Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:035/15
Data do Acordão:02/04/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I - O art. 4º, nº 1, alínea e) do ETAF, só atribuiu aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para conhecer de acção por incumprimento de contrato de empreitada celebrada entre privados se essa celebração tiver sido precedida de procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público por imposição expressa de lei.
II - O que quer dizer que a competência da jurisdição administrativa para o julgamento das acções por incumprimento de contrato de empreitada não depende da natureza do mesmo nem da qualidade dos seus sujeitos mas, apenas e tão só, do facto dele ter sido precedido de um procedimento regido por normas de direito público por força de lei específica.
Nº Convencional:JSTA00069560
Nº do Documento:SAC20160204035
Data de Entrada:07/24/2015
Recorrente:A............ - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DE AVEIRO, INSTÂNCIA CENTRAL CÍVEL DE SANTA MARIA DA FEIRA, 2ª SECÇÃO - J2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO JURISDICIONAL TAF AVEIRO - TJ SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão:DECL COMPETENTE TJ SANTA MARIA DA FEIRA
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CONST05 ART211 N1 ART212 N3.
ETAF02 ART4 N1 E ART9 N1.
DL 172-A/14 DE 2014/11/14.
DL 405/93 DE 1993/12/10 ART48.
DL 119/83 DE 1983/02/25 ART23.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC021/12 DE 2013/05/23.; AC TCF PROC0356 DE 2000/10/03.; AC TCF PROC0318 DE 2000/07/11.; AC TCF PROC0212 DE 1991/05/07.; AC STA PROC046049 DE 2001/03/07.; AC STA PROC018487 DE 1997/05/08.; AC STA PROC036380 DE 1995/07/06.; AC STA PROC032278 DE 1994/01/27.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO 2010 PAG166.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 2011 PAG101.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos:

1. B………… LDA., sociedade comercial com sede em Arouca, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (doravante TAF) acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra a ASSOCIAÇÃO A………… - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, com sede em Santa Maria da Feira, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 34.743,47, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até efectivo pagamento, para o que alegou ter celebrado com a Ré o contrato de empreitada junto aos autos e ter cumprido todas as suas cláusulas e esta não ter pago as facturas emitidas e vencidas identificadas na petição relativamente a trabalhos realizados.

A Ré contestou alegando não lhe poder ser exigido o pagamento da “totalidade do montante titulado pelas facturas emitidas pela Autora enquanto esta não proceder à eliminação dos defeitos” que lhe foram comunicados.

Aquele Tribunal julgou-se incompetente, em razão da matéria, para decidir essa acção, declarando que essa competência cabia à jurisdição comum. Para decidir desse jeito ponderou:
“A presente acção constitui assim uma acção destinada a efectivar responsabilidade civil contratual, na medida em que a Autora invoca e pretende fazer valer o referido contrato de empreitada pedindo o pagamento do respectivo preço, em parte ainda não pago (pelos trabalhos já efectuados e vertidos nos autos de medição) bem como os respectivos juros a título de indemnização pelo atraso no pagamento do referido preço.
Ora, tal relação jurídica controvertida não constitui uma relação jurídica administrativa ou fiscal, não se encontrando, por conseguinte, abrangida no âmbito da competência destes Tribunais, mas sim dos Tribunais Judiciais, atenta a relação jurídica subjacente, o contrato em causa (dele não resultando desde logo cláusulas que possam ser consideradas exorbitantes e, assim, específicas apenas dos contratos de natureza jurídico-administrativa) e a natureza jurídica privada dos seus sujeitos, Tribunais que são os materialmente competentes para apreciar o presente litígio (cfr. artigos 211° nº 1 e 212° n.º 3 da CRP; artigos 1° e 4° n.º 1 do ETAF e artigo 18° n.º 1 da LOFTJ).
Com efeito, mesmo considerando a enumeração exemplificativa vertida nas alíneas do n.º 1 do artigo 4° do ETAF, a situação dos autos não se subsume em nenhuma das situações previstas nas mesmas alíneas, mormente na alínea f) ….”

Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira este aceitou ter competência para conhecer do litígio.

