Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 019/15 |
Data do Acordão: | 10/01/2015 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | GONÇALVES ROCHA |
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO ACIDENTE DE SERVIÇO CTT. |
Sumário: | * |
Nº Convencional: | JSTA00069359 |
Nº do Documento: | SAC20151001019 |
Data de Entrada: | 04/16/2015 |
Recorrente: | A..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DO PORTO - VALONGO - INSTÂNCIA CENTRAL, 4 SECÇÃO TRABALHO - J2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | CONFLITO NEGATIVO |
Objecto: | SENT TT GONDOMAR - SENT TAF PORTO |
Decisão: | DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO COMUM. |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO |
Legislação Nacional: | CONST76 ART211 ART212 N3. DL 503/99 ART5 N3 ART2 ART58. DL 129/2013 DE 6/09. DL 87/92 DE 1992/05/14 ART9 N2. LEI 98/09 DE 2009/09/04. LEI 13/2002 ART4 ETAF. |
Jurisprudência Nacional: | AC STJ DE 2009/05/14. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Tribunal de Conflitos: 1--- A……………. instaurou, no Tribunal do Trabalho de Gondomar, uma acção comum contra B………………, SA, pedindo que o acidente de que foi vítima no dia 25 de Fevereiro de 2013, seja qualificado como acidente de trabalho, e que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1 286,32 euros, acrescida dos juros de mora legais até integral pagamento. Alegou para tanto que é trabalhadora da R desde 1982, com a categoria profissional com o código CRT, ao serviço de quem aufere a retribuição base de 988,60 euros. No dia 25/2/13, deslocou-se ao gabinete do seu chefe com o objectivo de lhe entregar uma petição, onde solicitava que, atendendo à sua condição física, fosse readaptada no exercício das suas funções profissionais. E face à forma inesperada, brutal e humilhante como este reagiu e como foi tratada, a certa altura desmaiou, caindo desamparada no chão, sob o seu braço esquerdo, o que lhe provocou dores muito fortes, tendo sido, de imediato, conduzida ao serviço de urgência do Hospital de S. João, no Porto, onde foi assistida. Do acidente resultaram lesões físicas e psicológicas que lhe provocaram uma incapacidade para o trabalho entre 25/2/13 e 30/5/2013, tendo sido necessário efectuar vários exames e submeter-se a várias sessões de fisioterapia para minimizar as dores advindas da queda. Logo após o acidente solicitou que este fosse qualificado como acidente de trabalho, qualificação que a R recusou. Peticiona por isso, a sua condenação no pagamento da quantia de 1 286,32 euros, resultante dos descontos no vencimento, nas diuturnidades e nos subsídios de refeição a que a R procedeu indevidamente, nos meses de Março a Junho de 2013, a que acrescem as despesas que suportou advindas de exames médicos, tratamentos e do episódio de urgência hospitalar. A R veio contestar, invocando que a A é subscritora da Caixa Geral de Aposentações pois, tendo sido admitida quando aquela detinha o estatuto de empresa pública, esta situação manteve-se mesmo após a sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos. Sustenta assim que, sendo-lhe aplicável a disciplina do DL n° 503/99 de 20/11, a presente acção cai no âmbito da competência dos Tribunais Administrativos. E em sede de impugnação mantém que a A não foi vítima dum acidente de trabalho, pois no final da conversa com o seu chefe, no dia 25/2/2013, que decorreu de forma normal, aquela desfaleceu e caiu no chão, tendo sido vítima duma mera doença natural, razão por que foi transportada à urgência do Hospital de S. João. Alega ainda que procedeu aos descontos no vencimento, diuturnidades e nos subsídios de refeição dos meses de Março a Junho de 2013, tal como prevê o AE (Acordo de Empresa), pelo que nada tem a pagar-lhe a este título. Termina pedindo que o tribunal se considere materialmente incompetente para a causa; e caso assim se não entenda, pugna pela sua absolvição do pedido. A A respondeu, sustentando que a competência para a acção pertence aos tribunais do trabalho, pois não exerce funções em qualquer dos organismos mencionados no artigo 2°, n° 1 do DL n° 503/99 de 20/11. Decidida esta questão, o Tribunal da Comarca do Porto, Valongo — Inst. Central — 4ª Secção Trabalho — J2, para onde o processo fora entretanto remetido, julgou-se materialmente incompetente para conhecer desta acção, absolvendo a R da instância. