Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:019/14
Data do Acordão:01/21/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SANTOS CABRAL
Descritores:TRIBUNAL DE CONFLITOS.
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL.
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00069043
Nº do Documento:SAC20150121019
Data de Entrada:03/20/2014
Recorrente:A..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:REC PRE CONFLITO
Objecto:AC RP
Decisão:DECL COMPETENTE TTRIB
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 ART32 N1 C ART33 N1 C ART41 N1 B ART42 N1 B ART49 N1 C.
CPC96 ART31 N1 ART64 ART470 N1.
LOFTJ APROVADA PELA L 62/13 DE 2013/01/13 ART37.
CCIV66 ART483.
L 4/86 DE 1986/01/06.
Jurisprudência Nacional:AC CONFLITOS N2/04 DE 2004/10/27.; AC STA PROC031478 DE 1993/05/13.; AC STA PROC039911 DE 1996/05/28.; AC STA PROC040222 DE 1999/03/03.; AC STA PROC044068 DE 1999/10/13.; AC STA PROC046821 DE 2002/06/05.; AC STA PROC01927/03 DE 2004/02/11.; AC STJ DE 1978/06/06 IN BMJ N278 PAG122.; AC STJ DE 1998/02/12 IN CJ ACSSTJ I PAG163.; AC STJ PROC414/13 DE 2003/05/14.; AC STJ PROC2059/03 DE 2003/10/01.; AC STJ PROC743/03 DE 2004/01/14.; AC STJ DE 1990/02/20 IN BMJ N394 PAG453.; AC STJ DE 1989/06/27 IN BMJ N388 PAG464.; AC STJ DE 1978/06/06 IN BMJ N278 PAG122.; AC STJ DE 1995/05/09 IN CJ DE 1995 II PAG68-70.; AC STJ DE 2000/05/03 IN CJ DE 2000 II PAG439.; AC STJ DE 2008/12/27 IN CJ DE 2008 III PAG146.; AC STJ PROC2673/02 DE 2003/02/05.; AC STJ PROC2468/03 DE 2003/10/29.; AC STJ PROC1696/03 DE 2006/06/24.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1976 PAG90-94.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLI PAG110.
SANTOS BOTELHO - CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO 3ED PAG13.
ILÍDIO DAS NEVES - DIREITO DA SEGURANÇA SOCIAL PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NUMA ANÁLISE PROSPECTIVA 1996 PAG328.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos

A…………………. veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão de primeira instância que, apreciando a existência da excepção dilatória de incompetência material, a julgou procedente, entendendo que a competência para apreciar o presente litígio residia no Tribunal Administrativo o que, por força do disposto nos artigos 105º e 288º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC, obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância (cf. art.º 493º do CPC).
Tal recurso foi admitido nos termos do artigo 107 nº 2 do Código de Processo Civil (redacção aplicável)() Artigo 101 nº 2 do actual Código de Processo Civil
como interposto para este Tribunal de Conflitos.
Em sede do presente recurso alega o recorrente que:
a) Os danos patrimoniais causados ao Autor, referente ao pagamento do subsídio desemprego, subsídio social e o subsídio doença, decorreram de falhas cometidas pela B…………… no ato do contrato de trabalho e da rescisão do mesmo por mútuo acordo.
b) As alegações do Autor na peça exordial, nada tem a ver com actos administrativos, e sim actos emergentes de contrato individual de trabalho, uma vez que houve erro da B…………… ao deixar de comunicar factos importantes ao I.S.S.
c) O Autor requereu a desistência da instância contra o Instituto da Segurança Social, reconhecendo que a B…………. foi quem lhe causou os danos.
d) O I.S.S. deixou de manifestar-se sobre pedido de desistência da instância, embora tenha sido devidamente notificada, o que levou ao Autor crer, com base no art. 296º, do Código Processual Civil) (art. 286°, do atual C.P.C), que este tenha acatado o pedido de desistência.
e) O Tribunal “a quo” deixou de apreciar o pedido de desistência da instância em favor do I.S.S.
f) Entende o Autor, mesmo após a contestação, ao desistir dos pedidos contra o I.S.S., e este por não se manifestar ao contrário, deixou de existir a incompetência do Tribunal de 1ª Instância, e por efeito, sendo o litígio decorrente de actos de contrato de individual de trabalho contra a B……………., é o Tribunal “a quo” competente em razão da matéria.
