) Passe à situação de reforma.


2 - A entidade pode proceder à resolução do contrato se o beneficiário:


a) Utilizar meios fraudulentos nas suas relações com aquela ou com o IEFP, I. P.;


b) Faltar injustificadamente durante cinco dias consecutivos ou interpolados;


c) Faltar justificadamente durante 15 dias consecutivos ou interpolados;

d) Desobedecer às instruções sobre o exercício de trabalho socialmente necessário, provocar conflitos repetidos ou não cumprir as regras e instruções de segurança e saúde no trabalho.

3 - A entidade deve ainda proceder à resolução do contrato se o beneficiário não cumprir o regime de faltas das ações de formação nele previstas.


4 - O beneficiário pode suspender o contrato, nomeadamente por doença, maternidade ou paternidade durante um período não superior a seis meses.


5 - A entidade promotora pode suspender o contrato por facto a ela relativo, nomeadamente por encerramento temporário do estabelecimento onde decorre a atividade, por período não superior a um mês.


6 - A suspensão do contrato depende de autorização do IEFP, I. P., concedida no prazo de cinco dias úteis após o pedido do beneficiário ou da entidade, o qual deve ser formalizado por escrito, indicando o fundamento e a duração previsível da suspensão, com a antecedência mínima de oito dias úteis ou, quando tal for manifestamente impossível, até ao dia seguinte ao facto que deu origem ao pedido de suspensão.


7 - Durante a suspensão do contrato:

a) Continua a ser devida ao beneficiário a respetiva prestação de desemprego, desde que previsto no respetivo regime jurídico;

b) Não é devida a bolsa e os outros apoios previstos no contrato, salvo a bolsa de ocupação mensal do desempregado beneficiário do rendimento social de inserção no caso de suspensão por motivo imputável à entidade.

8 - (Revogado).


9 - A cessação pelos motivos previstos nas alíneas e) e a) do n.º 1, esta última no caso da ação de formação profissional ter início através de outra entidade que não o IEFP, I. P., deve ser comunicada, por escrito, à entidade promotora e ao IEFP, I. P., com indicação do fundamento, com a antecedência mínima de oito dias.


10 - A cessação pelos motivos previstos na alínea a) do n.º 1, caso a ação de formação profissional se inicie através do IEFP, I. P., e nas alíneas b), c) e d) do mesmo número deve ser comunicada, por escrito, à entidade promotora e ao beneficiário, com indicação do fundamento, com a antecedência mínima de oito dias.


11 - A resolução por qualquer dos motivos previstos no n.º 2 deve ser comunicada, por escrito, ao beneficiário e ao IEFP, I. P., com indicação do fundamento, com a antecedência mínima de oito dias.


12 - Nos casos aplicáveis, o IEFP, I. P. comunica de imediato a cessação do contrato ao centro distrital de segurança social competente.


iii. jurisprudência do Tribunal de Conflitos:


A propósito de acidente de trabalho ocorrido no âmbito da execução de um “contrato emprego-inserção+, decidiu-se no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 19/10/2017 (processo n.º 015/175) pela atribuição da competência material aos Tribunais Judiciais com base, em suma, na fundamentação seguinte: ------


Na verdade, o processo dos acidentes de trabalho, disciplinado nos artigos do 99.º ss. do Código de Processo de Trabalho é um instrumento de natureza processual que visa a garantia do direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidentes de trabalho, consagrado no n.º 1, alínea a) do artigo 59.º da Constituição da República.


Mais do que declarar os direitos do trabalhador vítima de acidente de trabalho, o processo foi concebido como instrumento da realização efetiva do direito à reparação das consequências do acidente, objetivo do qual o Estado não se pode dissociar.


(…)


No fundo, o que o presente processo visa é a garantia do direito à reparação das consequências de um acidente sofrido por um trabalhador no desempenho das suas funções, ou seja de um normal acidente de trabalho.


O acidente em causa preenche todas as condições para ser considerado como um acidente de trabalho, nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, e dada a relação do regime destes acidentes com o regime jurídico do contrato de trabalho, por força do disposto no art. 4.º, n.º 4, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conforme acima se referiu, a competência para conhecer do presente processo deve ser atribuída aos tribunais judiciais.


Na verdade embora a relação que liga o trabalhador sinistrado ao Município tenha elementos de natureza administrativa, dada a sua relação com a atribuição do estatuto de beneficiário do Rendimento Social de Inserção, o litígio é resolvido pela aplicação do direito privado, do regime dos acidentes de trabalho que é parte integrante da disciplina jurídica do contrato de trabalho.(…)”.


