Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:026/16
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO.
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI.
EXPROPRIAÇÃO.
JUSTA INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, decorrente de um precedente processo expropriativo
Nº Convencional:JSTA00070081
Nº do Documento:SAC20170316026
Data de Entrada:10/04/2016
Recorrente:A........ E OUTROS, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DO PORTO, PÓVOA DE VARZIM, INSTÂNCIA CENTRAL 2ª SECÇÃO CÍVEL - J2 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO
Objecto:AC T RELAÇÃO PORTO.
Decisão:ATRIBUÍDA COMPETÊNCIA JURISDIÇÃO COMUM.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:CONST76 ART209 ART211 ART212.
CPC ART64.
LOSJ ART40.
ETAF ART1.
CEXP ART8.
L 67/2007 ART16.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC02/10 DE 2010/09/28.; AC TC PROC025/10 DE 2011/03/29.; AC TC PROC09/10 DE 2011/03/02.; AC TC PROC011/10 DE 2010/09/09.; AC TC PROC010/11 DE 2011/11/20.; AC TC PROC09/14 DE 2014/06/19.
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO Nº 26/16

Acordam no Tribunal de Conflitos

A……….., B…………., C…………. e D………., intentaram a presente acção declarativa de condenação, contra E………., S.A. e F………….., S.A., peticionando a condenação das RR:

a) A reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio rústico, denominado ……….. (…) descrito na CRP da Maia sob o número mil quatrocentos e sete e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1150 (anterior 133 da freguesia de …………) com os limites, configuração e área de 2494m2 constantes da planta topográfica junta sob o nº 13 assinalados a cor verde;

b) A restituírem os 650m2 que ocuparam do prédio dos AA no estado em que se encontrava à data da ocupação ou, subsidiariamente, caso tal restituição não seja possível, a pagarem indemnização aos AA correspondente ao valor por m2, à data da ocupação dos ditos 650m2, a liquidar em execução de sentença, a qual deverá ser actualizada segundo índice de preços no consumidor, desde a data da ocupação até ao pagamento integral da indemnização e sobre o qual deverão vencer juros de mora desde a liquidação até efectivo e integral pagamento;

c) A pagarem aos AA indemnização pelo prejuízo decorrente da ocupação de 650m2 do seu prédio, desde a data em que a ocupação teve início e enquanto essa ocupação se mantiver, a estabelecer segundo o prudente arbítrio do tribunal, mas em valor nunca inferior a 20.000,00€, ao que deverão acrescer os juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;

d) A 1ª ré e subsidiariamente, a 2ª Ré, a pagar aos AA a justa indemnização pelos danos sofridos decorrentes da constituição da servidão non aedificandi sobre o seu prédio, a liquidar em execução de sentença, sobre a qual deverão vencer juros de mora desde a liquidação até efectivo e integral pagamento.

Alegam, para tanto, são actualmente os legítimos proprietários do prédio rústico denominado …………, descrito na CRP da Maia sob o número 1407 e inscrito na matriz sob o artigo 1150 (anterior 133) e, que em 2005 o prédio foi objecto de uma 2ª expropriação, numa área de 117m2, promovida pela 1ª Ré para construção da auto-estrada A41.

Porém, as RR além dos 117m2 expropriados, em data que se desconhece, mas aquando da execução da obra de construção da A41/IC24, lanço Freixieiro/Alfena, ocuparam uma faixa de terreno com área de 650m2, com aptidão construtiva, procederam à mudança da vedação de rede, sem que para tal tivessem iniciado qualquer processo de expropriação, amigável ou litigioso ou adquirirem por qualquer outra forma a propriedade da referida parcela, assim ocupada ilegalmente, vendo-se os AA privados de usar e fruir da referida parcela de terreno.

Mais alegam [na parte que ora interessa] que sobre o prédio dos AA foi constituída uma servidão non aedificandi, nos termos do Dec-lei 189/2002 de 28 de Agosto, servidão essa que definitivamente fixada abrange a totalidade do prédio dos AA, pelo que o mesmo perdeu definitivamente a aptidão construtiva que possuía, sendo que a parte deixada livre pelas RR não tem qualquer proveito ou utilidade, constituindo a desvalorização cerca de 90 a 95%, tornando nulo o seu valor económico, pelo que a este título entendem ser-lhes devida indemnização a liquidar em execução de sentença [cfr. pedido formulado na al. d).