A Ré recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto - invocando que a celebração do contrato de empreitada tinha sido precedida de um procedimento contratual de natureza pública e que, por isso, deveriam ser os Tribunais Administrativos a julgar a acção – e aquele concedeu provimento ao recurso por entender que o contrato que servia de fundamento à acção tinha sido precedido de procedimento pré contratual regulado por normas de direito público e que, por ser assim, e por a al.ª e), do n.º 1, do art.º 4.º do ETAF conferir aos TAF a competência para conhecer das questões relativas à validade e execução de contratos submetidos a um procedimento pré contratual de natureza pública, era aos Tribunais Administrativos que cabia julgar esta acção. Daí que tivesse declarado a incompetência em razão da matéria do tribunal comum para conhecer das pretensões formuladas nestes autos e atribuísse essa competência à jurisdição administrativa. Para tanto argumentou:
“ … o critério fundamental que subjaz à determinação da competência dos tribunais administrativos e fiscais (artigo 1°, n.º 1, do ETAF) não rege nalgumas hipóteses, como resulta do que se acaba de expor e também no que tange a responsabilidade extracontratual de pessoas colectivas públicas. De facto, face ao actual figurino da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais desenhado no respectivo Estatuto, na redacção dada pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, alguns litígios meramente civis são da competência destes tribunais.
No caso em apreço, a celebração do contrato de empreitada que serve de fonte às pretensões formuladas pela autora foi precedida de concurso público nos termos previstos no artigo 48° do DL n.º 405/93, de 10/12. Por isso, não subsistem quaisquer dúvidas de que a celebração do contrato que fundamenta as pretensões da autora foi precedida de um procedimento pré-contratual de natureza pública, sendo por isso o conhecimento do objecto do litígio em razão da matéria da competência da jurisdição administrativa, por força do disposto no artigo 4°, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória (art.º 577°, al.ª a), do CPC), insanável (artigos 6°, n.º 2 e 278°, nº 3, ambos do CPC), de conhecimento oficioso (artigo 578° do CPC) e determina a absolvição da instância (artigos 278°, nº 1, alínea a e 576°, nº 2, ambos do CPC).
Assim, face a tudo quanto se expôs, conclui-se que o recurso de apelação interposto pela Associação A………… - Associação de Desenvolvimento Social, IPSSS, devendo revogar-se a decisão sob censura proferida a 14 de Junho de 2013 que se substitui por decisão que declara a incompetência em razão da matéria do tribunal comum para conhecer das pretensões formuladas nestes autos, ex vi artigo 4°, n.º 1, alínea e), do ETAF e, em consequência, absolve-se a recorrente da instância, por força do disposto nos artigos 278°, nº 1, alínea a) e 576°, nº 2, ambos do CPC.”

A referida contradição de julgados levou a que fosse requerida a resolução do conflito negativo de competência que se havia formado o que determinou a remessa dos autos a este Tribunal dos Conflitos, nos termos e para os fins do disposto nos art.ºs 109.º/1, 110.º e 111.º do CPC.

Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do conflito ser resolvido a favor dos Tribunais Judiciais pela seguinte ordem de razões:
“Mas, para que possa ser utilizado o critério da referida al.ª e) não basta que tenha sido utilizado um procedimento pré-contratual, ainda que com a invocação duma norma legal. É também necessário que haja lei específica que submeta o contrato, ou que admita que seja submetido, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Ora, aquele artigo 48° (do DL 405/93) não contém um tal comando ou permissão específica. Essa a diferença fundamental com o caso decidido no acórdão deste Tribunal, de 23-05-2013, proc. 21/12.
Não havendo lei específica a impor ou a admitir o procedimento pré-contratual de direito público, não pode presumir-se a natureza administrativa da redacção jurídica na falta de outros critérios que assim a permitam qualificar. Como se diz no acórdão deste Tribunal, de 11-03-2010 (proc. 28/09), «o acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica é aqui colocado, não no conteúdo do contrato nem na qualidade das partes, mas nas regras de procedimento pré-contratual potencialmente aplicáveis» - cfr., também, o ac. de 16-02-2012, proc. 21/11.
Assim, a competência material não pode ser conferida aos TAF à sombra da referida alínea e) do artigo 4° do ETAF, “ (...) que não se basta, por exemplo, com a regulação geral pelo CPA ou pelas leis relativas às despesas públicas, exigindo que se trate de um procedimento especialmente regulado pelo direito nacional ou comunitário como procedimento público (...)“ (cfr. Vieira de Andrade, o. c., pp. 113 e s.)
E tão pouco o deve ser à luz da alínea f), cuja previsão corresponde, grosso modo, ao universo dos contratos administrativos enquadráveis nos critérios hoje estabelecidos pelo artigo 1°/6 do CCP.”