Atente-se também no acórdão do Tribunal dos conflitos, de 06/02/2020 (processo n.º 037/196), que, ancorando-se em decisões anteriores em matéria de acidentes de trabalho ocorridos no âmbito da execução de um "contrato emprego-inserção+", decidiu: “No sentido da atribuição da competência em razão da matéria à jurisdição comum em situações que, como já referido, apresentam fortes semelhanças com a que aqui se nos apresenta, estando em causa situações decorrentes da execução de «contratos emprego-inserção+», podem convocar-se também os acórdãos deste Tribunal dos Conflitos de 25-01-2018, proferido no processo 053/17 (Relatora: Cons. Maria Benedita Urbano), de 31-01-2019, proferido no processo 040/18 (Relatora: Cons. Maria João Vaz Tomé), e de 28-02-2019, proferido no processo 042/18 (Relator: Cons. Abrantes Geraldes), todos disponíveis nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.


Perante esta uniforme e consolidada jurisprudência, aderindo à argumentação aí condensada, há que atribuir a competência material para apreciar a acção ao Juízo do Tribunal do Trabalho de Penafiel da Comarca do Porto-Este.


Na verdade, tem sido jurisprudência constante do Tribunal dos Conflitos que em matéria de acidentes de trabalho ocorridos no âmbito de contratos de "emprego-inserção+", a competência para conhecer das respetivas ações recai sobre a jurisdição comum.


No caso dos autos, ainda que a relação jurídica subjacente assente num "contrato emprego-inserção", não está em causa a apreciação de um acidente de trabalho, mas a análise da cessação de um contrato que encontra consagração própria no art. 11.º da Portaria n.º 128/2009 e no regime especial deste diploma.


A este respeito, consignou-se no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 05/05/2021, processo n.º 01064/18.6BEBRG-A.S17 que “É da competência da Jurisdição Administrativa e Fiscal a apreciação de uma acção proposta contra um Município na qual o autor, invocando a celebração de contratos emprego – inserção + e o seu despedimento ilícito, pede a condenação do réu na sua reintegração, no pagamento das retribuições que deixou de auferir e de uma indemnização por danos não patrimoniais, por violação do direito à ocupação efectiva.”.


Decidiu-se, igualmente, no Acórdão do STJ, de 16/12/2020, prolatado também no processo n.º 1064/18.6BEBRG.G1.S18 que:

I – Os contratos de «emprego-inserção» e de «emprego inserção+» disciplinados na Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, alterada e republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, igualmente de 30 de janeiro, titulam relações de trabalho entre uma entidade promotora e um trabalhador, num caso, beneficiário de subsídio de desemprego ou de subsídio social de desemprego e, noutro caso, de rendimento social de inserção.

II – Aquelas relações são disciplinadas por aquela Portaria e pelos regulamentos emitidos pelo IEFP, nos termos do seu artigo 17.º, devendo, pela natureza do regime jurídico que as enforma e pela qualidade de um dos sujeitos, no caso dos autos, um Município, ser consideradas relações jurídicas administrativas.

III – Os litígios emergentes das relações referidas nos números anteriores, nomeadamente, os relativos ao regime de cessação daqueles contratos e de desvinculação das partes das obrigações deles resultantes, inserem-se na competência da Jurisdição Administrativa, nos termos do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 17 de fevereiro.

Recentemente, o Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 15/11/2023, tirado no processo n.º 08/239, decidiu no mesmo sentido, destacando-se o seguinte excerto da fundamentação:


Sobre questão e numa situação semelhante à suscitada nos autos - saber qual a jurisdição competente quando está em causa uma relação como a presente [subordinada à disciplina da Portaria nº 128/2009] - já se pronunciou o STJ no acórdão de 16.12.2020, processo nº 1064/18.6BEBRG.G1.S1, nos seguintes termos:


«3- Os contratos de “emprego – inserção” e «emprego – inserção+» disciplinados na Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, titulam as relações jurídicas entre a entidade promotora – no caso dos autos o Município Réu e o trabalhador – e enquadram a prestação de trabalho levada a cabo, com a definição do complexo de direitos e obrigações das partes.


O conteúdo desses contratos e as finalidades visadas pelos mesmos estão amplamente escrutinados nos autos, não se justificando aqui qualquer retoma dos mesmos.


A referida Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, disciplina também o regime de cessação ou suspensão do contrato, no seu artigo 11.º, dispositivo à luz do qual poderá ser enquadrada a resolução do litígio dos autos.