Consequentemente, requer a revogação do acórdão recorrido e a reforma da sentença “a quo” que julgou a incompetência em razão da matéria, e por isto, absolveu as Rés da instância de forma que o Autor obtenha do Tribunal judicial uma decisão de mérito.
A Exª Srª Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
*
Cumpre decidir.
O Autor propôs a presente acção declarativa comum ordinária com os seguintes fundamentos:
O Autor em 21/02/2007 recebeu um ofício, enviado pela 2ª Ré, informando-lhe sobre o deferimento da pensão com registo de remunerações no regime geral de segurança social, e que também informaram que procederiam o cálculo da pensão unificada de acordo com o Dec. Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro.
O cálculo acima mencionado baseia-se na transição da prestação de serviço do Autor na Câmara Municipal de Sabrosa para a B…………..
A 2ª Ré, no dia 13/11/2008, enviou ao Autor um aditamento do ofício com data de 21/02/2007 informando-lhe que não havia lugar à atribuição do regime da pensão unificada, ao abrigo do Dec. Lei n.º 361/98, dado que segundo informação da Caixa Geral de Aposentações nunca foi subscritor.
Junto com o ofício de 21/02/2007, o Autor recebeu uma acta informando-lhe o valor da pensão a receber, bem como os períodos com as respectivas contribuições.
Diante das informações prestadas pela 2ª Ré, o Autor requereu junto a Câmara Municipal de Sabrosa uma certidão que informasse o período que prestou seus serviços àquela Autarquia, compreendido entre 15/04/1970 a 30/03/1979, o que prontamente foi atendido, como prova certidão em anexo.
A certidão supra mencionada também informa que o Autor trabalhou ininterruptamente e a tempo integral, tendo-lhe os Serviços da Caixa Geral de Aposentações atribuído o número de subscritor ………….
Também, a fim de fazer prova do tempo de trabalho à 2ª Ré, o Autor enviou uma carta à 1ª Ré para prestar a informação ao I.S.S. que lá trabalhou no período compreendido entre Abril de 1979 a Março de 1982.
Em 03/03/2010, a 1ª Ré prontamente atendeu o pedido do Autor e informou à 2ª Ré que o mesmo prestou seus serviços no período descrito no artigo anterior, a qual apresentou uma declaração com a discriminação de pagamento dos meses trabalhados. Após análise da 2ª Ré sobre os assuntos anteriormente tratados, a mesma através do ofício de 27/09/2010 informou ao Autor que sua situação contributiva foi regularizada em 01/09/2010, como prova documentos em anexo.
O Autor no dia 13/12/1999 acordou com a 1ª Ré a rescisão do contrato por mútuo acordo, inserido no plano de redução de efectivos, determinada pela reestruturação da empresa.
No dia 15/12/1999 a 1ª Ré preencheu a declaração da entidade empregadora para ser apresentada à 2ª Ré, juntamente com o certificado de trabalho, o qual discriminava o tempo de serviço e funções desempenhadas.
No mesmo dia o Autor dirigiu-se a sede da 2ª Ré e apresentou os documentos supra mencionados para requerer o subsídio de desemprego.
Em resposta ao pedido de subsídio de desemprego a 2ª Ré enviou ao Autor um ofício, com data de 13/09/2000, informando-lhe que seu pedido fora indeferido com base no n.º 1, do art. 16º, do Dec. Lei n.º 119/99, de 14 de abril, junto com o extracto.
No dia 24/07/2000, a 2ª Ré emitiu um ofício ao Autor dizendo que o mesmo poderia possivelmente ter atribuição do subsídio social de desemprego, contudo listou algumas exigências que deveriam ser cumpridas.