Esclarecidas as razões da divergência entre os Tribunais em conflito cumpre determinar qual deles é o materialmente competente para o julgamento da acção intentada por B………… LDA. Para o que importa conhecer a factualidade que está na base do conflito.

2. O Acórdão do Tribunal da Relação julgou provada a seguinte matéria de facto:
I.
Na terceira série do Diário da República, de 31/10/1997, n.º 253, página 21921, foi publicado um anúncio com o seguinte teor:
Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
Associação A…………

Anúncio
Concurso Público
(nos termos do artigo 48° do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10/12)

Local da execução - ……, ………, concelho de Santa Maria da Feira.
Designação da empreitada - construção do centro comunitário de ……….
Natureza e extensão dos trabalhos - construção do edifício para o centro comunitário e arranjos exteriores.
O preço para efeito do concurso, excluído o IVA, é de 77.886.000$00.
A empreitada refere-se à totalidade das obras referidas nos respectivos cadernos de encargos, memórias, peças desenhadas e folhas de medição.
O prazo de execução da obra será de 12 meses de calendário.
O processo do concurso e documentos complementares podem ser examinados ou pedidos na Divisão de Estudos e Projectos da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, 4520 Santa Maria da Feira, nos dias úteis, das 9 às 12 e das 14 às 16 horas.
Podem ser examinadas ou solicitadas cópias autênticas de processo de concurso e da documentação até às 16 horas do 20° dia útil após publicação deste anúncio no Diário da República, com o pagamento prévio de 16.500$00, para a totalidade dos documentos.
As propostas documentadas deverão ser apresentadas até às 17 horas do 30° dia posterior à publicação deste anúncio no Diário da República, na Divisão Social da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
As propostas e documentos deverão ser redigidos em língua portuguesa.

São autorizados a intervir no acto público do concurso os concorrentes e as pessoas por si credenciadas, conforme o n.º 5.2 do programa do concurso.
Este acto terá lugar no 1 ° dia útil que se seguir ao termo do prazo para entrega das propostas, pelas 10 horas e 30 minutos, na Divisão Social da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
A caução a exigir para garantir o contrato é de 5% do valor da adjudicação e 5% a descontar em cada auto de medição.
A empreitada é por preço global e as modalidades essenciais de financiamento e de pagamento são autos de medição.
Modalidade jurídica de associação de empresas - consórcio externo de responsabilidade solidária.
Para ser admitido ao concurso é necessário possuir alvará de empreiteiro de obras públicas e autorizações seguintes e de acordo com a proposta apresentada: 2ª 4ª e 12ª subcategorias da 1.ª categoria.
O prazo de validade das propostas deverá ser de 66 dias, contados da sua abertura.
Os critérios básicos de apreciação das propostas são os estabelecidos no artigo 97.º do Decreto Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro:
Preço - 60%;
Capacidade técnica - 25%,’
Capacidade económica e financeira - 15 %

Paços do Município de Santa Maria da Feira, 15 de Outubro de 1997
O Presidente da Câmara.
(Assinatura ilegível.)”
II
A 29 de Janeiro de 1998, na sede da Associação A…………, enquanto primeira outorgante e B…………, Lda., enquanto segunda outorgante, subscreveram documento escrito intitulado “Contrato de Adjudicação da Empreitada de Construção do “Centro Comunitário de ………”, no qual constam, entre outras, as seguintes declarações:
Após a abertura do Concurso Público, publicado a 31 de Outubro de 1997, em Diário da República, III série, para a realização desta empreitada, foi deliberado em Sessão da Direcção da Associação adjudicá-la à B…………, Lda., de Arouca, tendo deliberação sido formada com base no relatório da Comissão de Análise das Propostas apresentadas pelos concorrentes que responderam ao concurso.