É líquido que o regime de cessação do contrato de trabalho emergente dos artigos 338.º e ss. do Código de Trabalho nada tem a ver com estes contratos, o que é questão completamente diversa do enquadramento jurídico do acidente de trabalho ocorrido na sua execução, matéria a que se refere o acórdão do Tribunal dos Conflitos proferido no referido processo n.º 015/17, de 19 de outubro de 2017 e outra jurisprudência daquele Tribunal invocada nos autos.


O que se torna evidente é que os contratos em causa, face ao regime que resulta da mencionada Portaria e dos regulamentos emitidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, nos termos do seu artigo 17.º, titulam relações jurídicas enquadradas pelo Direito Administrativo, que por tal motivo devem ser consideradas como relações jurídicas administrativas, o que implica que os litígios emergentes dos mesmos se insiram no âmbito da competência dos Tribunais Administrativos, tal como já resultava do acórdão desta Secção de 14 de novembro de 2001, no que se refere aos acordos de atividade ocupacional.


Na verdade, a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais veio a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovada pela Lei n.º 13/2002, de 17 de fevereiro, reafirmando-se no n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma que «os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» e nos termos do n.º 1, al. a) do seu artigo 4.º «compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto: a) Tutela dos direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal».


Na determinação do conteúdo do conceito de relação jurídico administrativa ou fiscal, tal como referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, p.p. 566 e 567, deve ter-se presente que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal».


Aqui chegados, pode concluir-se que o litígio em causa se insere na competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, (…)».


Tendo-se declarado a incompetência material dos Tribunais Judiciais para conhecer da acção em questão, absolvendo-se o Réu da instância.


Neste sentido se tendo pronunciado também este Tribunal dos Conflitos no acórdão de 05.05.2021, Proc. nº 01064/18.6BEBRG-A.S1.


Esta jurisprudência não pode deixar de se aplicar ao caso em presença, a isso não obstando a natureza privada da Associação Ré, e, apesar de nos acórdãos indicados [do STJ e deste Tribunal dos Conflitos] a entidade promotora ser um Município. Mas, como bem salienta a EMMP, nem a Portaria nº 128/2009, quis estabelecer qualquer diferença, nem é a natureza pública ou privada do promotor que no caso, parece, relevar.


Com efeito, embora o designado contrato “Emprego- Inserção+” tenha sido celebrado entre a entidade promotora e o beneficiário do apoio (resultante de situações de desemprego), é o IEFP, IP que seleciona tais beneficiários (em colaboração com outras entidades públicas) e aprova, antes da outorga do contrato, o projecto de trabalho, sendo o projecto para celebração do contrato apresentado pelo promotor ao IEFP, impedindo o promotor de alterar o objecto do contrato exigindo o cumprimento de quaisquer tarefas aí não previstas.


Tal deve-se à singularidade e complexidade desta relação, exclusivamente disciplinada por normas de direito público, na qual a entidade principal é o IEFP, IP, enquanto promotor activo de políticas que prosseguem o interesse público de protecção no desemprego e de promoção da inserção social (cfr. quanto aos objectivos do trabalho socialmente necessário, o art. 3º, al. a), b) e c) da Portaria nº 128/2009), prevendo especificadamente a referida Portaria como promotores as entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, designadamente, entidades de solidariedade social que ofereçam ocupação ao desempregado (art. 4º da Portaria), nos condicionalismos definidos legalmente.


Assim, é de entender que nos presentes autos estamos perante uma relação jurídica administrativa, a qual está submetida à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, alínea a) do ETAF.


Do regime legal citado tal com tem sido interpretado e aplicado uniformemente por este Tribunal dos Conflitos, conclui-se que nos presentes autos estamos perante uma relação jurídica administrativa que, consequentemente, está submetida à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, alínea a) do ETAF.

5. dispositivo:


Pelo exposto, o Tribunal de Conflitos julgando improcedente o recurso decide atribuir à jurisdição administrativa e fiscal – concretamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel - a competência material para conhecer da ação intentada neste processo pela recorrente AA contra a ré Ajudaris.


Não são devidas custas – art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro.


Lisboa, 17 de abril de 2024. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.

1. Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 020/18: http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

2. “A Justiça Administrativa” 17.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 49.

3. “Direito Administrativo”, volume III, Lisboa, 1989, pág. 439.

4. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

5. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/-/2F8F00BF21BB3448802581C600383211

6. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ebc7ad993489841980258514003fa606

7. https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5fff4ae9de95b3cc802586d100557930

8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3942f7e8322a23788025866c00409b95

9. http://www.gde.mj.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d00d305b53fccb5a80258a6d0030bc2a