O Autor no dia 09/08/2000 enviou uma carta a 2ª Ré cumprindo tais exigências, conforme documento em anexo.
Até à presente data o Autor aguarda uma resposta do I.S.S. sobre ter ou não a possibilidade de receber o subsídio de desemprego, através do ofício nº 027003.
Diante da falta de resposta do ofício anteriormente mencionado, e até mesmo o porquê o extracto apresentado nada dizia, o Autor requereu à 2ª Ré que informasse mais detalhadamente o período de sua contribuição como trabalhador.
Em resposta ao pedido supra, o I.S.S. emitiu em 21/05/2002 o ofício 022033, prestando informações erradas sobre os períodos de contribuição bem como a entidade patronal. A Ré “rectificando” o engano, emitiu uma declaração corrigindo a entidade patronal e em parte o período contributivo.
O motivo do Autor não ter recebido o subsídio de desemprego a que tinha direito foi por conta dos sucessivos enganos cometidos pela 2ª Ré e, em parte, da 1ª Ré na contagem do número de contribuições.
O período e duração da concessão das prestações de desemprego devidas ao Autor, na época, são informadas através da alínea d), do nº 2 e nº 03, do art. 31º, do Decreto-Lei nº 119/99, de 14 de abril.
O Autor, com fulcro no art. 32º, do Decreto-Lei nº 119/99, de 14 de abril, também tinha
o direito de receber o subsídio social de desemprego, derivado sua idade que ultrapassava os 50 anos e possuía 20 anos de contribuição, e a 2ª Ré, por motivo dos erros apresentados nas contribuições, deixou de o pagar, vencimentos dos períodos compreendidos entre 10/09/1998 a 30/11/1999.
O Autor deixou de receber da 2ª Ré os valores referentes às baixas bem como os
O Autor, decorrente de problemas de saúde, recebeu do Centro de Saúde de Vila Real o boletim de baixa que iniciou no dia 18/02/1998.
O Autor, sempre que convocado, apresentou-se para inspecção médica convocada pela 1ª e 2ª Ré, como prova movimento de baixas e documentos em anexo
O motivo que ocasionou a falta de pagamento dos períodos de baixa indicadas no artigo 21 da presente foi única e exclusivamente por um erro da 2ª Ré no formulário de comunicação para verificação ou reavaliação de incapacidades temporárias para o trabalho.
Este erro se deu no lançamento da data, onde se verifica no formulário efeitos da deliberação da não subsistência ou da não confirmação da incapacidade que vez de mencionarem o dia 10/09/1998, erroneamente lançaram o dia 15/04/1998.
Diante de tal erro, o Autor enviou uma carta (recurso), com data de 11/09/1998, reclamando do erro no lançamento do dia em que recebeu a alta. Em resposta, a 2ª Ré emitiu um ofício de nº 034234 dando a informação que reconhecem o erro, e que por decisão lhe foi concedido o pagamento do subsídio doença até o dia 10/09/1998.
A 2ª Ré, após reconhecimento do erro, deixou de cumprir o disposto nos arts. 34º, n.º 3 e 36º, do Decreto-Lei n.º 360/97, de 17 de dezembro.
A 1ª Ré, por sua vez, também deixou de cumprir o disposto no artigo 38Q, do Acordo Colectivo de Trabalho, que versa sobre o início da atribuição, pagamento e duração do complemento, visto que o Autor nunca se opôs a realização das inspecções médicas, comparecendo sempre que convocado.
Por motivo do ocorrido o Autor deixou de receber os direitos que abaixo informa:
a) Subsídio Desemprego = 33.263,19€ (80% do salário convertido de 1.094,18€ x 38 meses)
b) Social Desemprego = 21.664,76€ (60% do salário convertido de 1.904,18€ x 33 meses)
c) Subsídio Doença = 15.318,52€ (14 meses do salário convertido de 1.904,18€). Termina pedindo a condenação das Rés no pagamento de uma indemnização no valor de 70.246,47€.