Nestes termos é convencionado o presente contrato que se regula pelas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira:
Associação A………… adjudica à Firma B…………, Lda., que aceita executar, a empreitada de “Construção do Centro Comunitário de ………”, nos termos da Proposta apresentada ao concurso, de harmonia com o caderno de Encargos da Obra, para o qual remete a mesma Proposta, que deverá ser rigorosamente cumprido e que fica a fazer parte integrante deste contrato.
Cláusula Segunda:
Trabalhos deverão ser executados dentro das boas, normas da especialidade e de acordo com todas as peças que compõem o Caderno de Encargos e Projecto, cumprindo a “Firma B………… Lda. as instruções que para tal fim, lhe foram dadas pela “Fiscalização “, a qual é da responsabilidade da Associação A………….”
III
A Associação de Solidariedade Social designada “A………… - Associação de Desenvolvimento Social” constituiu-se por tempo indeterminado, como Instituição Particular de Solidariedade Social, tendo como objectivos:
“a) Promover a melhoria das condições de vida da população mais vulnerável e desfavorecida, agindo preventivamente sobre os factores de exclusão e de marginalidade social;
b) Desenvolver acções no âmbito da prevenção primária, secundária e terciária das toxicodependências;
c) Dinamizar e desenvolver actividades de prevenção, intervindo com especial incidência em zonas degradadas do Concelho,
d) Promover a dinamização da acção e intervenção ao nível da comunidade, abrangendo os mais diversos grupos etários;
e) Cooperar com associações e entidades congéneres;
f) Promover, em colaboração com as escolas, organizações e associações culturais e/ou recreativas, acções ou campanhas para desenvolver os valores da saúde e vida, no sentido da criação de um clima que gere o gosto de viver em harmonia e equilíbrio pessoal e social
g) Suscitar a intervenção e apoio dos poderes públicos na realização dos objectivos da Associação;
h) Promover espaços de encontro e debate para crianças, jovens e educadores, fomentando alternativas para o uso do tempo livre;
i) Promover espaços de aprendizagem de artes e ofícios facilitadores de (re)inserção sócio-profissional de jovens em dificuldade,
j) Integrar, promover e coordenar acções, projectos em curso e/ou a serem programados pelo Núcleo Concelhio do Projecto Vida, designadamente Inter Escolas, Pico e Formação de Pais.”
IV
No dia 09 de Setembro de 2009, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, B…………, Lda. instaurou acção declarativa com processo ordinário contra a Associação A………… - Associação de Desenvolvimento Social pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia de trinta e quatro mil setecentos e quarenta e três euros e quarenta e sete cêntimos relativos a trabalhos que prestou à ré no âmbito do contrato de empreitada mencionado em 3.2 e dezoito mil cento e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimos, referentes a juros de mora vencidos contados à taxa Iegal em vigor para as relações comerciais sobre aquele capital desde 01 de Janeiro de 2005 até à propositura da acção.

