Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:046/15
Data do Acordão:02/04/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
COMPETÊNCIA
JURISDIÇÃO COMUM
Sumário:I – É de reivindicação a acção em que a autora peça a declaração da propriedade sobre uma coisa e a condenação do réu, detentor dela, a restituí-la.
II – Essas acções reais não se incluem em qualquer das hipóteses do art. 4º do ETAF, motivo por que devem ser conhecidas pelos tribunais comuns – cuja competência é residual (arts. 66º do CPC e 64º do actual CPC).
Nº Convencional:JSTA000P20058
Nº do Documento:SAC20160204046
Data de Entrada:11/06/2015
Recorrente:EMGHA – GESTÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL DE CASCAIS, E.M., S.A., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, CASCAIS – INSTÂNCIA CENTRAL – 2ª SECÇÃO CÍVEL, J1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:
EMGHA – Gestão da Habitação Social de Cascais, EM, SA, intentou em 2012 no TAF de Sintra uma «acção administrativa comum» – submetida, «expressis verbis», aos «termos do disposto no art. 1311º e ss. do Código Civil» – onde pediu a condenação do réu A…………. a reconhecer que determinado fogo, por ele ocupado, é propriedade do Município de Cascais, a restituí-lo à autora e a pagar-lhe «as indemnizações mensais vincendas» até efectiva restituição do imóvel.

Na fase do saneador, o TAF julgou-se incompetente «ratione materiae» por estar em causa um contrato de arrendamento de direito privado, cujas vicissitudes seriam cognoscíveis pelos tribunais comuns.

E, remetido o processo à comarca de Lisboa Oeste – Instância Central de Cascais – por solicitação da autora, o Mm.º Juiz desse tribunal considerou que, discutindo-se o despejo de um locado «sob a égide do regime da renda apoiada», a questão seria jurídico-administrativa; razão por que esse tribunal declarou também a sua incompetência material para conhecer do pleito.

Ambas as decisões, negatórias da competência «ratione materiae» da própria jurisdição e atributivas dessa competência à outra, transitaram em julgado.
E a autora solicitou ao Sr. Juiz de Cascais que remetesse o processo a este Tribunal dos Conflitos, tendo ele anuído através do seu despacho de fls. 211.

O Ex.º Magistrado do MºPº junto do Tribunal dos Conflitos emitiu douto parecer no sentido da acção dos autos ser de reivindicação e, assim, cognoscível pelos tribunais comuns.

Cumpre decidir.
É seguro e inquestionável que a competência «ratione materiae» dos tribunais se afere pelo pedido formulado na petição, ainda que ele possa ou deva ser esclarecido pela respectiva «causa petendi». «In casu», a pretensão principal que a autora enunciou, e que funciona como caracterizadora do pleito, enquadra-se tipicamente nas acções de reivindicação (art. 1311º do Código Civil); pois consiste nos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade sobre um imóvel e de condenação do réu ocupante a restituí-lo.
Assim, e face ao «petitus», a acção dos autos apresenta-se como uma «reivindicatio». E essa sua índole não é negada pela factualidade descrita na petição, relativa ao que sucedeu com um anterior contrato de arrendamento referente ao imóvel. É que esse circunstancialismo, alegado pela autora «in initio litis», opera – na economia da lide – como a alegação antecipada de que o réu ocupa o fogo reivindicado sem dispor de um título justificativo da sua detenção.
Portanto, as duas decisões antagónicas e ora em confronto comungam do mesmo erro de perspectiva: o de localizarem o dissídio num contrato de arrendamento – ainda que depois elas divergissem quanto à natureza pública ou privada desse negócio. Quando, afinal, nenhum contrato está na base da acção, cuja estrutura – verdadeiramente limitada à alegação do direito de propriedade sobre uma coisa detida pelo réu – obriga a configurá-la como uma autêntica e genuína «reivindicatio».
Ora, e como este Tribunal dos Conflitos tem repetidamente dito (cfr., v.g., o aresto que resolveu o Conflito n.º 12/10), não há, no ETAF vigente aquando da propositura da causa, uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de acções de reivindicação («vide», a propósito, o seu art. 4º). Solução que bem se compreende, pois o que nelas essencialmente se discute é a questão, puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo «dominus» existe e é oponível ao réu, por forma a tirar-lhe a detenção da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público – se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a sua detenção.

Consequentemente, é de concluir que a competência «ratione materiae» para conhecer da presente acção de condenação cabe, a título residual («vide» o art. 64º do CPC vigente, que corresponde ao art. 66º do CPC anterior) aos tribunais comuns.

Nestes termos, acordam em anular o despacho, negatório da competência, proferido na comarca de Lisboa Oeste (Instância Central de Cascais) e em resolver o conflito «sub specie» declarando a jurisdição comum competente para julgar a acção dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2016. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Carlos Francisco de Oliveira Lopes Rego – António Bento São Pedro – Isabel Celeste Alves Pais Martins – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Paulo Távora Victor.