Citadas as Rés, veio a 2ª Ré deduzir contestação nos autos alegando, entre outros, a incompetência absoluta em razão da matéria do presente Tribunal. Invoca, em síntese, que nos termos dos artigos g), h) e i) do n º 1 do artigo 4º do ETAF o presente litígio é da competência dos Tribunais administrativos.
Mais, refere que, estando em causa nos autos decisões relativas a pedidos de subsídio de desemprego e de doença e consubstanciando as mesmas actos administrativos que remontam ao ano de 2000, poderiam e deveriam ter sido atacadas na sede própria.
Em sede de Réplica veio o Autor desistir da instância relativamente à 2ª Ré.
Notificado para se pronunciar quanto à incompetência em razão da matéria do presente Tribunal, veio o Autor pugnar a fls.116 e seguintes dos autos pela competência do presente Tribunal em razão da matéria para conhecer do presente litígio.
Oportunamente o tribunal conheceu da excepção dilatória de incompetência material julgando-a procedente por entender que competente para apreciar o presente litígio é o Tribunal Administrativo ocorrendo a incompetência absoluta do tribunal comum, a qual, por força do disposto nos artigos 105º e 288º, nº 1, alínea a), ambos do CPC, obsta ao conhecimento do mérito da causa e que dá lugar à absolvição da instância (cf. art.º 493º do CPC) e assim decidiu absolvendo as rés da instância.
Esta decisão foi confirmada pela decisão recorrida
*
A questão a decidir consiste em saber qual o tribunal materialmente competente para a acção. No que concerne, e fazendo apelo ao ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1976, a páginas 94), a competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais, diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação, baseada a definição desta competência na matéria da causa, ou seja, no seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada.
Esta competência ratione materiae tem inscrita a instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes.
A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial. Por seu turno, recorrendo ao critério da competência residual, incluem-se na competência tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial (art.º 64º do Código de Processo Civil e 37 e seg. da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 13 de Janeiro — LOFTJ).
Sintetizando, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual.

É jurisprudência e doutrina uniforme ((Vide Manuel de Andrade, in ob. cit., pp. 90 e ss., José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, I, p. 110, José Manuel Santos Botelho in “Contencioso Administrativo Anotado e Comentado”, 3ª edição, 2000, pp. 13 e ss. e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 78.06.06 (in B.M.J. 278/122), de 98.02.12 (in CJ; Acs. do STJ; I p 263), de 2003.05.14 (proferido na Rev. nº 414/03 da 4ª Secção), de 2003.10.01 (proferido na Rev. nº 2059/03 da 4ª Secção) e de 2004.01.14 (proferido na Rev. nº 743/03 da 4ª Secção) de 20/02/90, no BMJ nº 394, pág. 453, de 27/06/89, no BMJ nº 388, pág. 464, de 06/06/78, no BMJ nº 278, pág. 122, de 9/05/95, na C.J., 1995, II, págs. 68-70, de 3/5/00, na C.J., 2000, II, pág. 39, e de 27/12/08, na C.J., 2008, III, pág.146 os Acs. do STA de 93.05.13 (Rec. nº 31.478), de 96.05.28 (Rec. nº 39.911), de 99.03.03 (Rec. nº 40.222) e de 99.10.13 (Rec. nº 44.068).). Cfr.) que, para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender ao pedido e, especialmente, à causa de pedir formulados pelo autor pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante ou, nas palavras de Alberto Reis, é por esta forma que se caracteriza o “modo de ser da lide” (Comentário, 1º, 110; no mesmo sentido Manuel de Andrade na obra já citada, pág. 91).
No caso vertente importa, assim, analisar a relação processual tal como está configurada em função do pedido e da causa de pedir. No que concerne o recorrente, no essencial, pede que seja reconhecida a obrigação de as rés repristinarem situações relativas a subsídios de desemprego e de doença relativamente aos quais não foram cumpridos os procedimentos adequados à satisfação do direito a que se arroga perante a Segurança Social.