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, veio a entender-se que estava verificada a excepção dilatória de incompetência material deste tribunal para julgar a causa, pelo que, e considerando competente o tribunal do trabalho, absolveu-se a R da instância. Transitada esta decisão, veio a A requerer a resolução do conflito negativo declarando-se que a competência para julgar esta acção pertence ao tribunal do trabalho, razão por que foram os autos remetidos ao Tribunal dos Conflitos. Distribuído o processo, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido de se resolver o presente conflito negativo de jurisdição atribuindo-se aos tribunais judiciais e, dentro desta ordem jurisdicional, aos tribunais do trabalho, a competência para conhecer e julgar a presente acção, nos termos dos artigos 211°, n° 1 e 212°, n° 3 da CRP; 64° do CPC; 18°, n° 1 e 85°, b) da LOFTJ; e artigos 1°, n° 1 e 4°, n°s 1 e 3 do ETAF. Cumpre apreciar e decidir. 2--- Resulta do artigo 211°, n.° 1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 64.° do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212º, n° 3 da CRP que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n° 13/2002 de 17 de Fevereiro, embora em termos meramente exemplificativos. É entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade. E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor. Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”. Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que deveremos decidir da questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento. Ora, esta acção começou com uma petição da A, dirigida ao Tribunal do Trabalho de Gondomar, pedindo que o acidente de que foi vítima no dia 25 de Fevereiro de 2013, seja qualificado como acidente de trabalho, e que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1 286,32 euros, resultante dos descontos no vencimento, nas diuturnidades e nos subsídios de refeição a que a R procedeu nos meses de Março a Junho de 2013, em que esteve incapacitada de trabalhar, acrescendo ainda as despesas que suportou em consequência do acidente, advindas de exames médicos, tratamentos e do episódio de urgência no Hospital de S. João. A esta posição da A contrapôs a R que aquele tribunal é incompetente em razão da matéria, pois sendo aquela subscritora da Caixa Geral de Aposentações, em virtude de ter sido admitida quando detinha o estatuto de empresa pública, situação que se manteve mesmo após a sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos, é-lhe aplicável a disciplina do DL n° 503/99 de 20/11, pelo que a presente acção cai no âmbito da competência dos Tribunais Administrativos. Donde resulta que a questão da competência para julgar esta acção depende da qualificação do alegado acidente de que a A foi vítima no dia 25/2/13, como acidente de trabalho ou como acidente de serviço. Entendeu a jurisdição laboral que a A, tendo sido admitida em 1990, altura em que a R era uma empresa pública, era e continuou a ser subscritora da Caixa Geral de Aposentações por este regime se ter mantido mesmo depois daquela se ter transformado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Por isso, competindo à CGA avaliar e reparar os danos advindos de incapacidade permanente ou de morte resultantes dum acidente de serviço, conforme estabelece o n° 3 do artigo 5° do DL n° 503/99 de 20/11, a competência para julgar a acção pertence aos tribunais administrativos. Contrapõe o TAF do Porto que do lado passivo estão os B………., empresa que na sequência do DL n° 129/2013 de 6/9, foi sujeita a um processo de privatização do seu capital, pelo que, sendo hoje uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados, o litígio dos autos não cabe no âmbito da jurisdição administrativa. Argumenta ainda que o regime do DL n° 503/99 de 20/11 não é aplicável, pois este destina-se a regulamentar os acidentes ocorridos ao serviço das entidades empregadoras públicas mencionadas nos n°s 2 e 3 do seu artigo 2°, pelo que, não se integrando a R em qualquer destas categorias, não pode a trabalhadora beneficiar deste regime. Concordamos inteiramente com esta posição do TAF. Efectivamente, a trabalhadora intentou esta acção contra os B……………., e não contra a Caixa Geral de Aposentações. Por outro lado, a R passou de empresa pública (pessoa colectiva de direito público) a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o DL n° 87/92 de 14 de Maio, sendo actualmente uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (DL