3. É sabido que, nos termos constitucionais, "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" (art.º 211.º/1 da CRP), e que aos tribunais administrativos "compete o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas" (art.º 212.º/3 da CRP), normativo que o ETAF verteu para a legislação ordinária onde se estatuiu que “os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” (seu art.º 1.º/1).
Podemos, assim, afirmar que, por um lado, a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão, visto lhe caber julgar todas as acções que não sejam atribuídas por lei a outros Tribunais e, por outro, que o conceito de relação jurídica administrativa e fiscal é decisivo para a definição da competência dos Tribunais Administrativos na medida em que lhes foi atribuída a competência para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O que vale por dizer que caberá aos Tribunais Administrativos decidir o conflito quando o mesmo tenha surgido no âmbito das relações jurídicas administrativas.
Se assim é – isto é, se o que determina a competência material dos Tribunais Administrativos para o julgamento de certas acções é a existência de um conflito de interesses emergente de relações administrativas – cumprirá saber se o conflito desenhado nestes autos é um conflito nascido no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, maxime de um contrato administrativo pois que, se assim for, fica resolvida a questão que temos para resolver. Não é, assim, não é a qualidade pessoal da Ré – designadamente a sua qualidade de pessoa colectiva pública - nem o tipo de interesses que a mesma representa que irá determinar a identificação do Tribunal competente visto essa competência resultar da natureza das relações que estabeleceu com a Autora, a forma que revestiram e os fins que visaram concretizar.
E, porque assim, estando em causa o cumprimento de um contrato e definindo a lei que este será administrativo quando dele resultar “constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo” (art.º 9.º/1 do ETAF) importará saber se a empreitada ora em causa pode ser qualificada como um contrato administrativo, pois que, se o puder, está solucionada a divergência que fez os autos subirem a este Tribunal. Ou seja, e dito de outro modo, sendo a jurisdição administrativa a competente para apreciar e julgar os conflitos emergentes dos contratos administrativos e sendo que só são administrativos os contratos que constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas, o que será decisivo para a resolução do presente conflito é apurar se a relação jurídica constituída com a celebração do referido contrato é administrativa. - Vd. Acórdãos do Tribunal de Conflitos de de 11/7/00, proc. n.º 318, de 3/10/00, proc. n.º 356, e de 7/5/91, proc. n.º 212 e os Acs. do S.T.A. de 27.1.94, proc.º n.º 32.278, de 8.5.97, proc.º nº 18.487, de 6.7.95, proc.º nº 36.380 e de 7.3.01, proc.º n.º 46.049.

4. Está assente que a Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social e que o contrato fundamento do pedido formulado nesta acção foi precedido de concurso público lançado ao abrigo do que se dispunha no art.º 48.º do DL 405/93, de 10/12, devidamente publicitado na 3.ª série do DR de 31/10/97. O que vale por dizer que o contrato foi celebrado no final de um procedimento regido por normas de direito público.
Se assim é, e se o art. 4º/1/e) do ETAF prescreve caber aos tribunais administrativos a apreciação dos litígios que tenham por objecto “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica (Sublinhado nosso.) que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público” haverá que concluir que o litígio terá de ser dirimido nos Tribunais Administrativos se o procedimento pré-contratual que precedeu a celebração do contrato teve lugar por força de lei específica e que caberá aos Tribunais comuns julgá-lo se aquele procedimento não resultou de obrigação legal mas, unicamente, da vontade da adjudicante.

A sentença do TAF de Aveiro e o Ilustre Magistrado do M.P. atribuíram aquela competência aos Tribunais comuns por razões não coincidentes. A primeira porque considerou que a pedra de toque nesta questão era a da natureza do contrato celebrado e, se assim era, e se acção proposta se destinava a efectivar responsabilidade civil emergente de um contrato celebrado entre dois sujeitos privados, a relação jurídica subjacente era de direito privado e não uma relação jurídica administrativa, o que determinava a competência dos Tribunais comuns para a resolução do litígio, qual teria de ser julgada nos Tribunais comuns. O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, por seu turno, também considerou competente a jurisdição comum mas por uma razão diferente; por entender que o procedimento pré-contratual que precedeu a celebração do contrato foi uma escolha livre da entidade que lançou o concurso e que o art.º 4.º/1/e) do ETAF só atribuía essa competência aos Tribunais Administrativos quando aquele procedimento fosse obrigatório por força de lei. O que não era o caso.

Este entendimento não foi, porém, compartilhado pelo Tribunal da Relação do Porto que entendeu que a circunstância do contrato ter sido precedido de procedimento pré contratual regulado por normas de direito público bastava para que, por força do disposto na citada norma do ETAF, a competência para o julgamento da acção tivesse de ser atribuída aos TAFs.