No Acórdão deste Tribunal dos Conflitos nº 2/04 de 27.10.04 entendeu-se que a relação jurídica contributiva, filiada embora na relação laboral, não se confunde com ela, e concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral, dado que apenas incide sobre um dos sujeitos passivos, ou seja, a entidade empregadora a quem cabe a liquidação e pagamento das contribuições, mesmo na parte respeitante ao trabalhador (Vide o Ac. do STJ, de 2003.02.05 (proferido na Revista nº 2673/02 da 4ª Secção) e Ilídio das Neves, in “Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva”, 1996, p.328.).
Igual entendimento, que se perfilha, está consignado no Ac. do STJ de 2003.02.05, que refere que no âmbito desta relação jurídica contributiva, a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico (Embora, como se decidiu no citado Ac. do STJ, de 2003.02.05- e do mesmo modo nos Acs. do STJ, 2003.10.29 (proferido na Revista nº 2468/03 da 4ª Secção), de 2003.06.24 (proferido na Revista nº 1696/03 da 4ª Secção) - a violação da lei nesta área possa atingir o trabalhador e fazer incorrer a entidade empregadora em responsabilidade civil nos termos dos arts. 483° e ss. do CC, desde que reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil (culpa e nexo de causalidade entre o facto ilícito do cálculo e pagamento por defeito das contribuições e o abaixamento das prestações da Segurança Social percebidas pelo trabalhador).
É perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente, tendo poderes para intervenções coactivas, que as entidades empregadoras têm que cumprir a sua obrigação contributiva.
*
……..
Em face das grandes semelhanças que existem entre as contribuições para a Segurança Social e os impostos - pois quer umas quer outros constituem imposições financeiras devidas a entidades de direito público, têm um carácter forçado e têm uma finalidade financeira colectiva (atribuição de prestações sociais) - tem-se acentuado o carácter tributário das contribuições do regime geral da previdência (Vide o Ac. do Tribunal Constitucional nº 363/92 publicado no Diário da República II, de 93.04.08.). Embora seja questão discutida na doutrina, a da natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social (Havendo quem perspective de forma dualista as contribuições dos trabalhadores como “prémios de seguro” e as das entidades patronais como “impostos”, cindindo uma realidade jurídica que é estruturalmente unitária (como p. ex. Braz Teixeira) e havendo quem perspective as contribuições unitariamente como prémios de seguro (como p. ex. Alberto Xavier e Pessoa Jorge), ou como imposições tributárias (como p. ex, Sérvulo Correia e Sousa Franco). Fazendo uma análise exaustiva das teses dualistas e monistas dos autores citados nestes texto, vide Ilídio das Neves, in ob. cit, pp. 358 e ss.), a jurisprudência recente do STA (O Ac. do STA de 2002.06.05 (disponível na base de dados do ITIJ) considera as contribuições para a Segurança Social como receitas tributárias ou parafiscais e considera competentes os tribunais tributários de 1ª instância para apreciar a impugnação dos actos que se relacionem com a liquidação de tais contribuições. Também o recente Acórdão do STA de 2004.02.11 (disponível no mesmo sítio), aludindo ao entendimento generalizado da jurisprudência do STA, realça a natureza tributária das contribuições devidas à Segurança Social, atendo o carácter da sua fonte legal e o facto de se tratar de uma imposição unilateral não sancionatória, considerando terem natureza tributária os litígios entre a administração e os particulares a propósito dos pressupostos do pagamento dessas contribuições, o que exclui a competência dos tribunais administrativos para a respectiva apreciação, uma vez que a partir da Lei nº 4/86, que alterou várias disposições do ETAF, as “questões fiscais” ficaram excluídas da competência dos tribunais administrativos, atribuindo-se em exclusivo o seu conhecimento aos tribunais fiscais e à secção de contencioso tributário do STA - art.s 32º, nº 1, al. c), 33º, nº 1, al. c), 41º, nº 1, al. b) e 42°, nº 1, al. b) do ETAF.) e alguma doutrina (Vide Ilídio das Neves, pp. 366 e ss.) têm sugerido ser mais aceitável a tese da parafiscalidade.