n° 129/2013). Não cabe por isso, no âmbito de aplicação subjectiva do DL n° 503/99 de 20/11, entretanto alterado pela Lei 59/2008 de 11/9. Na verdade, e conforme se colhe do preâmbulo do diploma de 1999, visou o legislador regulamentar a disciplina dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, por se ter reconhecido que o regime advindo do Decreto-Lei n° 38 523 de 23 de Novembro de 1951 se encontrava manifestamente desajustado, face à evolução social e legislativa entretanto ocorrida. Assim, e em vigor desde 1 de Maio de 2000, conforme estabelecido no artigo 58° do DL n° 503/99, o seu regime é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços de Administração directa e indirecta do Estado, quer aquelas advenham de nomeação quer de contrato de trabalho em funções públicas (artigo 2°, n° 1). Por seu turno, o seu número 2 alarga a aplicação deste regime aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas, e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público, e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes. Além disso, o seu n° 3 alarga ainda a aplicação deste regime aos trabalhadores dos gabinetes de apoio dos membros do Governo e dos titulares dos órgãos a que se refere o n° 2. Ora, a A não exerce funções públicas nos serviços de Administração directa e indirecta do Estado, nem nos serviços de qualquer das entidades mencionadas nos n°s 2 e 3 do artigo 2º do DL n° 503/99 de 20/11, pois a R passou de empresa pública (pessoa colectiva de direito público) a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com o DL nº 87/92 de 14 de Maio, sendo actualmente uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (DL n° 129/2013). Por isso, e tendo em conta a data do acidente (25/2/2013), concluímos que não lhe é aplicável o regime de protecção infortunística consagrado pelo DL n° 503/99, tanto mais que o n° 4 do mencionado artigo 2° estabelece que os trabalhadores das entidades públicas empresariais e outras entidades não abrangidas nos números anteriores ficam abrangidos pelo regime geral dos acidentes de trabalho, que desde 1 de Janeiro de 2010 é o constante da Lei 98/2009 de 4 de Setembro. É certo que, por força do artigo 9º, n° 2 do DL n° 87/92 de 14 de Maio, a A é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, pois este diploma assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes para o pessoal dos B……….. enquanto empresa pública. De qualquer forma, ainda que assim seja, será a entidade empregadora a responsável pelos direitos reclamados pela A, pois a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações apenas abrange a reparação dos acidentes de que tenha resultado uma incapacidade permanente ou a morte do sinistrado, conforme advém dos n°s 1 e 3 do artigo 5º do DL n° 503/99 de 20/11. Efectivamente, reclama a A que a R seja condenada a reconhecer que o acidente de que foi vítima no dia 25 de Fevereiro de 2013 seja qualificado como acidente de trabalho e a pagar-lhe a quantia de 1 286,32 euros, resultante dos descontos no vencimento, nas diuturnidades e nos subsídios de refeição a que a R procedeu nos meses de Março a Junho de 2013, em que esteve incapacitada de trabalhar, acrescendo ainda as despesas que suportou em consequência do acidente, advindas de exames médicos, tratamentos e do episódio de urgência no Hospital de S. João. Assim sendo, e face ao pedido, não estando em causa a atribuição duma incapacidade permanente e consequente pagamento da respectiva pensão, nunca a CGA será responsabilizada. Nestes termos, está em causa um litígio de natureza privatística, conforme lucidamente conclui o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto no seu parecer, pelo que a competência para decidir a presente acção pertence aos tribunais do trabalho, face ao disposto no artigo 85º, alíneas b), da LOFTJ. 3--- Termos em que se acorda em dirimir o presente conflito negativo de jurisdição declarando-se competentes os tribunais do trabalho para conhecer da presente acção, pelo que deverão os autos prosseguir o seu curso no Tribunal da Comarca do Porto, Valongo — Instância Central — 4ª Secção Trabalho — J2. Custas a cargo da R. Lisboa, 1 de Outubro de 2015. – António Gonçalves Rocha (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Fernanda Isabel de Sousa Pereira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Gabriel Martim dos Santos Catarino – Alberto Acácio de Sá Costa Reis. |