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Suscitada pelas RR a excepção da incompetência dos tribunais comuns, veio a ser proferido despacho saneador pela Instância Central, 2ª secção cível, Póvoa do Varzim, que declarou parcialmente procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal, no que respeita à 2ª parte da al. b) do petitório e da al. c) do mesmo petitório.

Deste despacho foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o qual concedeu parcial provimento ao recurso, tendo julgado os tribunal recorrido competente para julgar os pedidos formulados sob as als. b) e c) do petitório, mas julgado os tribunais comuns incompetentes em razão da matéria para julgar o pedido formulado sob a al. d) do petitório, absolvendo as RR da instância no que a este aspecto concerne.


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E é deste acórdão proferido em 07/04/2016, reformado em 28/06/2016, pela Relação do Porto, que vem interposto o presente recurso, para o Tribunal de Conflitos, tendo os AA formulado as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1. Não se podem conformar os Apelantes douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que este, oficiosamente, absolve as Rés da Instância por considerar existir incompetência absoluta dos tribunais comuns em razão da matéria para apreciar o pedido de justa indemnização pela constituição da servidão non aedificandi, atribuindo-a aos tribunais administrativos.

2. Para aferir da competência material dos tribunais atende-se à relação jurídica controvertida nos exactos termos em que os Autores a definem na Petição inicial.

3. Resultam dos factos alegados na PI pelos Apelantes que, em virtude da constituição da servidão non aedificandi, ocorreu no seu prédio a inviabilização da utilização que lhe vinha sendo dada, bem como a perda total do seu valor económico, o que lhe confere o direito à Justa Indemnização tal qual se peticionou e estabelece no art.8º do Código das Expropriações,

4. As servidões non aedificandi podem ser ou não resultantes de expropriação, mas conferem sempre o direito a indemnização quando preenchidos um dos requisitos das alíneas do nº 2 do art. 8º do Código das Expropriações, sendo competente, pela aplicação do nº 3 daquele preceito legal e artigos 23º e 38º do mesmo diploma, a jurisdição comum e não os tribunais administrativos.

5. No caso em apreço, a Lei 67/2007 de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Colectivas de Direito Público ou RRCEE), não derroga nem prevalece sobre o regime especial estabelecido no Código das Expropriações, o que facilmente se alcança pelo art. 2º, nº 1 daquela lei, bem como o art. 1º, nº 1 do regime da responsabilidade por ela aprovado.

6. No caso da fixação do montante concreto da justa indemnização a pagar ao proprietário do prédio onerado com a servidão é evidente não estarmos numa relação jurídica-administrativa, também o não estamos numa situação em as Apeladas se encontrem imbuídas do seu ius imperi, sendo ademais corolário dos princípios constitucionalmente consagrados no nº 2 do art.62º e 13º ambos da CRP que, no que diz respeito à fixação da Justa Indemnização de acordo com critérios privatísticos e civilísticos, as partes se encontrem numa posição de igualdade ou paridade, situação que desde logo retira competência aos tribunais administrativos.

7. São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que - independentemente da forma de processo e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado - têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo.” cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos Proc. nº 09/14, datado de 19-06-2014, e no mesmo sentido Acórdão do Tribunal dos Conflitos Proc. nº 010/11, datado de 20.10.2011 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. nº 05A4270, datado de 06.07.2006, todos in www.dgsi.pt, para cujos sumários e fundamentação se remete;

8. São os tribunais comuns os competentes para julgar e apreciar o pedido formulado pelos Apelantes, pelo que, deve a excepção de incompetência material do tribunal improceder;

9. Ao considerar existir incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais comuns, absolvendo as Rés da Instância quanto ao pedido de indemnização pela constituição da servidão non aedificandi no prédio reivindicado, violou o venerando Tribunal da Relação os artigos 8º, 38º e 51º todos do Código das Expropriações, artigos 13º e 62º nº 3 da CRP, os artigos 211º, nº 1 e 212º, nº 3 ambos da CRP, artigo 64º do CPC e artº 1, nº1 do ETAF.