De acordo com esta tese, as contribuições para a Segurança Social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas (dos quais se distinguem quanto aos objectivos, à estrutura jurídica e à própria cobrança (Aqui se destacando a possibilidade do pagamento voluntário retroactivo de contribuições prescritas (e, por isso, exigíveis coercivamente).), mas imposições parafiscais.

Assim, e seguindo tal jurisprudência, temos que o objecto da presente acção é uma relação jurídica contributiva da que emerge uma obrigação da ré B…………. perante a Segurança Social que assume natureza parafiscal.
As normas de competência inscritas no art° 49º nº 1 alínea c) e 4° nº 1 do ETAF aprovado pela Lei n° 13/2000 de 19.02. atribuem aos tribunais tributários a competência para as acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal.
Conclui-se, assim, tal como se concluiu naquela decisão deste Tribunal supra- referida, que:
Perante a orientação do legislador no sentido de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de sectores do direito diferentes, de acordo com a natureza das matérias das causas;
Perante as regras delimitadoras da competência jurisdicional, em matéria de Segurança Social, que denotam uma crescente intervenção das jurisdições administrativa e tributária nos conflitos relacionados com a matéria do Direito da Segurança Social;
Atendendo a que a matéria do Direito da Segurança Social vem sendo perspectivada de acordo com o Direito Tributário (a relação jurídica contributiva) e de acordo com o Direito Administrativo (as demais relações jurídicas, vg. a que se processa entre os cidadãos e o Estado, baseada num direito subjectivo à protecção social);
O “conflito” deve decidir-se atribuindo competência para o julgamento desta acção à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Conflitos em julgar competente para conhecer da presente acção os tribunais tributários.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2015. – José António Henriques dos Santos Cabral (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisAntónio Jorge Fernandes de Oliveira MendesAntónio Pires Henriques da GraçaJorge Artur Madeira dos Santos (vencido, nos termos da declaração que junto) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº. Conselheiro Madeira dos Santos, para que remeto).
VOTO DE VENCIDO

A acção dos autos, cujo grau de viabilidade é aqui irrelevante, pretende o reconhecimento da responsabilidade extracontratual dos réus, pois culmina no pedido de condenação deles – uma entidade privada (a B……….) e um ente público (o ISS) — no pagamento de determinada indemnização.
Sendo assim, e ao menos relativamente à B…………., parece-me claro que o conhecimento do pleito cabe à jurisdição comum, já que nenhuma norma do ETAF prevê que uma causa assim configurada seja conhecida na jurisdição administrativa e fiscal.
É certo que o pedido indemnizatório dirigido ao ISS não é cognoscível pelos tribunais comuns. Mas isso somente implica a absolvição da instância desse réu, por incompetência «ratione materiae» nessa parte – como é de regra nos casos de cumulação de pedidos e de coligação de réus (cfr. os arts. 470º, n.º 1, e 31º, n.º 1, do anterior CPC). De modo que o processo sempre prosseguiria na jurisdição comum contra a B…………, para conhecimento do pedido formulado contra ela – se nenhuma outra questão formal a isso obstasse.
A posição vencedora argumenta que a relação jurídica contributiva, entre uma empresa e o ISS, tem natureza parafiscal e é cognoscível nos tribunais tributários – o que considero exacto. Mas, como se deduz do que acima disse, as relações jurídicas de que emerge o pedido formulado na acção são bem diversas; pois trata-se de relações jurídicas alegadamente fundadas em responsabilidade civil e em que intervêm o autor, por um lado, e os réus, por outro. Daí que perca sentido remeter para os tribunais tributários um pleito onde, desde logo, se discute o direito do autor a receber uma indemnização da sua antiga entidade patronal, ademais de direito privado.
Pelo exposto, resolveria o conflito atribuindo a competência em razão da matéria à jurisdição comum.
Jorge Artur Madeira dos Santos