E há que reconhecer que a razão está do lado do TAF de Aveiro mas não pelos motivos que ele invoca. E isto porque, ao contrário do que ele supôs, não é o facto da empreitada em causa ser um contrato de direito civil celebrado por sujeitos privados que determina a competência dos Tribunais comuns para julgar a acção mas a circunstância da celebração daquele contrato não ter de ser, por força de lei específica, precedida de um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (art.º 4.º/1/e) do CPTA). Com efeito, como vem sendo decidido por este Tribunal de Conflitos, o que resulta daquela norma é que compete “à jurisdição administrativa dirimir todos os litígios relativos a todos os contratos que, independentemente da sua natureza e da qualidade dos contraentes, foram, por imposição legal (Sublinhado nosso.) precedidos de um procedimento pré - contratual regulado por normas de direito público. Na verdade: (i) a letra não distingue entre contratos públicos e contratos privados, nem entre contraentes públicos e contraentes privados; (ii) inclui na previsão da norma não só as questões relativas à formação do contrato, mas também as da interpretação, validade e execução dos contratos; (iii) e quanto a estas, não as restringe às que estejam associadas à adjudicação ou, em geral, ao procedimento pré-contratual. [Cfr., no mesmo sentido, quanto a este ponto, M. AROSO DE ALMEIDA, in “Manual de Processo Administrativo”, 2010, p. 166, nota (98); em sentido contrário, VIEIRA DE ANDRADE, in “A Justiça Administrativa”, 2011, p. 101, nota (180).]”Acórdão deste Tribunal de 23/05/2013 (Conflito n.º 21/12).
Em suma: o que a citada norma do ETAF determina é que a competência da jurisdição administrativa para o julgamento das acções como aquela que está aqui em causa não é a natureza do contrato nem a qualidade dos seus sujeitos mas o facto do mesmo ter sido precedido de um procedimento regido por normas de direito público por imposição legal.

Esclarecida a problemática doutrinal, resta analisar se o contrato ora em causa foi precedido de procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público por vontade da entidade que lançou o concurso ou se tal aconteceu por força de disposição legal.

5. O referido concurso foi aberto pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira nos termos do art.º 48.º do DL 405/93, de 10/02 (Cuja redacção era a seguinte:
Artigo 48.°
Concurso público
1 - O concurso diz-se público quando todas as entidades que se encontrem nas condições gerais estabelecidas por lei podem apresentar proposta.
2 - O processo de concurso público compreende as fases de abertura do concurso, apresentação da documentação, habilitação dos concorrentes, verificação dos requisitos das propostas e adjudicação.),norma que não exigia que a empreitada posta a concurso fosse precedida de procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Obrigação essa que não também não decorria do disposto no art.º 23.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo DL 119/83, de 25/02, já que este se limitava a estatuir que “a empreitada de obras de construção ou de grande reparação ….. deverá ser feita em concurso ou hasta pública, conforme for mais conveniente (Cujo n.º 1 – o único que aqui nos interessa - dispunha o seguinte: “ A empreitada de obras de construção ou de grande reparação, bem como a alienação e o arrendamento de imóveis pertencentes às instituições, deverá ser feita em concurso ou hasta pública, conforme for mais conveniente.),não se podendo retirar desta disposição qualquer obrigatoriedade para que o contrato tivesse de ser precedido por procedimento regulado por normas de direito público, visto nem todos os concursos terem de decorrer de acordo com tais regras (Diferente é a situação actual por aquele n.º 1 do art.º 23.º ter sido alterado pelo DL 172-A/2014, de 14/11, e ter passado a ter a seguinte redacção: “A empreitada de obras de construção ou de grande reparação pertencentes às instituições, devem observar o estabelecido no Código de Contratos Públicos, com excepção das obras realizadas por Administração directa até ao montante de 25 mil euros.”).
O que quer dizer que o procedimento pré-contratual que precedeu a celebração do contrato ora em causa não era exigido nem pelo art.º 48° do DL 405/93, de 10/03, nem por qualquer outra norma ou diploma legal e que o mesmo só foi submetido a esse procedimento por vontade da parte adjudicante.
Se assim é forçoso concluir que a competência para julgar a acção proposta por B………… LDA contra a ASSOCIAÇÃO A………… - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL aos TAF está sedeada nos Tribunais comuns.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em julgar os Tribunais da jurisdição comum os competentes para julgar a referida acção.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2016. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Ana Paula Lopes Martins Boularot Jorge Artur Madeira dos Santos António Leones Dantas Vítor Manuel Gonçalves Gomes Gabriel Martim dos Anjos Catarino.