(…)

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, julgar a jurisdição comum como materialmente competente para apreciação do pedido da alínea d) da Petição Inicial deduzida pelos Apelantes, julgando improcedente a excepção de incompetência absoluta proferida pelo tribunal a quo, ordenando o prosseguimento da acção os seus termos para apreciação daquele pedido».


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Ressuma do exposto que a questão decidenda consiste em saber se os tribunais comuns são ou não competentes em razão da matéria para decidirem do pedido formulado pelos AA sob a al. d) do petitório, respeitante à indemnização peticionada quanto à constituição da alegada servidão non aedificandi.

Entendeu-se no Acórdão da relação do Porto que este pedido tem por fundamento o artº 16º da Lei nº 67/2007 de 31/12, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, nos termos da cláusula geral de indemnização por sacrifício imposto ao particular em razão do interesse público e não no artº 8º, nº 3 da Lei nº 168/99 de 18/09 (Código das Expropriações) que por disposição expressa do nº 2 do citado artigo torna extensivo à constituição de servidões administrativas o regime indemnizatório da requisição e expropriação por utilidade pública, salvaguardado pelas disposições conjugadas do artº 2º, nº 1 da Lei nº 67/2007 e do artº 1º, nº 1 do regime da RCEE por aquela aprovado.


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Cumpre apreciar e decidir.

2. A factualidade com relevo para a resolução do conflito a decidir e que resulta dos autos, é a supra referida em sede de relatório.


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Cumpre decidir:

O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Nos termos do disposto no art. 211º, nº 1 da CRP, os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Estabelecendo o art. 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (também o art. 64º do CPC) – competência residual.

Por sua vez, art. 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Também o artº 1º, nº 1 do ETAF estatui que, “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artº 4º deste Estatuto”.

A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.

A determinação do tribunal competente em razão de matéria, é aferida em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os respectivos fundamentos; ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial, atendendo-se ainda à identidade das partes, pretensão formulada e respectivos fundamentos, sendo, no entanto, nesta fase, indiferente o juízo de prognose acerca da viabilidade ou não da acção, face à sua configuração - cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28-09-2010, processo nº 2/10 de 29-03-2011, processo nº 2510, de 02-03-2011, processo 9/10 e de 09-09-2010, proc. 011/10.

É, pois, inequívoco que a competência é apreciada em função da causa de pedir e pedido, aferidos à data da propositura da acção, em que está em causa um pedido de reivindicação de propriedade, de restituição, de indemnização pela ocupação no caso daquela não ser possível, de indemnização pelo prejuízo causado, bem como, e subsidiariamente, o pagamento de uma justa indemnização relativa aos prejuízos decorrentes da constituição de uma servidão non aedificandi por virtude da expropriação.

Porém, no presente recurso, apenas está em causa a competência do tribunal, em razão da matéria no que respeita a este último pedido, [mostrando-se assente que quanto aos demais, é competente a jurisdição comum] que no entanto, não poderá ser desenraizado do contexto da causa de pedir e demais pedidos enunciados.

E este último pedido, formulado, inclusive, a título subsidiário, não se consubstancia numa formulação em sede indemnizatória por responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos ou lícitos de gestão pública ou privada, mas antes na previsão do nºs 2 e 3 do artº 8º do Código das Expropriações.

Com efeito, resulta desta norma que as servidões non aedificandi podem ser ou não resultantes de expropriação, mas conferem sempre o direito a indemnização quando preenchidos um dos requisitos das alíneas do nº 2 do artº 8º do CE.

E à constituição da servidão e à determinação da indemnização aplica-se, por força do disposto no nº 3 do artº 8º do CE o regime aqui previsto, com as necessárias adaptações, salvo regime especial, que no caso não existe – cfr. neste sentido os Acórdãos deste Tribunal de Conflitos, proferidos em 20/11/2011, in proc. nº 010/11 e de 19/06/2014 , in proc. nº 09/14.

E, deste modo, é inequívoco que a competência para conhecer deste pedido cabe, por determinação expressa, à jurisdição comum.

3. Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais comuns.

Sem custas

Lisboa, 16 de Março de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Gabriel Martim dos Anjos Catarino – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – João Carlos Pires Trindade – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – João Tavares de Paiva.